quinta-feira, outubro 16, 2008

Comunidade e Mosaico de Estranhezas




O termo comunidade é daquelas palavras que dificilmente fazem brotar qualquer neutralidade ou imparcialidade. Os adeptos do positivismo sempre tiveram “um pé atrás” (ou os dois) diante não só deste termo, como também da idéia que conceberam de comunidade. Isso porque, nos primórdios, o paradigma positivista aparece em contraposição ao modelo medieval, pelo menos parcialmente, na medida em que vários pontos, inclusive no religioso, existem convergências significativas. Essa contraposição, em termos sociais, pode ser observada, por exemplo, no abandono do modelo de “guildas” onde existia algo próximo a uma lei interna que geria o mosaico, ou sistema, se preferirem o termo fisicalista.


Na individualização construída que se radicaliza na revolução francesa não havia mais espaço para a idéia de comunidade enquanto homogeneização total (ou quase) de sujeitos em sub-estruturas grupais que se afastavam da unidade de alta complexidade composta, dentre outros, pelo Estado. Logo, a individualização promovida foi uma individualização que por um lado afasta os sujeitos concretos da antiga idéia de comunidade, como lugar dos comuns, mais radicalmente como lugar dos iguais e por outro lado, com o fenômeno da nacionalização unifica esses sujeitos sob a égide de uma lei única, que iguala esses sujeitos a partir dessa cisão.


Já do “outro lado do muro”, no prenuncio do auge individualista os primeiros socialistas resgatam antigas “utopias”, romanceadas pelo ardor da paixão (pathos) e fantasiadas através do arquétipo do paraíso, que foi constelado, por exemplo, no Éden pelos cristãos. Para alguns destes primeiros socialistas a socialização radical proposta era a fundação de uma comunidade global – ou situacional e localizada para alguns, como os Anabatistas e outros “proto-comunistas” – onde haveria homogeneidade de pensamentos, bens materiais (ou ao menos o fim da propriedade privada), objetivos e visões de mundo. As pessoas seriam boas por excelência (o mito roussauniano se propagou de tal modo que aparece com força mesmo na emergente psiquiatria ou nos casebres-fazendas religiosas que visavam o tratamento dos desvairados e desatinados).


Na observação cotidiana de uma comunidade, sejamos francos, não é isso que vemos ou ouvimos. Comunidade não se trata nem de uma soma de sujeitos (que aqui o princípio gestáltico tome potencia! “o todo é maior que a soma das partes”), nem tampouco de uma igualdade absoluta e indiscutível de (in)existências. Temos, portanto, que compreender comunidade de um outro modo, onde seja possível uma superação das dicotomias “individual x coletivo”, “singularidade x homogeneidade”. Uma comunidade só pode ser definida a partir da uma ligação sentimental/afetiva entre seus membros, de um continuum espaço-temporal – o que nos remete a questão do território - e de uma simbólica de diferença a partir da unidade, ou seja, mosaico de isomorfos não-triviais. Em conseqüência a comunidade é lócus privilegiado de desenvolvimento das potencialidades humanas, da individuação, pois é nesta ligação estreita entre as dimensões singulares e genéricas que a dialética pode desestratificar conduções estereotipadas, isto é, temos aqui o funcionamento da própria “função transcendente” (cf. Jung, Natureza da Psique).


Clareando a idéia da comunidade como mosaico, devemos considerar que mosaico é um termo utilizado como substituto da noção de sistema, já que “sistema” esteve associado intimamente a física newtoniana e ao positivismo, sendo mais claro, a certeza estabelecida através da trajetória (a verdade revelada pela sucessão causal espaço-temporal). Nessa perspectiva sistema é o conjunto de elementos não havendo qualquer noção de totalidade. Então, mosaico permite atentar para o que é comum, para a “comunidade”, ao mesmo tempo que para a diferença, sendo cada parte do mosaico isomórfica ao todo, quer dizer, de forma semelhante (não igual). Mas não apenas isomórfica, mas isomórfica não-trivial, considerando aqui a abertura e o fechamento do mosaico, quando dizemos que ele é “não-trivial” queremos dizer que cada parte do mosaico é relativamente fechada e relativamente aberta (assim como o todo do mosaico, já que ambos tem ismorfismo), por conseguinte, há abertura e modificação do mosaico sem necessariamente consideramos causas ou efeitos (aqui considerando mais de um tipo de temporalidade, tempo-continuidade, tempo-circularidade), ou seja, o mosaico não é definido a priori nem se limita a si mesmo (A não é necessariamente/exatamente A, e pode ser ao mesmo tempo B – alteração do princípio de identidade de Descartes e do princípio de não-contradição aristotélico), sendo, por outro lado, claramente definível. Assim, sabemos que é uma coisa é uma coisa, mas essa coisa sempre rompe o seu próprio estatuto. Então, um grupo nunca se resume a suas relações dadas (está em trans-formação), apesar de percebemos claramente sua coesão e unidade (de alta complexidade).


Cada projeto comunitário, cada ação na comunidade, da comunidade deve passar pelo sujeito concreto e, logo, passará por sua dimensão ético/estética/religiosa, por uma imbricação de sentidos, desejos, etc. Cada sujeito num grupo ou numa comunidade está presente, alterando o mosaico, mas ao tempo pode possuir uma dissonância e essa dissonância faz parte de toda fundação complexa (inserção da incerteza e das bifurcação nos mosaicos, toda totalidade é não-toda – faltante, inacabada, apesar de formar um todo), onde não existe previsibilidade, pois o mosaico não se comporta linearmente, nem mesmo aleatoriamente, mas de forma, como diz Morin, semi-aleatória.


Feitas essas considerações, podemos tentar superar, de alguma forma, o antigo pensamento de comunidade, onde o povo, a população, os membros do mosaico eram considerados “massas disformes” e logo deveriam ser conduzidas por um salvador da pátria, aquele que “sabendo do real do sistema” conduzi-lo-ia ao progresso. Ora, a população não é massa disforme, nem responde apenas a apelos materiais, restando a burguesia as sutilezas psicológicas, mas cada pessoa dentro da população contem o todo daquele mosaico (princípio hologramático, Ued Maluf, por outro lado, re-formula seu nome, por considerá-lo fisicalista), sem se limitar a ele (possibilidade de criação, não porém ex nihilo).


Concluímos que através de outra percepção de comunidade é possível pensá-la como lugar fundamental da individuação e que alterações no território simbólico (psicoide) engendram mudanças, usando um termo pouco interessante, mas clarificador, psico-fisicas. Logo, é vital em qualquer ação psíquica, política, social, sentir as territorialidades, as comunidades que se formam, que se des-formam, que se trans-formam e atravessam cada sujeito concreto e cada mosaico social. O mais-que-óbvio, que as vezes não é tão óbvio assim, que o texto discute é a superação da dicotomia sujeito-objeto, sujeito-comunidade, pois é na comunidade que o sujeito se individua e no sujeito que a comunidade faz o mesmo.
(Pitura - Paul Klee - Cidade de Sonhos)

sábado, agosto 09, 2008



Ave Deus dos Mares!

Ave Queridos peixareiros que peixearam 08/08/08, louvados sejam!

Ave Todos nós que, doravante, somos peixes graudos!

The parrachian´s way

It´s ok!

terça-feira, julho 15, 2008

Tem alguem ainda aí? Alou??

Eco
Eco
Eco

E Narciso encanto, decantado. Mas, quiçá, Narciso desencanto, rio sujo, poluído, merda marrom.

Blog-vivo, calado. Deserto vazio ou cheio?

Nunca imaginei que a vida pudesse ser dura assim. Nunca sentira na pele a queimadura que o capital nos faz sentir.

Medo, desespero. Anuncio de ónibus: teatro da vida real.

Blog falante, através de dedos calados, dias quentes, pensamentos abafados.

Quando me enveredei por este caminho? Posso continuar?

Só um idiota revela seus sentimentos em público.

Eco
Eco
Eco

Todos se resolvem, diz a fantasia. O diabo está sempre a espreita: conheço bem o fascista que ronda minha alma. Se esconde no hipocampus - come um belo filé de badejo à belle-manière. Mais c´est tout ou c´est rien. Ou o caminho do meio ainda é um resistência?

domingo, abril 20, 2008

Endereços.

Para quem pegou o COLAPSO e entrou neste site, vai um aviso. O endereço no aperiódico está errado, então aqui vão os endereços de onde surgiu o Colapso:

- http://dedoscruzados.blogspot.com - aqui é o endereço antigo, onde estão 99% dos textos.

- http://dialogoscasuais.thunderweb.com.br - este é o endereço novo, mas por enquanto ainda está bem vazio. Mas em breve o pessoal estará publicando nele e, se conseguirmos, levaremos os textos antigos para cá.

É isso.. abraços pessoar.

terça-feira, abril 15, 2008

Da impessoalidade


Continuando o processo dos posts pessoais, demasiadamente pessoais... Só me resta falar: "da impossibilidade da pessoalidade e da impossibilidade da impessoalidade".



Como é duro ser fraco
E no final sentir que há algo quebrado
Lá dentro, no interior.

Como quisera ter podido ser valente
Mesmo que de cabeça quente
Cuspindo fogo e ardendo brasa.

Quisera eu ter músculos verbais tão potentes
Pra não ser atropelado por essa gente
Que esmaga mesmo sem ter um trator.

Não que queira imputar-lhes culpa
Não, de forma alguma.
Culpado sou eu de aceitar tudo em candura

Mas o destino é cruel em ventos tais,
Quem mata menos às vezes é quem mata mais.
E se peço a minha gente de dentro,
Já não tão branda,
Uma outra dança..

... É certamente na esperança
De poder dançar melhor
De poder estar melhor
De poder ser melhor
De poder poder,
Assumir o posto que me clama.

-> A pintura é do renomado artista Frei Nando, ou como é vulgarmente conhecido, FernandoR.

quinta-feira, abril 03, 2008

Diletantismo e Reducionismo

Tenho uma confissão, queridas/os não-leitores: tenho uma paixão pelo diletantismo. Uma paixão pela paixão: amadora ou não, um interesse pela ampliação do interesse, pela complexidade quantitativa e qualitativa.

As pessoas hoje parecem ter repulsa à explosão de territorialidades polimorfas. Não queridos, vocês devem ser especialistas, depois de 30 anos de trabalhos com uma abordagem, com uma linha reconhecida dentro de uma ciência estabelecida, ai você tem um bom curriculum vitae para mostrar a todos, para conseguir mais um emprego. Não queira trabalhar em diversas áreas, não queira misturar teorias, não queira ser artista.... Não queira ficar numa corda bamba.

Tudo bem definido: ou A ou B. Arroz ou Camarão. E eu, e todo o conjunto de estranhos seres, que fazem toda uma bagunça intelectual - e também sentimental - arrastando, numa liberdade pitoresca, todo armazem de cimento do conhecimento, transformando-o num caos de possibilidades, territorilizando-se in situ, cada vez com uma cara diferente? Monstros, artistas, gozos, arquétipos, política, música, loucura.

A esses, o gosto amargo de um não-reconhecimento, de um distanciamento. O que importa deixa de ser criar, alterar, transmutar... o que vale é a monotonia de um cerceamento... monocausalidade, linearidade, previsibilidade, solaridade, masculinidade (mesmo nas mulheres)....

E os sonhos foram deixados de lado... Onde está, onde está, onde está aquela estranheza estrelar a deriva por entre luas e tortas?

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Alma e Espírito

Primeiro post de 2008. É um texto do livro Psicologia Arquetípica de James Hillman (pgs. 51-53)... espero que goztem =)

Alma e Espírito
James Hillman (livro citado, capítulo 6)

Se imaginar é uma atividade inata da anima mundi, então a fantasia está sempre acontecendo e não está sujeita a uma epoché fenomenológica (Husserl: separar ou colocar em evidência no sentido de mover-se diretamente para o evento em si). Mais ainda, se a fantasia está sempre acontecendo, então epoché é uma fantasia em si: de isolamento, de objetividade, e de uma consciência que pode ser verdadeiramente mobilizada pelos fenômenos como eles são. A psicologia arquetípica sustenta, contudo, que não podemos nunca ser puramente fenomenológicos ou verdadeiramente objetivos. Nunca es está além do subjetivismo dado pelos dominantes das estruturas de fantasia inerentes à alma. Estes controlam as perspectivas subjetivas e as organizam em “instâncias”, de tal modo que a única objetividade que pode se tornar mais próxima resulta do olho subjetivo voltado para si mesmo, observando seu modo de olhar, examinando sua própria perspectiva com relação aos sujeitos arquetípicos, os quais estão neste momento direcionando nosso modo de ser no mundo dos fenômenos. A psicologia, como uma ciência objetiva, será sempre impossível, uma vez que se reconhece que a objetividade em si é um gênero poético (semelhante ao “escritor-como-espelho” do naturalismo francês), um modo de construir o mundo, de tal forma que as coisas aparecem puramente como coisas (sem face, animação, ou interioridade), sujeitas à vontade, separadas umas das outras, mudas, sem sentido ou paixão.

Há uma posição que é particularmente obstinada em prender-se à fantasia de que a fantasia está sempre acontecendo, e essa é a instância do espírito. Aparece como objetividade científica, metafísica ou como teologia. E quando a psicologia arquetípica criticou essas abordagens foi como parte de uma estratégia mais ampla para distinguir os métodos e a retórica da alma daqueles do espírito, de tal forma que a alma não seja mais obrigada a abrir mão do seu estilo para preencher as obrigações requeridas por uma perspectiva espiritual, quer seja filosófica, científica ou religiosa. Pra que a psicologia seja possível é precisa que se mantenha a diferença entre alma e espírito (Hillman, 1976; 1975ª, pp. 67-70; 1977a).

Algumas vezes a posição do espírito com sua retórica de ordem, número, conhecimento, permanência e lógica autodefensiva foi discutida como “senex” e saturnina (Vitale, 1973; Hillman 1975d); outras vezes, por causa da sua retórica de claridade e observação independente, foi discutida como apolínea (Hillman, 1972c); em outras ocasiões, devido à sua retórica de unidade, fundamentalidade, identidade, foi denominada “monoteísta”; e em outros contextos ainda, de “heróica” e também de “puer” (1967b).

Ao reconhecer que a perspectiva do espírito deve situar-se em posição superior (como a alma situa-se em posição inferior) e deve falar em termos transcendentes, fundamentais e puros, a psicologia arquetípica concebe como sua tarefa imaginar a linguagem espiritual da “verdade”, da “fé”, da “lei”, e assim por diante, como uma retórica do espírito, mesmo que o espírito seja obrigado, por essa mesma retórica, a tomar sua posição verdadeira e fielmente, isto é, literalmente.

Mais ainda, a diferença entre alma e espírito protege a terapia psicológica de ser confundida com disciplinas espirituais – orientais ou ocidentais – e dá ainda uma outra razão para a psicologia arquetípica evitar empréstimos de técnicas de meditação e/ou condicionamentos operantes, os quais conceituam eventos psíquicos em termos espirituais.