Temos em nosso tempo, uma cega visão de que, a totalidade da realidade em ultima instancia poderia ser captada pelos nossos sentidos (empirismo), ou, do lado oposto desta crença, a crença de que o real já existiria a priori em nossa mente, sendo o mundo dos sentidos apenas um simulacro (racionalismo). Mas, como diria Jung, o que captamos através da nossa consciência é tão pouco que é como se acendêssemos uma lanterna em uma caverna, tudo que a lanterna não capta(ilumina) não faz parte de nossa consciência. Essa compreensão de que, nossa consciência é incapaz de abarcar todo fenômeno sem duvida não é tão nova e podemos vê-la também no existencialismo, na fenomenologia e na gestalt.
Aquele conteúdo que não captamos do fenômeno empírico se armazena, segundo Jung, em nossa inconsciência pessoal, tal qual, o que é esquecido por nós na consciência.Porém este conteúdo pode voltar a consciência caso seja dada devida atenção ao mesmo, ou seja, que a energia psíquica se volte para tal fenômeno.
Os conteúdos sociais que moldam, de certo modo, nossa existência são chamados pelos Marxistas de ideologia, que seriam sempre conteúdos em prol de uma classe, lembrando-se que, para os marxistas, a história se faz na luta de classe (luta dos opostos). Poderíamos compreender essa consciência coletiva também como no esoterismo na qual ela é chamada de egrégora. Estes conteúdos e papeis pré-criados usurpam uma energia essencial ao desenvolvimento do ser, de seu rumo ao seu si mesmo, chamado por Jung de Self, pelos magistas do caos(o qual falaremos ainda) de Kia, por Crowley de Santo Anjo Guardião, o eu profundo de Pascal, etc..
Os conteúdos já criados e já ali se seguidos pelo ser são sempre limitações da existência, o ser encara o mundo como o já criado e inibe assim toda a possibilidade do mundo vir a ser (porvir), segundo Heidegger este seria um modo impróprio de existência, onde o cuidado¹ (sorge) é o da ocupação onde se trata tudo como sujeito ou objeto e como o simplesmente dado, sempre dentro da manualidade. O modo mais próprio de existência seria o da preocupação, onde se está onde tudo ainda não é, portanto, tudo ainda pode vir a ser. Deste modo o ser está em abertura e espera o ente se mostrar, desvelar-se no fenômeno, é a compreensão Grega da alethéia, do desvelamento. A partir da possibilidade de tudo vir a ser a compreensão de certeza se finda, como na fenomenologia. A partir dai podem existir milhões de interpretações do fenômeno (variação eidética), mas nenhuma será o que ele realmente é.
O ser em abertura é um ser pronto a integrar os conteúdos do inconsciente coletivo e rumar ao self (Jung) ou pronto para caminhar rumo ao seu augoeides, grande avatar de Kia (Peter Carroll), ou mesma a Vontade de Potência de Nietzsche. Claro que cada uma dessas idéias ditas diferem entre si e contem peculiaridades, contudo, para chegar a tais estados (ou abrir-se a eles) deve-se passar por uma série de provações, Aliester Crowley chamou este período de Travessia do Abismo. Heidegger, do qual já citamos, falava que para o crescimento do ser é necessária a angustia, e Nietzsche sempre falou da dor, e usou muito um modo específico para chegar a Vontade da Vontade (Vontade da natureza que seria suprimida pela vontade do ego) que seria, por exemplo, o vinho. Nisto a ênfase de Nietzsche ao Dionisíaco, aos estados provocados pela embriaguez que dissolvem o ego, este desolvimento temporário do ego poderia dar vazão à vontade da natureza (que é vontade de vontade) e esta defesa pode ser observada no livro A origem da Tragédia, onde Nietzsche não defende apenas o dionisíaco como se fosse viver de inconsciência, mas a união do dionisíaco com o apolíneo para chegar a totalidade.
Mas o que seria o ego que todos querem tornar no mínimo maleável para permitir a entrada dos conteúdos inconscientes a consciência? Segundo Jung, o ego é “um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória. Todos temos uma certa idéia de já termos existido, quer dizer, de nossa vida em épocas passadas; todos acumulamos uma longa série de recordações. Esses dois fatores são os principais componentes do ego, que nos possibilitam considerá-lo como um complexo de fatos psíquicos. A força de atração desse complexo é poderosa como a de um imã: é ele que atrai os conteúdos do inconsciente, daquela região obscura sobre a qual nada se conhece. Ele também chama a si impressões do exterior que se tornam conscientes ao seu contacto. Caso não haja esse contacto, tais impressões, permanecerão inconscientes.”
Já Osman Spare, magista do caos, vai sugerir o Nem-Nem (neither-neither ou do sânscrito Neti-Neti) para romper com toda unilateralidade que possa ter o ego, de certo modo, romper com o modo de ocupação do qual fala Heidegger e o modo de compreensão das ciências naturais. O inconsciente coletivo, segundo Jung, teria uma tendência espontânea a ‘corrigir’ a unilateralidade da consciência o que também entra em conformidade com o nem-nem de Spare. O nem- nem, segundo Lucio, é uma técnica ‘criada’ por Osman Spare e “Trata-se de uma verdadeira forma de meditação, com ressonâncias taoístas e advaítas, cujo resultado mais importante é libertar a consciência de sua adesão cega a qualquer perspectiva unilateral da realidade, sobretudo os sistemas de crenças impostos socialmente.” E depois continua, “Por meio dessa técnica, o praticante pega cada opinião estabelecida e a lança contra a opinião oposta, fazendo com que elas se aniquilem mutuamente”. Poderíamos dizer que o nem-nem é como um omnibus dubitandum (duvidar de tudo) onde algo não é isso nem aquilo e se adapta a famosa frase de Carroll “nada é verdadeiro, tudo é permitido”.
O que podemos compreender desde já, é que é um árduo caminho que se batalha contra os condicionamentos que nos são impostos pela sociedade hierárquica. Criam-se através de condicionamentos, sempre baseados no reforço de ações submissas a ordem hierárquica, como desejam os detentores do poder, a submissão dos indivíduos, a prisão sem a violência, a retificação do diferente.
Mas o que é preciso para superar todo esse condicionamento? O que é preciso parar superar a limitada visão do ego? Segundo Jung é justamente através de um sistema do ego que se supera o próprio ego, este sistema se chama endopsíquico e é a ligação dos conteúdos conscientes com o ‘lado obscuro da mente’, é justamente neste contato com o inconsciente que esta o que Jung chamou de função transcendente (a qual o homem depende para alcançar sua mais alta finalidade) , este contato com o inconsciente é algo irremediável a todo ser e é só mantendo o contato com o que seu si-mesmo (self) que o indivíduo pode conservar sua saúde psíquica. O como conseguir esta ligação, e chegar até esta Vontade é sempre algo idiotípico, todo crescimento e principio de individuação é um caminho próprio.
Alguns modos para se facilitar este processo de individuação são a integração de conteúdos do inconsciente coletivo, a integração de seu anima ou animus, e a não projeção de conteúdos “internos” em objetos externos, ou seja, não projetar conteúdos que são seus em outros. Um exemplo básico de projeção do arquétipo da sombra seria você ser um grande homofóbico e achar que todos a sua volta são homossexuais(e todo homossexual é mal, por exemplo) sem evidencia, ou sem serem de fato. É só aceitando que aquele medo de ser homossexual ou aceitando ser um homossexual (cada caso é um caso) que o indivíduo poderá integrar aquele conteúdo.
Qualquer compreensão unilateral portanto será prejudicial ao crescimento do ser, já que, irá gerar seu conteúdo oposto em forma de sombra, como um maniqueísmo, onde o ser que discursa é o bem e o seu oposto é o mal. Esse confronto só pode ser apaziguado quando se aceita os conteúdos opostos para formarem uma unidade, é como a etimologia da palavra símbolo (e são sempre símbolos que provém do inconsciente coletivo) que vem do de sym que significa unir e baylen que significa em direção a uma meta, os Chineses consideravam unir as duas faces de uma mesma moeda. Eis o teleiosis.
¹ - O ser do dasein designa-se como cuidado que é um desenvolvimento integrador da multiplicidade estrutural que a análise fenomenológica do ‘ser-no-mundo’ revela na obra de Heidegger Ser e Tempo.
Referências :
http://malprg.blogs.com/francoatirador/ocultismo_e_esoterismo/index.html
http://thecauldronbrasil.com.br/article/articleview/339/1/12/
O pensamento de Martin Heidegger : Roberto Novaes de Sá
Fundamentos da psicologia Analítica; Carl Gustav Jung
O homem e seus símbolos, Carl Gustav Jung
sexta-feira, julho 15, 2005
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