quinta-feira, novembro 24, 2005

Psicologia e Ecologia, uma uniao possivel?

por FernandoR. -- copyleft.

Psicologia e Ecologia, uma uniao possivel?

Resumo:

No presente texto, iremos procurar as possibilidades e adversidades criadas historicamente para estabelecer um contato vitalício entre a psicologia e a ecologia. Passando pela filosofia e a epistemologia, iremos tentar compreender algumas abordagens teóricas dentro da psicologia e de que modo elas se colocam, investigam, e compreendem a natureza, seu meio ambiente.
A partir daí, procuraremos observar de que modo o paradigma holístico, da ecologia profunda (criado por Ame Naess), segundo Capra, emergente na ciência, na filosofia e, portanto, na psicologia, poderão lidar com a idéia de estar contribuindo para a resolução de problemas dentro de sua própria casa (oikos), a natureza, natureza esta onde “as preocupações com o meio ambiente adquirem suprema importância. Defrontamo-nos com toda uma série de problemas globais que estão danificando a biosfera e a vida humana de uma maneira alarmante, e que pode logo se tornar irreversível” (Capra, 1996). Assim, partiremos da idéia da necessidade da interdisciplinaridade para resolver os problemas modernos que são “problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes” (ibid) passando não só pela psicologia, como também pela própria sociologia, filosofia, ecologia, etc.
Tentaremos observar a partir daí, como o atavismo emergente em nosso tempo, junto com a moderna tecnologia e um pensamento complexo, podem nos propiciar uma alternativa a um modelo de pensar capitalista, individualista e mecanicista que vem destruindo a natureza vendo-a como mero ente impessoal que deve servir aos interesses do lucro e do prazer de uns poucos. Esta analise nos leva a crer que estamos num período de crise não só material, como também numa “crise de percepção” (ibid) que pode nos levar, tranqüilamente, a um colapso. O texto ira tentar abordar de que forma esse pensamento que pode nos colapsar se constitui e tenta propor um novo pensamento, que ligado a ecologia e a natureza de outra forma, possa pensar num modelo de pensamento, comportamento e relações que nos leve a olhar o significado da natureza, como diria Kandinsky : "Tudo que está morto palpita. Não apenas o que pertence à poesia, às estrelas, à lua, aos bosques e às flores, mas também um simples botão branco de calça a cintilar na lama da rua... Tudo possui uma alma secreta, que se cala mais do que fala." e que finalmente possamos re-harmonizar nosso laços com esta nossa “grande mãe”, como nos diz o arquétipo da psicologia junguiana.

Índice:

1 – Introdução
2 – A construção do saber do homem moderno e suas relações com a natureza
3 – O pensamento reintegrador nas ciências e na psicologia
4 – A guisa de conclusão

1 - Introdução:

Em torno da explicita necessidade de um pensamento ecológico nas áreas de saber, visto a destruição ambiental realizada pelo homem contemporâneo, observaremos de que modo a psicologia tenta articular este saber ao seu campo de conhecimentos e também de que modo ela o nega, mantendo o discurso hegemônico baseado nas necessidades “do capital”, ou das grandes corporações que destroem a natureza para manter seu poderio.
Visto a multiplicidade de analises psicológicas abordaremos o modelo de Carl Gustav Jung (1875-1961) e Wilhelm Reich (1897-1957) para introdução de um modelo re-integrador a natureza, de modo a possibilitar um volta do homem a um ser que só se faz dentro e com a natureza e não fora dela. Desse modo sairemos da antiga divisão cartesiana do res extensa e res cogito (mundo da matéria e mundo do pensamento), de René Descartes (1596-1650) que alienava o pensamento do mundo, considerando o mundo da matéria como mero maquinário. Necessário dizer é que desta maneira não queremos simplesmente entrar em um pensamento materialista que, mantém em si, o velho projeto gengiskaniano de dominar a natureza, pensamos que “é preciso renunciar ao projeto gengiskaniano de conquistar e submeter a natureza, como também superar a alternativa entre ‘seguir ou guiar’ a natureza.” (Melo, 2002).
De fundamental importância, abordaremos as questões epistemológicas que resultaram ou resultam neste processo de degradação de nossa própria casa, como diz a origem etimológica da palavra ecologia (oikos= casa + logos = discurso) e finalmente iremos demonstram que, não obstante a superação do modelo destrutivo da natureza, pela ciência, pela filosofia e pela sociologia, algumas áreas da psicologia permanecem em um modelo de ciência ou filosofia que considerada a natureza des-dotada de vida ou simplesmente como algo que deve ser superado, ou dominado pelo homem.
A fortiori, portanto, pretendemos relatar uma passagem histórica do conhecimento na psicologia traçando suas relações com a ecologia e com seus pensamentos sobre o planeta, natureza, cosmos, tentando assim desvelar o comprometimento da psicologia com seu meio ambiente.

2 - A Construção do Saber do Homem Moderno e Suas Relações Com a Natureza

A visão moderna ocidental se estabeleceu, negando a antiga concepção surgida na filosofia Grega, que sacralizava o mundo e a natureza, os “objetos” do mundo, que lá possuíam vida e sentido. A partir da chamada idade moderna, com Copérnico, Darwin, Newton, Descartes, chegamos a um ponto, onde o ser humano alem de não ser mais o centro do mundo, era um ser insignificante dentro de um universo hostil, com leis imutáveis que lhe eram alheias, em um universo impessoal e totalmente sem sentido que era epistemologicamente incerto de existência. Um ponto culminante dessa concepção pode ser considerado “A mudança de conceituação copernicana pode ser considerada a metáfora fundamental de toda a moderna visão de mundo: a profunda desconstrução da compreensão primitiva; o decisivo reconhecimento de que a aparente condição do mundo objetivo estivesse inconscientemente determinada pela condição do sujeito; a conseqüente liberação do antigo e medieval ventre cósmico; o deslocamento radical do ser humano para uma posição relativa e periférica num vasto universo impessoal”. (Tarnas, 1991).
Podemos também observar a ciência de Issac Newton (1643-1727) que era a base de todas as ciências da época, na antiga concepção fisicalista, conceitualizada como uma “redução hierarquizada dos fenômenos: assim, a biologia poderia ficar explicada sucessivamente, em termos químicos, físicos, etc..”. (Melo, 2002). Nesta ciência newtoniana “estamos do lado de fora da natureza, atuando como meros espectadores para controlá-la sem preocupação da conseqüência de nossos atos”. (ibid).
Posteriormente outra influencia desse modelo moderno da psicologia que abordaremos, explicitado por Freud, seria a idéia de Darwin (1809-1882) da evolução das espécies que acabou por exacerbar critérios de competição, contra a natureza e contra os seres de mesma espécie, como no darwinismo social, como diz Woodcock “Darwin enfatizou a competição e a ‘luta pela vida’ como os elementos dominantes no processo através do qual a seleção natural mantém as variações favoráveis e elimina as desfavoráveis. Embora nos últimos anos de sua vida Darwin tenha reconhecido que a cooperação dentro das espécies não podia ser ignorada como um dos fatores da evolução, a idéia do conflito continuou sendo um elemento muito mais forte no seu conceito de processo evolutivo, e foi salientada pelos neodarwinistas, como Thomas Henry Huxley, com sua visão do mundo animal como uma eterna ‘luta de gladiadores’, e a vida do homem primitivo como ‘uma luta livre continua’”. (Woodcock, 2002¹). Essa idéia da coletividade como modo de evolução já existia antes da acepção de Darwin através do geógrafo e militante anarquista Peter Kropotkin (1842-1912) e mostra um outro panorama, diferente do criado pelo neodarwinismo de Spencer, exacerbando o individualismo e a luta, que foram utilizados para subjugar toda espécie de vida, considerando tal feito uma superação, fenômeno este que vemos bastante em nosso tempo em grande parte das idéias liberais.
Voltando agora a psicologia, abordemos a psicologia de Freud (1856-1939) relacionando-a a natureza e a ecologia. A meta-psicologia freudiana vai ver o homem como ser em fuga da natureza, vê a natureza algo a ser superado, que não é maléfica em si, contudo é anti-cultural. No seu livro “Mal-estar na civilização” deixa implícito isto quando diz “A primeira pessoa a renunciar a esse desejo e a poupar o fogo de sua própria excitação sexual, demora a força natural de outro fogo. Essa grande conquista cultural foi assim a recompensa de sua renuncia ao instinto”. (Freud, 1930). Freud em sua topologia psíquica, fala do Id, que estaria em conflito com o superego, o Id seria “o componente arcaico e inconsciente do sistema de energias mentais (psique) que dinamiza o comportamento humano. Do id promanam os impulsos cegos e impessoais devotados a gratificação – direta ou indireta, mas tanto quanto possível imediata- do instinto sexual (libido), estreitamente vinculado as necessidades primarias da pessoa (comer e não ter fome). (...). Ignora o mundo exterior, com quem não esta em contato, e o objeto único de seus interesses é o corpo, sendo suas relações com ele dominadas pelo principio do prazer.” (Cabral e Nick, 2001).
Não existe ai, uma confiança num caráter auto-superador da natureza, ou seja, ela levaria o ser humano ao principio do prazer, de volta ao mais primitivo, cruel (ver Thanatos), e prazeroso, ou seja, ao oposto da civilização. A teoria freudiana acredita que isto acaba levando o ser a renegar, em parte, a sua própria natureza, criando o recalque, como ele próprio nos da no exemplo da sua interpretação dos sonhos, onde o sonho cria mecanismos para evitar que a consciência desse próprio individuo lide com os “horrores” (estabelecidos pelo contato cultural) que são seus pensamentos mais profundos, levando os ao seu inconsciente, que para Freud não passa de uma “lata de lixo”.
Segundo Jung, o pensamento de inconsciente freudiano “É um ponto de vista característico dos que consideram o inconsciente um simples apêndice do consciente (ou, numa linguagem mais pitoresca, como uma lata de lixo que guarda todo o refugo do consciente)” (Jung 1964).
O sujeito, para teoria psicanalista, tem que superar o principio do prazer e chegar ao principio da realidade, onde ele agora não estaria sujeito unicamente preso a busca de prazer, onde “essa troca, contudo não quer dizer que o individuo abandona o prazer como objetivo”. A necessidade de abandonar o principio de prazer, como falamos, se deve a abandonar a própria natureza, como mostra Freud que “com a adoção da postura ereta pelo homem e a depreciação de seu sentido olfativo, não foi apenas o seu erotismo anal que começou a cair como vitima da repressão orgânica, mas toda a sua sexualidade, de tal maneira que, desde então, a função sexual foi acompanhada por sua repugnância que não pode ser explicada por outra coisa, e que impede a sua satisfação completa, forçando-a a desviar-se do objetivo sexual em sublimações e deslocamentos libidinais”. (Freud apud Albertini). Aqui vemos, como na idéia de Freud da involução sexual que parece acontecer tal como “parece acontecer com nossos dentes e cabelos” (Freud apud Albertini) que Freud acreditava num distanciamento paulatino da natureza, sendo o recalque inevitável, como condição inclusive genética, como o caso do recalque orgânico, das protofantasias relacionadas ao assassinato do pai na horda primitiva.
Apesar disso, desta luta por uma adaptação, de certo modo, seria já determinada pelos comportamentos adquiridos em sua infância, toda condição de real, todas as relação do sujeito vão se estabelecer em como esse sujeito passa pelo complexo de Édipo, não criando mobilidade basal no resto de sua vida. Essa idéia ainda estaria de acordo com algumas teorias física, como cita Novello “(...) hoje chegam ousadamente a afirmar que é ali, naqueles instantes iniciais, que se teria jogado o verdadeiro jogo entre as forças do mundo, delineando as diretrizes básicas de evolução do universo. O que se passa posteriormente naqueles instantes, seriam detalhes menores, de alcance apenas localizado, não global, contendo um monótono repetir desinteressante de cenas já parodiando a psicanálise, é na infância do universo que residiria a chave da compreensão do seu comportamento ulterior”. (Novello apud Melo, 2002, B). Inclusive existem hoje sociólogos tentando fazer crer esta mesma monotonia social, o que nos parece também, uma tentativa de alienação da existência, seja ela do mundo, do ser, ou da sociedade. “E sem retirar desse primórdio a possibilidade de transformações estruturais, Novello (1998) chama a atenção para uma possibilidade de criação permanente, já que o universo é um processo, o que se coaduna com a teoria de C. G. Jung. Rompe-se, então, com causas ultimas e únicas do vir-a-ser do homem e do universo.” (Melo, 2002, B).
Do outro lado da teoria da psicanálise, encontrávamos o Behaviorismo Radical de B.F. Skinner (1904-1990), que havia eliminado a alma de qualquer possibilidade de estudo e conhecimento, era uma teoria extremamente empírica, iluminada pela ciência clássica de Newton, permanecia apenas no universo mecânica de Descartes.
O pragmatismo do Behaviorismo Radical, só lidou com os condicionamentos dos seres-objetos, onde a própria natureza era vista como condicionada ou condicionante, pois ainda estamos aqui numa concepção newtoniana de estar fora do observado, ou seja, não estaríamos nos inter-relacionando com ele, apenas o dominando, ou sendo dominados. Para os seres humanos, o behaviorismo por seu pragmatismo acabou por seguir a idéia de adaptação do individuo ao meio social (trazendo assim felicidade e recompensa) e em sua alienação ao todo “não observou” (apesar de sua intencionalidade, como diria Foucault sobre os saberes-poderes) a totalidade e sociedade a qual estava emerso, e seguiu, portanto, todo modelo da ideologia dominante, alienando-se de aspectos sociais e de preservação de seu meio. A adaptação em uma sociedade como a nossa, só poderia causar as catástrofes que causou, guerras, destruição, poluição, degradação ambiental, o que nos mostra que nem a razão, nem o aumento da tecnologia, nem a ciência, poderão dar conta sozinhas, em especial com o pensamento clássico, da situação de miséria e desamparo que vive o mundo hoje, seja do lado social, seja do lado ambiental.

3 – O Pensamento Reintegrador nas Ciências e na Psicologia

Mesmo os seres aparentemente inanimados podem estar vivos; o mundo está cheio de deuses. Tales de Mileto (Kirk, Raven, Schofield apud Gorresio).

O pensamento contemporâneo tem passado por diversas mutações e vemos, mediante a crise atual, uma possibilidade do surgimento de um novo paradigma, palavra surgida em Kuhn, onde “Paradigma vem do grego e quer dizer: para = alem de; deigma = manifestação. O que esta para alem da manifestação e, portanto, indica a direção que vira. Esta nos parece uma melhor acepção do que as traduções costumeiras como modelo ou arquétipo.” (Melo, 2002). Nesse sentido, podemos dizer que o que nos parece real, a adaptação que muitos procuram por toda vida, pode apenas estar servindo a interesses ideológicos, de minorias com maior poder, que intencionalmente nos moldam fetiches de mercadorias, que para serem construídas destroem nosso ambiente e nos alienam de nosso interior, e também, de nosso exterior, vivemos num mundo onde “o conceito de verdade se opondo ao de falsidade que tem data e lugar de surgimento, o poder procura convencer que tem suficiente consistência para determinar o que deve ser considerado real e irreal para a coletividade. Nesse sentido, ele tem a força da magia, forjada pelo ocultamento de sua própria historicidade; assim, molda fetiches, ilusões do real, aparência de verdade”. (Kuperman apud Melo, 2002).
Portanto, acreditamos que um novo modelo de pensamento possa também trazer outro tipo de consciência, mais ampla e complexa, ao homem contemporâneo, trazendo um novo eon, uma nova era que possa re-integrar a natureza ao homem e a coletividade, não como modo negativo, ou simplesmente, como perfeita, como queriam alguns românticos e sim como algo vivo e automutável, estando alem do bem e do mal, e que o próprio homem possa aperfeiçoar e não destruir. Tem uma citação de um antigo alquimista que bem explicita essa idéia, ele dizia “quod natura reliquit imperfectum, ars percifit” (o que a natureza deixa imperfeito, a arte aperfeiçoa) (Jung apud Beserra). O I Ching também pode ser representado neste pensamento, como Melo nos diz “O I Ching, como outros livros de tradições, afirma que se conhecermos o mundo interno, se nos harmonizarmos com o eixo interior, poderemos conhecer também o mundo, e nossas ações ganharão a simplicidade perdida no paraíso da pura inconsciência da totalidade primeira”. (Melo, 2002).
Este pensamento, no ocidente, começou no próprio seio da física, quando a física quântica começou seu trajeto pelo universo subatômico, quebrando a idéia de separação entre observador e observado, entre sujeito e objeto, descobrindo a impossibilidade de estar fora do fenômeno que se observa, agora estaríamos invariavelmente modificando aquilo que vivenciamos. Com a física quântica a própria “noção de substancia dissolveu-se em probabilidades e ‘tendências para existir’” (Tarnas apud Beserra) e “As conexões não locais entre partículas contradiziam a causalidade mecanicista”. (ibid).
Aparentemente este novo pensamento, onde a “profunda interconexão dos fenômenos estimulava um novo pensamento holístico sobre o mundo, com muitas implicações sociais, morais e religiosas” (ibid) trouxe de volta antigos conceitos e formulas de antigas filosofias, antigos modos de vida, mas de uma maneira nova, original. Exemplos desse pensamento que vão tentar a interconexão entre ser e natureza, ser e sociedade, podemos citar a idéia do inconsciente coletivo de Jung e a idéia de orgone de Reich. A idéia do inconsciente coletivo seria que “imagens e temas mitológicos podem ser encontrados em todos os tempos e em toda parte onde os seres humanos tenham vivido, pensado e agido” (Jaffé, 1983), onde Jung deduziu a partir daí “a presença de disposições típicas do inconsciente inatas na constituição do homem” (ibid). O Inconsciente Coletivo, ou psique objetiva seria o local onde estão pensamentos compartilhados por toda humanidade, ele que “começa pela cosmogonia, herdando os problemas tradicionais implícitos nos mitos cosmogonicos. A partir do que, serve de pano-de-fundo, do universal, para o conhecimento da individualidade” (Melo, 2002). Neste pensamento não há mais a distinção nítida entre psique e realidade com a descoberta de Jung dos arquétipos psicoides. A natureza, o cosmos “a partir” do inconsciente coletivo volta a ser como eram para Platão “um organismo vivo, inteligente, dotado de intencionalidade e movimentos próprios” (Gorresio,?).
Também Reich passou a reintegrar o individuo as suas relações com a natureza, sociedade e cosmos, ligando-os através de uma energia que ele chamou de orgone, descoberta através de estudos nomotéticos. Essa energia era regulada não so no individuo, que se a prendesse em demasia em seu corpo geraria uma serie de patologias (ainda na idéia recalcamento freudiano, mas agora um recalque que atingiria o corpo, na sua unidade psicofísica)mas também é regulada através das relações do individuo com seu meio ambiente, já que, alguns tipos de poluição e degradação ambiental poderiam modificar essa energia tornando-a destrutiva, o que Reich chamou de DOR (dedly orgone). Reich assumiu outra postura diante do recalque divergente da de Freud, pois Reich acreditava que o individuo tinha que eliminar seus recalques, que criavam couraças no seu corpo que impediam o livro fluxo de energia tornando os indivíduos apáticos. Reich ressalta então a necessidade de livro fluxo “O abraço natural pleno assemelha-se a uma escalada; ele não se distingue essencialmente de qualquer atividade vital, importante ou não. Viver na plenitude é se abandonar ao que se faz. Pouco importa que se trabalhe, que se fale com amigos, que se eduque uma criança, que se escute uma conversa, que se pinte um quadro, que se faça isso ou aquilo”. (Reich apud Albertini).
Reich falava de uma autogestão biofísica positiva que o individuo chegaria caso não ficasse preso aos valores ideológicos que tencionavam deixar os indivíduos apáticos e imóveis para lutar por suas causas, sejam sociais, pedagógicas ou ecológicas, conforme diz Reich falando da peste emocional que assola a humanidade nos dias de hoje “um homem que atravessa a vida com as muletas da peste emocional quando as expressões auto-reguladoras naturais da vida são suprimidas desde o nascimento. A pessoa que sofre de peste emocional coxeia caracteriologicamente. A peste emocional é uma biopatia crônica do organismo.”(Reich, 1945). Diferente de Freud, Reich enfatiza o caráter social de algumas biopatias, como a peste emocional citada novamente sendo “uma doença endêmica, como a esquizofrenia e o câncer, com uma diferença notável: manifesta-se essencialmente na vida social”. (ibid). Como diria Volpi “nos somos da natureza e a natureza”. (Volpi).
“Reich (1975), também foi um dos precursores dos movimentos ecológicos em sua época e o primeiro psicólogo a estudar o comportamento do homem e da natureza, tanto no micro quanto no macrocosmos, buscando sempre compreender o modo como o homem esta enraizado na natureza e sua relação com a mesma. Essa forma de pensar fez com que ele se tornasse um serio critico do pensamento cartesiano e postulasse uma forma de pensar que fosse funcional, onde o homem, com seu comportamento, inteligência e emoção, fosse considerado parte da natureza e, portanto, não poderia ser estudado fora dela, da mesma forma que a natureza não deveria ser pensada sem a presença do homem. Um, interfere no movimento energético do outro.” (Volpi).
Como os românticos, existe uma volta a antiga idéia que “valorizava o Homem mais por suas aspirações criativas e espirituais, por sua profundidade emocional, por sua criatividade artística e pela força de expressão e criação individualizada”. (ibid). O objetivo “do movimento romântico foi por em evidencia o Organismo total da Natureza, no seio do qual se desenvolvem o homem e todos os organismos particulares, como revelação do Uno, em sua multiplicidade” (ibid).
A ecologia profunda, associada a essa nova visão seria “Em última análise, a percepção da ecologia profunda é percepção espiritual ou religiosa. Quando a concepção de espírito humano é entendida como o modo de consciência no qual o indivíduo tem uma sensação de pertinência, de conexidade, com o cosmos como um todo, torna-se claro que a percepção ecológica é espiritual na sua essência mais profunda”. (Capra, 1996). Ela questiona todo esse paradigma com base numa perspectiva ecológica: a partir da perspectiva de nossos relacionamentos uns com os outros, com as gerações futuras e com a teia da vida da qual somos parte”. (ibid).
Dessa forma a ecologia se associa não só a um modo de comportamento que tenha fins ambientais diversos, mas um novo modo de existência, de relação, integrado ao cosmos, ao contrario do modo de existência atomista e dissociado das relações ecológicas e sociais.
Um exemplo desse pensamento, da psicologia analítica, e da natureza viva e simbólica, seria dado por Franz “Se alguém sonha com enchente, pode-se inicialmente concluir que Deus está zangado [o paralelo aqui é com o Dilúvio bíblico], mas o que isso significa em termos psicológicos? O que acontece se alguém sonha que Deus está zangado? Primeiro, à imagem de Deus denominamos Si-mesmo. Eu diria que todo o inconsciente coletivo está agitado, que há desarmonia no comportamento consciente do coletivo e que o inconsciente está pensando em destruição. Essa é a nossa situação agora. O inconsciente brinca com a idéia de destruir-nos, e é por isso que, por exemplo, quando analisamos muitas pessoas, entramos em contato com uma quantidade enorme de sonhos terrivelmente destrutivos, de explosões de bombas atômicas e do fim do mundo”. (Franz apud Manfredi).
“Precisamos levar esses sonhos a sério, pois eles podem ser proféticos e significar que o fim está próximo; ou, pelo menos, se conseguirmos escapar mais uma vez, eles então poderiam significar que o inconsciente coletivo foi tão maltratado por nossa incompreensão que se rebelou contra nós, contra o coletivo. Como ninguém dá atenção ao inconsciente, ele se irrita. Essa é a ira de Deus, a ira que provocou o dilúvio, porque o povo judeu não guardou seus mandamentos. Traduzindo essa idéia em linguagem moderna, isso significa que os judeus não acompanharam as tendências significativas do inconsciente; eles não seguiram as energias do inconsciente coletivo. Eles pecaram contra o inconsciente, e por isso foram por ele inundados. Se você peca contra o inconsciente, ele se apossa de você. Sonhar com uma inundação significa que a pessoa cairá numa depressão ou ficará desorientada, significa um afogamento - ou ainda, que ficará possuída, que sofrerá uma obsessão ideológica, por exemplo, um” ismo". Isso também é um afogamento. Khomeini era um homem afogado, um homem com a cabeça debaixo da água.” (ibid).
O pensamento religioso (religare, que religa) o homem a seu cosmos, poderia então religar o ser humano a sua harmonia perdida, harmonia perdida esta que é muito bem observada nos mitos cosmogonicos de quase todas religiões, Jung acreditava que o “mito abordaria questões estruturais da humanidade, mas revela determinado mitologema, de estruturas repetitivas (mitemas).” (Melo, 2002). A natureza, portanto estaria no famoso “eterno retorno” nietzscheano, ou no tempo cíclico de Godell. A volta dos mitos tem seu significado e sentido, “por estar próxima da natureza (...) o significado dos mitos do homem primitivo dá-lhe um sentimento de segurança. Tudo o que faz, tudo o que experimenta, liga-se intimamente ao cosmo, as estrelas e ao vento, aos animais sagrados e aos deuses.” (Jaffé apud Melo 2, 2002).


4 – A Guisa de Conclusão

Observamos, que a volta da espiritualidade e da inserção do individuo num mundo vivo e com sentido, através da ciência, da psicologia e da filosofia, seja na física quântica, seja na psicologia analítica, ou, seja através da ecologia profunda, pode trazer um novo modo de observar e se relacionar com o mundo. A volta dessa espiritualidade, dos mitos e da ligação ser-cosmos vem sendo feita através de uma contextualização com nossa época e nosso conhecimento, de modo a não ignorar tudo que foi construído pela ciência clássica e pelos filósofos ocidentais.
A ciência empírica perde apenas sua concepção absoluta e dogmática, mas não sua validade, a ciência passa a ser “um saber e não o saber” (Melo apud Beserra, 2005). No nosso mundo de tanta destruição, guerras, desastres ambientais pela falta de ética de grandes empresas, ordenadas pelo jogo do capital vemos ainda uma luz, uma possibilidade de mudança, e é nesta luz que acreditamos poder nos apoiar para modificar a degradação de um pensamento já “superado” ou alienante que, parece nos levar cada vez mais para a beira do suicídio. Façamos observar também o surgimento da ecopsicologia, através do questionamento “Podemos afirmar que há uma crise ecologica, social e psicológica assolando nosso planeta e a inabilidade de nossa cultura para lidar com isso, faz com que grandes estudiosos busquem respostas para questões como: o que fazer para termos um planeta saudável? É a partir desses questionamentos que Theodore Roszak (2001) aponta a necessidade da criação de uma nova psicologia, cosmologia e ecologia. Sugeriu, então, o nome de ecopsicologia, uma disciplina que integra ecologia, psicologia e outras ciências.” (Volpi).
Pensamos hoje, como exposto, que necessitamos de uma interdisciplinaridade não unicamente acadêmica-ocidental e que não se prenda as ideologias dominantes, que não seja unilateral, que possa ver as necessidades de modificação sociológica, psicológica, e filosófica no pensamento vigente para que possamos pensar num mundo que ainda vá viver por mais de algumas décadas, destruído pelos próprios humanos, lembrando que nossa própria psique dominada pelo fundamentalismo, pelo radicalismo, pode se materializar em catástrofes naturais, em guerras, em desgraça. “Morin, vê o homem como um ser complexo em seus pensamentos e atos e diz que é preciso compreendermos a complexidade humana. Afirma que o homem é produto da dialógica entre a sapiência e a demência e que é necessário ‘abandonar o humanismo que faz do homem o único sujeito do universo de objetos e que tem como ideal a conquista do mundo’”. (Morin apud Volpi).
Só nos resta dizer que, através do estudo de sistemas complexos de relações, que se faz necessária a mudança dos diversos setores da ciência, economia, sociais, psíquicos, ecológicos, biológicos, e de inter-relação entre os próprios seres humanos, onde “O sujeito, ao romper com a repetição inerente aos complexos infantis, ruma para o livre arbítrio” (Melo, 2002 B) se quisermos mudar esse rumo do planeta que, para alguns, parece inevitavelmente rumar ao apocalipse, se não do planeta como um todo, ao menos da vida humana.


¹ - Não foi possível conhecer a data do original de Woodcock, já que o próprio livro não informa.

Bibliografia:

1 – Elizabeth C. Melo (2002) Origem e Totalidade.
2 – Elizabeth C. Melo (2002) Mergulhando Num Mar Sem Fundo ( 2 ).
3 – Richard Tarnas (1991) A Epopéia do Pensamento Ocidental.
4 – George Woodcock, (2002) Historia das Idéias e Movimentos Anarquistas.
5 – Sigmund Freud, (1930) O Mal-Estar na Civilização.
6 – Álvaro Cabral e Eva Nick (2001) Dicionário Técnico de Psicologia. .
7 – Carl Gustav Jung, (1964). O Homem e Seus Símbolos.
8 – Frijof Capra (1996), A Teia da Vida; http://www.humanas.unisinos.br/professores/hbenno/ecolprof.htm
9 – Aniele Jaffe (1983), O Mito do Significado.
10 – Wilhelm Reich (1945), Analise do Caráter, capitulo XVI – A peste emocional.


Artigos e Textos:

1 – Zilda Marengo Piacenti Gorresio (?) A Concepção de Psyche em Jung e no Romantismo Alemão
2 – Fernando Rocha Beserra (2005) Epistemologia e Jung.
3 – Paulo Albertini, Reich e a Possibilidade do Bem-Estar na Cultura.
4 – Lucio Manfredi, http://malprg.blogs.com/francoatirador/2005/01/ ,
5 – Jose Henrique Volpi, Psicoecologia Reichiana: Das Origens Biológicas da Solidariedade a Desertificação Humana e Ambiental. (http://www.centroreichiano.com.br/artigos/anais/Jose%20Henrique%20Volpi.pdf)

terça-feira, novembro 15, 2005

Estudos sobre os sonhos


Estudo sobre os Sonhos: por FernandoR.

obs: o texto e´ um apanhado de textos que tinha prometido, portanto quem ler nao espere algo original ou da minha cabeça.. e´ apenas um catadao, rs.

Hans Sachs nos Mestres Cantores:

“Amigo, a verdadeira obra do poeta
É anotar e interpretar sonhos
Acreditai que a ilusão mais certa
Vive nos sonhos dos humanos
A arte de vesejar e de poetar
É dizer a verdade do sonhar”.

No presente texto nosso objetivo será apresentar alguns modelos de interpretações dos sonhos que perpassaram e permeiam a historia e paradigmas antigos e emergentes na ciência moderna na analise dos sonhos. Sem duvida temos muitos trabalhos de interpretação dos sonhos orientais, contudo, por falta de conhecimento do seu escritor o trabalho presente se fará limitado neste e em outros pontos.

Nos tempos pré-históricos e míticos adotava-se normalmente a visão de que o sonho estava relacionado com forças sobre-humanas, e teria em muitos locais uma função teleológica, neste viés poderíamos observar as analises dos shamans e dos pajés. Esta visão de que o sonho visa uma meta ou mostra algum acontecimento vindouro, como oraculum, vai sendo desfeita com o próprio surgimento da analítica e termino da visão mítica e totalizante, aos poucos as ligações se cessam, com o universo e com a natureza, o ser humano passa a querer olhar cada pequena parte do mundo, agora reconhecido como objeto e classificá-lo, perdendo a noção de que o todo é maior que soma das partes. Essa visão des-totalizante é bem representada por Freud em “o mal estar na civilização”: “A primeira pessoa a renunciar a esse desejo e a poupar o fogo de sua própria excitação sexual, demora a força natural de outro fogo. Essa grande conquista cultural foi assim a recompensa de sua renuncia ao instinto”. Mostrando assim, que so o afastamento das condições naturais poderia levar o ser humano a civilizar-se.

Para melhor contextualização da visão mítica faz-se necessário uma pequena abordagem sobre os mitos, onde “o simbólico não separa o literal e o metafórico. Não há um significado ultimo, pois o mito é inesgotável, porem podemos perceber nessa multiplicidade de significados um fio condutor, um tema que esta marcado. O mito abordaria questões estruturais da humanidade. Cada mito possuiria um colorido cultural e histórico, mas revela um conjunto, denominado mitologema, de estruturas repetitivas {mitemas} que aparecem em todos os tempos e lugares, os quais ultrapassariam sua determinação histórico-temporal” (Mello, 2002, 1).

Um expoente antigo desta visão analitica que começara a surgir, talvez um de seus pioneiros, foi Aristóteles, que segundo Freud (1900): “Nas obras de Aristóteles que versam sobre os sonhos, eles já se tornam objeto de estudo psicológico. Assim, somos informados que os sonhos não são envolvidos pelos deuses e não são de natureza divina, mas que são ‘demoníacos’, visto que a natureza é ‘demoníaca, e não divina’”. A origem contudo deste novo modelo deve-se aos milésios “Com os milésios, pela primeira vez, a origem e a ordem do mundo tomam a forma de um problema explicitamente colocado a que se deve dar uma resposta sem mistério” (Vernant apud Melo, 2002, 1).

Após esse inicio da lógica linear e analítica temos a perda do valor dos sonhos já que estes se transformam em elementos de caráter irracional e logo não ligados à verdade, como aconteceu na mesma época com a tragédia Grega que era um espetáculo teatral no qual unia-se o dionisíaco com o apolíneo, unia-se o racional com o irracional, o êxtase com a ordem, tinha-se mais vontade de potencia e contato com forças originarias, Nietzsche fala bem sobre esse aspecto em A Origem da Tragédia (1886), quando diz sobre o dionisíaco, por exemplo: “No ditirambo dionisíaco, o homem é arrebentado até a exaltação máxima de todas as suas faculdades simbólicas; experimenta e quer exprimir sentimentos ate então desconhecidos; perante os seus olhos rasga-se o véu de Maya;”(p.44) .

Ainda no período Helênico, Hipocrates vai começar o trabalho que liga os sonhos com as doenças físicas, ligação esta que será muito utilizada e re-elaborada posteriormente por médicos já no século XVIII e XIX (talvez um período bem maior, mas falta-me conhecimento no assunto). No período Helênico os sonhos foram “(...) divididos em duas classes. Supunha-se que uma fosse influenciada pelo presente ou pelo passado, mas sem nenhum significado futuro. Abrangia o ?¹ ou insomnia, que reproduzia diretamente uma certa representação ou o seu oposto – por exemplo, de fome ou sua saciaçao -, e o ?¹ que emprestava uma extensão fantástica à representação – por exemplo, o pesadelo ou ephialtes. A outra classe, ao contrario, supostamente determinava o futuro. Abrangia (1) profecias diretas recebidas num sonho (o ?¹ ou oraculum), (2) previsões de algum evento futuro (o ?¹ ou Visio), e (3) sonhos simbólicos, que precisavam de interpretações (o ?¹ ou sommiun). Essa teoria persistiu durante muitos séculos” (Macróbio e Artemidoro apud Gruppe).

A analise do sonho e sua relação com o mundo de vigília (ou túnel-realidade do consenso, segundo Wilson) era dividida em duas correntes, uma das visões é a de que “O homem que sonha fica afastado do mundo da consciência de vigília” e também “Nos sonhos, pode-se dizer que a nossa recordação do conteúdo ordenado da consciência de vigília e de seu comportamento normal esta completamente perdida” (Strumpell 1877 apud Freud). Uma grande parte dos estudiosos sobre o assunto adota o ponto contrario, como cita Freud(1900) dando exemplo de Haffner (1887): “Em primeiro lugar, os sonhos dão prosseguimento à vida de vigília. Nossos sonhos se associam regularmente às representações que estiveram em nossa consciência pouco antes. A observação cuidadosa quase sempre encontra um fio que liga o sonho às experiências da véspera”.

Esta ultima opinião, de Haffner, esta muito mais próxima à opinião de Freud, pois o mesmo diz que os sonhos nos sempre se referem a conteúdos do dia anterior, mas que “(..) podem selecionar seu material de qualquer parte da vida do sonhador, contanto que haja uma linha de pensamento ligando a experiência do dia do sonho (as impressões ‘recentes’) com as mais antigas” (Freud, 1900, p.177).

Já que tocamos um ponto fundamental do sonho, a memória, podemos apresentar a opinião de alguns autores mais antigos e entrar a posteriori em Jung e Freud. Alguns autores ressaltam que ao contrario de uma distanciarão do mundo diurno, os sonhos buscariam aspectos pouco relevantes na vida de vigília, como Maury diz “A terceira e menos compreensível característica da memória nos sonhos é demonstrada na escolha do material produzido. Pois nos sonhos o que se considera digno de ser lembrado não é, como na vida de vigília, apenas o que é mais importante, mas pelo contrario, também o que é mais irrelevante e insignificante”. Neste ponto em parte esta Freud, pois os conteúdos manifestos do sonho estariam realmente ligados a conteúdos insignificantes da vigília ou conteúdos de ligação somática provenientes do dia anterior ou ao próprio momento do sonho, estes mesmos, insignificantes perto do real significado do sonho, seu significado oculto, chamado por Freud de pensamento onírico, seu significado latente.

Jung começa sua critica a analise de sonhos Freudiana neste ponto ao dizer “A suposição do sonho querer encobrir não passa de uma visão antropomórfica. Nenhum filólogo pensaria isso de uma inscrição sânscrita ou cuneiforme. Há uma máxima no Talmude que diz que o sonho é a sua própria interpretação.Ele é a totalidade de si próprio”. (Melo, 2002, 2).

A partir do que dissemos e da critica de Jung devemos analisar de que modo o sonho para Freud se constitui num ocultamento de um conteúdo e se assim o for, pensemos o motivo de tal hipótese. O doutor Sigsmund nos fala: “O conteúdo do sonho (...), é expresso, por assim dizer, numa escrita pictográfica cujos caracteres tem de ser individualmente transpostos para a linguagem dos pensamentos do sonho. Se tentássemos ler esses caracteres segundo seu valor pictórico, e não de acordo com sua relação simbólica, seriamos induzidos ao erro”.(Freud, 1900, p.276).

Quando Freud aponta a necessidade da interpretação simbólica, ao invés da observação pictórica, já temos ai uma luz sobre os processos do sonho, que são dois, a condensação e o deslocamento. Freud explicita em seu livro a interpretação dos sonhos este mecanismo da seguinte forma “(...) no trabalho dos sonhos, está em ação uma força psíquica que, por um lado, despoja os elementos com alto valor psíquico de sua intensidade, e, por outro, por meio da sobredeterminação, cria, a partir de elementos de baixo valor psíquico, novos valores, que depois penetram no conteúdo do sonho. Se esse for o caso, ocorrem uma transferência e um deslocamento de intensidades psíquicas no processo de formação do sonho, e é como resultado destes que se verifica a diferença entre o texto do contudo do sonho e dos pensamentos oníricos. O processo que estamos aqui presumindo é nada menos do que a parcela essencial do trabalho do sonho, merecendo ser descrito como o ‘deslocamento onírico’” (ibid, p.305). E sobre os resultados do deslocamento ele diz: “A conseqüência do deslocamento é que o conteúdo do sonho não se assemelha mais ao núcleo dos pensamentos oníricos e que o sonho não apresenta mais do que uma distorção do desejo onírico que existe no inconsciente”.(ibid, p.306) Cabe também aqui relatar que existe no trabalho de Freud dois deslocamentos diferentes que, apesar de similares não podem ser confundidos. Os Lacanianos costumam chamar o processo de condensação do sonho de metáfora e o deslocamento de metonímia. A metonímia ai exposta ao que me parece (segundo observações de discursos de professores Lacanianos) se refere ao outro tipo de deslocamento que ainda não foi abordado.

Agora seria interessante que entrássemos na condensação para a melhor compreensão do modo ao qual os sonhos se utilizam para ocultar seus conteúdos latentes, os quais, se devidamente mostrados a consciência gerariam uma enorme angustia¹ (segundo a definição inicial de angustia para Freud) já que são conteúdos que entram em choque necessariamente com a cultura e a civilização. Esse mecanismo que sempre procura o prazer é chamado por Freud de principio de prazer-desprezer (lust-unlust ou principio de desprazer no inicio) e a posteriori chamado finalmente de principio de prazer². A condensação, finalmente definida, se refere a um mecanismo de aglutinamento de elementos em um só elemento, ou se preferirem, um grande numero de significados no mesmo significante ou pictografia, e o numero possível de significados condensados neste significante é impossível de conhecer, isto muito se parece na verdade com a idéia de símbolo em Jung, apesar de aqui estarmos em outra idéia lingüística e de não ocultamento. Esta idéia de símbolo seria justamente a idéia de “elemento” plurissignificativo, ou seja, com muitos/infinitos significados. Essa impossibilidade de ver o sonho em si fica explicita quando Freud diz: “Mesmo que a solução pareça satisfatória e sem lacunas, resta sempre a possibilidade de que o sonho tenha ainda um outro sentido. Rigorosamente falando, portanto, é impossível determinar o volume da condensação”.

Freud parece se afastar da idéia de não contradição aristotélica por um momento, no que se refere aos sonhos quando diz: “A alternativa ‘ou...ou’ não pode ser expressa em ambos, seja de que maneira for. Ambos as alternativas costumam ser inseridas no texto do sonho como se fossem igualmente validos”. Neste momento Freud parece chegar inclusive mais perto da idéia estruturalista, pois segundo Cardoso(2000) uma das características do estruturalismo seria “abandono dos cortes radicais (‘ou/ou’, substituídos pela formula ‘e/também’)”. Contudo, Freud não se demora a largar esta idéia como na idéia dos sonhos apresentarem em algumas ocasiões “justamente o oposto”, ou seja, vira ao avesso uma idéia para de mostrar, também nega a hipótese do “e/também” nos mecanismos de “identificação” e “avesso”, o avesso seria justamente o já citado “justamente o oposto”.

Interessante também é falar que na idéia freudiana o inconsciente, se não sempre, quase sempre, trabalha através da linguagem. Segundo alguns lacanianos, o inconsciente é linguagem. Podemos ler na obra de Freud o motivo do uso abusivo de ligações lingüísticas no sonho, o que, no entanto, ao meu ver, não determina essa “linguagem pura e simplesmente”. O trecho diz: “(...) todo o campo do chiste verbal é posto a disposição do trabalho do sonho. Não há por que nos surpreendermos com o papel desempenhado pelas palavras na formação dos sonhos. As palavras, por serem o ponto nodal de numerosas representações, podem ser consideradas como predestinadas à ambigüidade”. O motivo pelo qual me leva a crer em não crer numa total determinação lingüística nos sonhos se refere também ao aos símbolos permanentes que Freud apesar de dar a eles menor valia falará sobre eles também. Exemplifico minha fala: “Em alguns casos, o elemento comum entre o símbolo e o que ele representa é obvio; em outros casos, acha-se oculto, e a escolha do símbolo parece enigmática. São justamente esses últimos casos que devem ser capazes de lançar luz sobre o sentido final da relação simbólica, e eles indicam que esta é de natureza genética. As coisas que hoje estão simbolicamente ligadas provavelmente estiveram unidas em épocas pré-históricas pela identidade conceitual e lingüística”. (Freud, 1900, 396).

Um exemplo desses sonhos simbólicos típicos para Freud seriam os sonhos com imperadores e imperadoras, representando consecutivamente, pai e mãe, as decidas de escada como ato sexual, etc. Agora mostraremos um trecho de um sonho com sua devida interpretação pelo doutor:

“Insiro aqui o sonho 'florido' de uma de minhas pacientes que já prometi registrar. Indiquei por meio de grifos os elementos nele presentes que devem receber uma interpretação sexual. A sonhadora perdeu muito de sua simpatia por esse lindo sonho depois que ele foi interpretado.
(a) Sonho Introdutório: Ela encontrou na cozinha, onde estavam suas duas empregas, e as repreendeu por não terem aprontado seu ‘lanchinho’. Ao mesmo tempo, viu uma grande quantidade de louça emborcada para secar, louça comum de barro amontoada em pilhas, acréscimo posterior. As duas empregadas foram buscar água e tiveram de entrar numa espécie de rio que chegava ate bem junto da casa, entrando pelo quintal.
(b) Sonho Principal: Ela estava descendo de uma elevação (obs: sua alta linhagem: uma antítese desejada ao sonho introdutório) sobre umas paliçadas ou cercas de construção estranha reunidas para formar grandes painéis que consistiam em quadrinhos de pau-a-pique (obs2: imagem composta que unia dois locais: o que se conhecia como ‘sótão’ de sua casa, onde ela costumava brincar com o irmão, o objeto de suas fantasias posteriores, e a fazenda de um tio malvado que costumava implicar com ela.). Não eram feitos para subir; ela teve dificuldade em encontrar um lugar onde por os pés e ficou contente por seu vestido não ter-se prendido em lugar nenhum, de modo que ela continuou respeitável a medida que prosseguia (obs3: Uma antítese desejada de uma lembrança real da fazendo do tio, onde ela costumava tirar a roupa enquanto dormia). Ela segurava um GRANDE RAMO na mão (obs4: tal como o anjo carrega o ramalhete de lírios nos quadros da Anunciação.); na realidade, era como uma arvore, todo recoberto de FLORES VERMELHAS, e se ramificava e espelhava (obs5: Para explicação dessa imagem composta, ver p. 316; inocência, menstruação, A Dama das Camélias). Havia uma idéia de que fossem FLORES de cerejeira; mas também pareciam CAMELIAS duplas, embora, é claro, estas não cresçam em arvores. Ao descer, ela estava primeiro com UM, depois, de repente, com DOIS, e depois com UM outra vez (obs6: referindo-se a multiplicidade de pessoas envolvidas em sua fantasia). Ao chegar lá embaixo, as FLORES da parte inferior já estavam bem DESBOTADAS. Então, depois que já havia descido, ela viu um criado que – sentia-se inclinada a dizer- estava penteando uma arvore semelhante, ou seja, estava usando um PEDAÇO DE MADEIRA para arrancar umas MECHAS ESPESSAS DE CABELO que dela pendiam como musgo. Outros trabalhadores haviam cortado RAMOS semelhantes de um JARDIM e tinham-nos jogado na ESTRADA, onde FICARAM CAIDOS, de modo que MUITAS PESSOAS PEGARAM ALGUNS. Mas ela perguntou se isso estava certo –se podia PEGAR UM TAMBEM (obs7: Isto é, se poderia puxar um, ou seja, masturbar-se [‘Sich einen herunteirreissen’ ou ‘ausreissen’{literalmente, ‘dar uma puxada para baixo’ ou ‘para fora’} são termos alemães vulgares que significam ‘masturbar-se]). Um HOMEM jovem (alguém que ela conhecia, um forasteiro) estava de pé no jardim; dirigiu-se a ele para perguntar de que modo RAMOS como aqueles poderiam ser TRANSPLANTADOS PARA SEU PROPRIO JARDIM (obs8: o ramo já representava há algum tempo o órgão genital masculino; alias, também fazia uma alusão clara a seu sobrenome). Ele a abraçou, ao que ela se debateu e perguntou o que ele estava pensando, e se achava que podiam abraçá-la daquela maneira. Ele lhe respondeu que não havia mal nenhum, que era permitido (Isso, bem como o que vem a seguir, relacionava-se com as precauções no casamento). Em seguida, disse estar disposto a entrar no OUTO JARDIM com ela, para lhe mostrar como era feito o plantio, e acrescentou algo que ela não consegiu entender bem: ‘Seja como for, preciso de três JARDAS (depois ela forneceu esse dado como três jardas quadradas) ou três braças de terra’. Era como se ele lhe estivesse pedindo alguma coisa em troca de sua boa vontade, como BURLAR alguma lei, para tirar vantagem disso sem causar mal a ela. Se ele realmente lhe mostrou algo, ela não tinha nenhuma idéia.

Esse sonho, que expus em virtude de seus elementos simbólicos, pode ser descrito como ‘biográfico’”. (Freud, 1900, p.342-344).

Agora poderíamos tencionar a adentrar o universo simbólico junguiano que jaz em sua compreensão dos sonhos, contudo, esta introdução será totalmente incompleta visto a falta de leitura sobre o tema. Para iniciar o tema, nada melhor que uma frase de William Blake:

“Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo pareceria ao homem como realmente é, infinito.” William Blake

Para começar a entender a nova visão de Jung será interessante primeiro analisarmos a visão de Freud sobre a natureza para estabelecermos uma antítese e criar uma coerência no texto como um todo, segundo Tarnas, com Freud: “a luta darwiniana com a Natureza assumia novas dimensões, o Homem via-se agora obrigado a conviver em eterna luta com sua própria natureza. Não apenas Deus era agora exposto como projeção infantil primitiva, mas o próprio ego humano consciente com sua louvável virtude da razão –ultimo bastão a separar o Homem da Natureza- caíra, não passando agora de evolução recente e precária do id primordial”. (Tarnas, 1991).

Jung saiu da idéia de que os sonhos representam sempre conteúdos empíricos, sejam eles de um passado longínquo ou de experiências recentes, dizendo que “as idéias e imagens contidas no sonho não podem ser explicadas apenas em termos de memória; expressam pensamentos novos que ainda não chegaram ao limiar da consciência”.(Jung, 1964).

Os sonhos, por muitas vezes expressarem conteúdos do inconsciente trazem elementos que não precisam conter lógica ou linearidade, visto que, o proprio inconsciente não possui tais características, ele contem opostos sem o menor problema, o problema na verdade so passa a existir quando este conteúdo se torna consciente.

Sobre a metodologia da interpretação Jung diz após falar que o sonho é a totalidade de si proprio, “Por isso ‘emprego o método filológico usado na analise de textos difíceis, tratando os sonhos pelo mesmo sistema (...) Antes de tudo devemos evitar especulações e teorias ao lidarmos com processos tão misteriosos como dos sonhos. Não devemos esquecer que durante milhares de anos homens inteligentes de grande conhecimento e experiência tiveram as mais diversas concepções sobre esse assunto”. (Jung apud Melo, 2002, 2).

A analise dos sonhos nem sempre parte de um único sonho para Jung, como ele diz “Não gosto de analisar um único sonho em separado, pois a interpretação seria arbitraria. Pode-se especular o que bem se entender a respeito de um sonho, mas quando comparamos uma serie de, digamos 20, ou 100 deles, então poderemos ver coisas realmente interessantes. Enxerga-se o processo que se desenvolve no inconsciente, noite após noite, e a continuidade da psique inconsciente estendendo-se através do dia e da noite.” (Jung, 1935).

Continuando a falar sobre a interpretação, citamos Jung em outro trecho "o que faço é o seguinte: Adoto o método filológico que esta bem longe de ser livre-associação, aplicando um principio lógico - a amplificação, que consiste simplesmente em estabelecer paralelos. Por exemplo, no caso de uma palavra muito rara, com a qual nunca antes nos defrontamos, tenta-se encontrar passagens de textos paralelos, se possível, aplicações paralelas, onde a palavra ocorra“ (Jung, 1935).

Partindo dos sonhos, podemos ter acesso ao inconsciente coletivo, sendo assim, o sonho na psicoterapia junguiana é elemento primordial, uma “expressão do inconsciente. E são igualmente simbólicos”. O inconsciente se manifesta através de símbolos, onde “uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa alem do seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem um aspecto ‘inconsciente’ mais amplo, que nunca é precisamente definido ou de todo explicado. E nem podemos ter esperanças de defini-la ou explicá-la. Quando a mente explora um símbolo, é conduzida a idéias que estão fora do alcance da nossa razão.” (Jung, 1964).

Jung, ao invés de partir das livres associações que muitas vezes afastavam-se muito dos sonhos , observou que melhor seria “concentrar-me nas associações com o próprio sonho, convencido de que o sonho expressaria o que de especifico o inconsciente estivesse tentando dizer”(ibid), ou melhor “o método que desenvolvi se assemelha mais a um movimento cincunvoluntorio cujo centro é a imagem do sonho. Trabalho em redor da imagem do sonho e desprezo qualquer tentativa do sonhador para dela escapar. Inúmeras vezes na minha atividade profissional, tive que repetir a frase ‘Vamos voltar ao seu sonho?’”(ibid). Nas palavras de Jung “Eu desejava manter-me o mais próximo possível do sonho, excluindo todas as idéias e associações irrelevantes que ele pudesse evocar”. Sem duvida Jung não negava a possibilidade de através dessas associações chegar a complexos inconscientes (aqui referimo-nos ao inconsciente pessoal), mas observou que existiam outros métodos para tal, como o teste de associação de palavras, e os sonhos especificamente “tem uma significação própria, mesmo quando provocados por alguma perturbação emocional em que estejam também envolvidos os complexos habituais dos indivíduos”.

O rompimento de Jung com Freud, pode ser considerado “o rompimento com o seu mestre e amigo em função das criticas, não aceitos por Freud, que Jung faz, a época, a teoria psicanalista, principalmente, ao primado da sexualidade como causa da psicodinâmica individual” (Cardoso 2002). Na questão dos sonhos, Jung nos faz refletir que “A maioria das pessoas sabe, por exemplo, que o ato sexual pode ser simbolizado por uma imensa variedade de imagens (ou representado sob forma alegórica). Cada uma destas imagens pode, por um processo associativo, levar a idéia da relação sexual e aos complexos específicos que incluem no comportamento sexual de um individuo. Mas, da mesma maneira, podemos desenterrar estes complexos graças a um devaneio em torno de um grupo de letras indecifráveis do alfabeto russo. Fui, assim, levado a admitir que um sonho pode conter uma mensagem alem de uma alegoria sexual, e que isto acontece por motivos determinados. Para ilustrar esta observação:

Um homem sonha que enfiou uma chave numa fechadura, ou que esta empunhando um pesado pedaço de pau, ou que esta forçando uma porta com aríete. Cada um destes sonhos pode ser considerado uma alegoria, um símbolo sexual. Mas o fato de o inconsciente ter escolhido, por vontade própria, uma destas imagens especificas – a chave, o pau, ou o aríete- é também de maior significação. A verdadeira tarefa é compreender por que a chave foi escolhida em lugar do pau, ou por que o pau em lugar do aríete.” (Jung, 1964).

Talvez um freudiano disse-se que o “por que” do sonho manifestar-se com uma dessas três maneiras seria as resultantes empíricas do dia anterior ou mesmo as o material que surge durante o sonho provindo de fontes somáticas, como algo machucando o corpo de algum lugar, um barulho captado subliminarmente, ou sonhos típicos dotados de conteúdos hereditários.

Não podemos ver, simplesmente, o disfarce para apreendermos o sentido e o conteúdo dos sonhos simbólicos, Jung falando de um sonho seu diz “Pode-se qualificar este sonho de simbólico porque não representa uma situação de modo direto e sim indiretamente, por meio de uma metáfora, que a principio não percebi. Quando isto acontece (como é freqüente) não se trata de um ‘disfarce’ proposital do sonho; é resultado, apenas, da nossa dificuldade em captar o conteúdo emocional da linguagem ilustrada. De fato, na vida cotidiana precisamos expor nossas idéias de maneira mais exata possível e aprendemos a rejeitar os adornos da fantasia tanto na linguagem quanto nos pensamentos –perdendo, assim, uma qualidade ainda característica da mentalidade primitiva”. (ibid).

A visão de inconsciente em Jung é muito diferente da freudiana, Freud vê os conteúdos ‘primitivos’ da psique como resíduos arcaicos, ou seja, essa “expressão sugere que estes ‘residuos’ são elementos psíquicos que sobrevivem na mente humana há tempos imemoriais. É um ponto de vista característico dos que consideram o inconsciente um simples apêndice do consciente (ou, numa linguagem mais pitoresca, como uma lata de lixo que guarda todo o refugo do consciente)”. (ibid).

Podemos falar que a interpretação dos sonhos para Jung, que trouxe também uma volta do caráter coletivo, mitológico e simbólico ao sonho, pode ser dividida em três diferentes compreensões, a saber:

“1- histórico e de certa forma determinado pelo inconsciente pessoal (de certa forma, porque o pessoal se origina do coletivo através dos arquétipos que estão por trás), cuja causa esta no passado; 2 – teleonômico – que tem uma finalidade/objetivo e é causal- a causa esta no futuro, não estando ligado fundamentalmente a historia afetiva do individuo, mas tem um sentido de meta consciente, lembrando a postura Adleriana (esse termo foi criado pela epistemologia para diferenciar do que traz a informação sobre o caminho a seguir; é o mais difícil de aceitarmos devido a racionalidade cartesiana); 3- o teleológico – guarda um sentido a ser revelado, ainda que possa ser transformado, como por indicação prognostica do sonho inicial, (Stein apud Melo, 1).

O sonho para Jung, ainda possui o que ele chamou de função compensatória, que leva ao equilíbrio da psique, tirando ela das suas unilateralidades. Alem disso o sonho podem “revelar certas situações antes de elas realmente acontecerem. Não é necessariamente um milagre ou uma forma de previsão. Muitas crises de nossa vida tem uma longe historia inconsciente”(ibid). Para terminar o presente ‘artigo’ ou ‘junçao de textos’ apresentemos um sonho que mostra uma situação pré-vista pela sonho, ou, pelo inconsciente (para entender melhor esta idéia seria necessário adentrar o assunto epistemológico do inconsciente, estudando a sua noção de tempo-espaço que nos leva a um estudo sobre a física quântica, já que, Jung desenvolveu os conceitos finais de arquétipos junto com o física Wolfgang Pauli).

“Lembro-me do caso de um homem que se envolveu numa serie de negócios escusos. Como uma espécie de compensação criou uma paixão quase mórbida pelas formas mais arriscadas de alpinismo. Procurava ‘erguer-se sobre si mesmo’. Uma noite sonhou que ao escalar o pico de uma montanha muito alta precipitava-se no espaço vazio. Quando me contou o sonho, verifiquei imediatamente o perigo que corria e tentei reforçar ainda mais aquele aviso para persuadi-lo a moderar-se. Cheguei mesmo a dizer-lhe que o sonho pressagiava sua morte num acidente de alpinismo. Foi inútil. Seis meses mais tarde ‘precipitou-se no espaço vazio’. Uma guia o observava enquanto, com um companheiro, descia por uma corda ate um local de difícil acesso. O amigo encontrara um apoio temporário para os pés, numa saliência, e ele o seguia. Repentinamente, soltou a corda como se (segundo seu guia) estivesse ‘se precipitando no ar’. Caiu sobre o amigo, ambos despencaram montanha abaixo e morreram.” (ibid).

Jung se aproximando de Nietzsche salienta que “Não podemos nos permitir nenhuma ingenuidade no estudo dos sonhos. Eles tem sua origem em um espírito que não é bem humano, e sim um sopro da natureza – o espírito de uma deusa bela e generosa, mas também cruel. Se quisermos caracterizar este espírito, vamos aproximar-nos bem melhor dele na esfera das mitologias antigas e nas fabulas das florestas primitivas do que na consciência do homem moderno”. (ibid).

1 - “A angustia é um impulso libidinal que tem origem no inconsciente e é inibido pelo pré-consciente”. (apesar de ser modificado segundo Freud a posteriori)

2 - (referencia: Freud, obras completas, Volume 7, p.237, 238)



Bibilografia:

1 – Sigmund Freud, Interpretação dos Sonhos, 1900.
2 – Sigmund Freud, Mal-Estar na Civilização,
3 – Heloisa Cardoso, O que você deve saber para entender Jung – I fundamentos do pensamento junguiano, 2002
4 – Friederich Nietzsche, A origem da tragédia – proveniente do Espírito da Musica, 1886.
5 – Elizabeth C. Mello, Mergulhando num mar sem fundo, Introdução a epistemologia atual e a clinica junguiana, 2002. (1).
6 – Elizabeth C. Mello, Origem e Totalidade. (2). 2002.
7 – Carl Gustav Jung, O homem e seus Símbolos, 1964.
8 - Carl Gustav Jung, Fundamentos da Psicologia Analitica, 1935.
9 - Richard Tarnas, Epopéia do pensamento ocidental, 1991.

A Lagartixa

Para Lidi, essa poesia.

A Lagartixa
A lagartixa ao sol ardente vive
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão de teus olhos me da vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.

Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.

Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores.
Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha;
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.

Álvares de Azevedo.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Um pouco de Nietzsche



Ofereço um pouco de Nietzsche aos amigos. Enquanto eu re-olhava frases de seus livros, um novo encantamento bateu e resolvi, mister que sou, colocar algumas frases aqui. Mas antes apresento algumas considerações.

Muitos se enganam ainda em relação a Nietzsche na idéia de que ele fosse um pensador egoísta, contudo, muito pelo contrario, ele foi um pensador da natureza, da ars erótica, ou seja, da alegria e do prazer – não confundir com o otimismo. Nietzsche estava alem do bem e do mal, ou seja, acreditava que a natureza proporcionava a própria superação de si mesma, uma superação do homem, ela não tinha moral e por isso não era fraca. Tirar o mal e esconder-se dele é cair em um remédio que provoca a fraqueza e conseqüentemente um o fortalecimento do instinto de rebanho, de reificar-se na mesmice, estratificar-se, paralisar-se diante da existência. Fugir ao mal como nossas tradições eclesiásticas ocidentais fazem é querer uma harmonia que não permite o crescimento do ser, é fugir da vida. Ora, bem mais fácil é criar seres de rebanho do que existir com seres fortes, que se proponham a mudar e a tocar nas feridas das sociedades e dos seres humanos que nela habitam, tanto assim o é, que já temos nossa justificação dos espíritos dominantes para tal feito. Vejam bem, eu disse espíritos dominantes e não espíritos “nobres” (para usar um termo nietzschano).

A idéia dos ditirambos (rituais dionisíacos) onde a embriaguez do vinho, as orgias e a musica tomam o ambiente, é encontrar, para Nietzsche, o local onde o ser não mais é sujeito ou subjetividade, “sua subjetividade foi abandonada pelo artista no processo dionisíaco; a imagem que então lhe mostra sua unidade com o coração do mundo é imaginação”. A dor e a ruptura com a estética. Não, Nietzsche não é faz uma filosofia puramente estética... estética seria se fosse apolínea, do nosso querido deus Apolo, pois ja dizia “Apolo para mim se apresenta como o gênio transfigurado do principia individuationis, pelo qual se pode atingir a libertação, na aparência, enquanto que, sob o místico brado de jubilo de Dionísio, se quebra o grilhão da individualidade, estando livre o caminho que nos leva as mães do ser, ao núcleo mais interno de todas as coisas”.

Para contextualizar Dionísio, lembremos que ele foi filho de Zeus e de Semele, princesa de Tebas. Dionísio sofreu com a fúria da mulher de Zeus, Hera, que com ódio pela traição (constante por assim dizer) do marido tentou matar Dionísio, na verdade dentro da vários feitos ela conseguiu a morte de Semele, mas Dionísio foi arranco por Hermes da barriga de Semele e costurado nas coxas de Zeus onde lá terminou sua gestação e nasceu vivo e normal. Ainda poderíamos continuar contanto a outra desgraça de Dionísio por causa de Hera, mas vamos poupar-lhes. Apenas é interessante dizer que Dionísio não foi morar a priori do lado dos deuses indo sim morar nas florestas junto com os satiros, os loucos e os animais. Dionísio deu a humanidade o vinho e suas bênçãos, e concedeu ao êxtase da embriaguez a redenção espiritual e todos que decidiam abandonar a renunciar a riqueza e ao poder material. No final, Dionísio ainda voltaria ao Olimpo, habitando ao lado de Zeus.

Voltando a Nietzsche, aqui esta um ponto onde sua critica ao otimismo na arte se estabelece “A dialética otimista afugenta com açoite de seus silogismos a musica da tragédia, essência que se pode interpretar somente como uma configuração de estados dionisíacos, como simbolizaçao visivel da musica, como o mundo de sonho da embriaguez dionisíaca”. E aponta o surgimento deste mal no próprio surgir da individualidade, “temos todos os itens de uma concepção pessimista e melancólica do mundo e, ao lado desta a doutrina dos mistérios da tragédia, o conhecimento essencial da unidade de todo o existente, a consideraçao da individualidade como a razão primeira do mal, a arte como a esperança alegre de que o grilhao da individualidade possa ser quebrado, como pressagio de unidade restabelecida”.

Nesta luta entre individualidade, em especial da razão, contra o instinto e o mundo (poderiamos dizer, da vontade da vontade) Nietzsche nos fala sobre Sócrates “secretamente, porem, em sua intimidade riu também de si, perscrutando sua consciência e seu foto intimo, encontrava em si mesmo a mesma torpeza e a mesma impotência. Contudo, por que dizia, ainda assim, que devia renunciar aos instintos por isso? Aos instintos e á razão deve-se educar, deve-se obedecer aos instintos para convencer a razão que os apóie com bons argumentos. Este foi, em verdade, o problema daquele grande e misterioso irônico. Reduziu sua consciência a contentar-se com uma espécie de engano voluntário, na verdade, havia posto a lume o caráter irracional dos juízos morais.” Depois segue mostrando o caminho percorrido por Platão para defender o razao e o bem que permaneceram por tanto tempo em nossa cultura, passando pelo cristianismo e por descartes.

Deixemos ainda mais uma passagem do filosofo : “Se a tragédia antiga foi obrigada a sair de seu trilho em virtude do impulso dialético ao saber e ao otimismo da ciência, então servira isto para a dedução de uma luta eterna entre o conceito teórico e o conceito trágico do universo; e somente depois de conduzido o espírito da ciência ate os seus limites, sendo extinta sua exigência de validez universal por comprovancia daqueles limites, poeriamos contar com o renascimento da tragédia”.

“Decido a todos os partidos. – Um pastor sempre tem necessidade de um carneiro que sirva de guia ao rebanho – ou então é constrangido a fazer-se de carneiro”.

“O cristianismo perverteu a Eros, esta não morreu, mas degenerou-se, tornou-se vicio”.

“Acerca da “verdade” ninguém ate agora foi suficientemente verdadeiro”.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Surrealismo e Histeria (André Breton e Louis Aragon)

Nos, surrealistas, consideramos que cumpre-se celebrar aqui o cinqüentenário da histeria, a maior descoberta poética do fim do século XIX, e isto no mesmo momento em que o desmembramento da histeria parece fato consumado. Nos que tanto amamos essas jovens histéricas – cujo tipo perfeito nos é dado pelo caso da deliciosa X.L. (Augustine) que deu entrada na Salpetriere no serviço do dr.Charcot no dia 21 de outubro de 1875, aos 15 anos e meio -, como não seriamos tocados pela laboriosa refutação de distúrbios orgânicos no processo contra a histeria que será perpetrado para sempre pelo olhar único dos médicos? Que pena! M.Babinsky, o homem mais inteligente que abordou a questão, ousava publicar em 1913: “Quando uma emoção sincera e profunda sacode a alma humana, não há mais lugar para a histeria.” Eis ainda o que de melhor nos ensinaram. Freud, que tanto deve a Charcot, lembra-se do tempo em que, pelo testemunho das sobreviventes, os residentes de Salpetriere confundiam seu dever profissional com o prazer do amor, quando ao cair da noite as doentes os encontravam la fora ou os recebiam em seus leitos? Eles repertoriavam em seguida pacientemente, em nome da causa medica, que não se defende, as atitudes passionais tidas por patologias que lhes eram, e ainda o são, humanamente tão preciosas? Após 50 anos a Escola de Nancy esta morta? Se ainda vive, o dr. Luys esqueceu-a? Mas onde se encontra os casos descritos por Néri sobre os tremores de terra de Messine? Onde estão os zuavos torpediados pelo Raymond Roussel da ciência, Clovis Vincent?

Diversas definições da histeria foram dadas ate hoje: divina na Antiguidade, infernal na idade media (dos possuídos de Loudun aos flagelados N.-D. des Pleurs, viva Madame Chantelouve!), definições míticas, eróticas ou simplesmente líricas, definições sociais, definições cientificas. É fácil opor a tais definições essa “doença complexa e proteiforme chamada de histeria que escapa a qualquer definição” (Bernheim). Os espectadores do belíssimo filme A feitiçaria através dos tempos recordam certamente terem encontra na tela ou na sala ensinamentos mais vivos do que os dos livros de Hipocrates e de Platão, onde o utero pula como uma cabrita; de Galeno, que imobiliza a cabre; de Fernel, que recoloca em cena no século XVI e se sente sob sua mão andar até o estomago. Eles viram os chifres do animal crescerem, crescerem ate tornarem-se os chifres do diabo. De sua parte o diabo faltou. As hipóteses positivistas dividem entre si sua herança. A crise histérica toma forma independente da própria histeria, com sua aura soberba, suas quatro fases – sendo que a terceira nos retem por seus mais expressivos e mais puros quadros vivos- e sua simplíssima resolução na vida normal. A histeria, clássica em 1906, perde suas características: “A histeria é um estado patológico que se manifesta por distúrbios passiveis de serem reproduzidos por sugestão em alguns sujeitos com perfeita exatidão e que são sucetiveis de desaparecer so pela influencia da persuasão (contra-sugestao)” (Babinski).

Verificamos nessa definição apenas um momento do devir da histeria. O movimento dialético que a fez nascer segue seu curso. Dez anos mais tarde, sob o deplorável disfarce do pitiatismo, a histeria tende a retomar seus direitos. O medico se espanta. Ele quer negar o que não lhe pertence.

Propomos, portanto, em 1928 uma nova definição da histeria: “A histeria é um estado mental mais ou menos irredutivel que se caracteriza pela subversão das relações que se estabelecem entre o sujeito e o mundo moral ao qual ele acredita em termos práticos pertencer independente de todo sistema delirante. Esse estado mental é fundado na necessidade de uma sedução recíproca, que explica os milagres apressadamente aceitos pela sugestão (ou contra-sugestao) medica. A histeria não é um fenômeno patológico e pode, de todo modo, ser considerada como um meio supremo de expressão”.

livro: A liçao de Charcot

Ditirambus

Mais uma vez eu pra-dizer que agora sim o texto de interpretaçao dos sonhos ta quase pronto... a parte Freudiana ta pronta, so falta agora eu botar um pouco de Jung.. nao vai demorar pq nao tenho mto material sobre sonhos em Jung mesmo... Enquanto isso um ditirambo para as amigas e os amigos.



Momento fugaz,
andarilho sobre tais
cordas e umbrais
que levam ao desfiladeiro,
ao mosteiro das rosas de espinho
para ser dilacerado
E o sentar na sombra em meio a luz,
reflete o momento que conduz
a dificuldade de pisar,
de sentir e de olhar
a cada momento,
um novo momento
e parar por um segundo de pensar,
efemero, diria mais...
sobre impropriedades tais,
de existir como devir
permanece existindo
sem ser plenamente,
e prosseguindo,
como paradoxo de fluir e de parar,
pede para ser,
pede para estar,
um minuto mais,
em sintonia com o caos,
sem pensar e nada mais
o desejo se esforça
em nao mais desejar
e calma manifesta
nesta hora de mui festa
aquiesce o coraçao
em uma satira cançao