quinta-feira, novembro 24, 2005

Psicologia e Ecologia, uma uniao possivel?

por FernandoR. -- copyleft.

Psicologia e Ecologia, uma uniao possivel?

Resumo:

No presente texto, iremos procurar as possibilidades e adversidades criadas historicamente para estabelecer um contato vitalício entre a psicologia e a ecologia. Passando pela filosofia e a epistemologia, iremos tentar compreender algumas abordagens teóricas dentro da psicologia e de que modo elas se colocam, investigam, e compreendem a natureza, seu meio ambiente.
A partir daí, procuraremos observar de que modo o paradigma holístico, da ecologia profunda (criado por Ame Naess), segundo Capra, emergente na ciência, na filosofia e, portanto, na psicologia, poderão lidar com a idéia de estar contribuindo para a resolução de problemas dentro de sua própria casa (oikos), a natureza, natureza esta onde “as preocupações com o meio ambiente adquirem suprema importância. Defrontamo-nos com toda uma série de problemas globais que estão danificando a biosfera e a vida humana de uma maneira alarmante, e que pode logo se tornar irreversível” (Capra, 1996). Assim, partiremos da idéia da necessidade da interdisciplinaridade para resolver os problemas modernos que são “problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes” (ibid) passando não só pela psicologia, como também pela própria sociologia, filosofia, ecologia, etc.
Tentaremos observar a partir daí, como o atavismo emergente em nosso tempo, junto com a moderna tecnologia e um pensamento complexo, podem nos propiciar uma alternativa a um modelo de pensar capitalista, individualista e mecanicista que vem destruindo a natureza vendo-a como mero ente impessoal que deve servir aos interesses do lucro e do prazer de uns poucos. Esta analise nos leva a crer que estamos num período de crise não só material, como também numa “crise de percepção” (ibid) que pode nos levar, tranqüilamente, a um colapso. O texto ira tentar abordar de que forma esse pensamento que pode nos colapsar se constitui e tenta propor um novo pensamento, que ligado a ecologia e a natureza de outra forma, possa pensar num modelo de pensamento, comportamento e relações que nos leve a olhar o significado da natureza, como diria Kandinsky : "Tudo que está morto palpita. Não apenas o que pertence à poesia, às estrelas, à lua, aos bosques e às flores, mas também um simples botão branco de calça a cintilar na lama da rua... Tudo possui uma alma secreta, que se cala mais do que fala." e que finalmente possamos re-harmonizar nosso laços com esta nossa “grande mãe”, como nos diz o arquétipo da psicologia junguiana.

Índice:

1 – Introdução
2 – A construção do saber do homem moderno e suas relações com a natureza
3 – O pensamento reintegrador nas ciências e na psicologia
4 – A guisa de conclusão

1 - Introdução:

Em torno da explicita necessidade de um pensamento ecológico nas áreas de saber, visto a destruição ambiental realizada pelo homem contemporâneo, observaremos de que modo a psicologia tenta articular este saber ao seu campo de conhecimentos e também de que modo ela o nega, mantendo o discurso hegemônico baseado nas necessidades “do capital”, ou das grandes corporações que destroem a natureza para manter seu poderio.
Visto a multiplicidade de analises psicológicas abordaremos o modelo de Carl Gustav Jung (1875-1961) e Wilhelm Reich (1897-1957) para introdução de um modelo re-integrador a natureza, de modo a possibilitar um volta do homem a um ser que só se faz dentro e com a natureza e não fora dela. Desse modo sairemos da antiga divisão cartesiana do res extensa e res cogito (mundo da matéria e mundo do pensamento), de René Descartes (1596-1650) que alienava o pensamento do mundo, considerando o mundo da matéria como mero maquinário. Necessário dizer é que desta maneira não queremos simplesmente entrar em um pensamento materialista que, mantém em si, o velho projeto gengiskaniano de dominar a natureza, pensamos que “é preciso renunciar ao projeto gengiskaniano de conquistar e submeter a natureza, como também superar a alternativa entre ‘seguir ou guiar’ a natureza.” (Melo, 2002).
De fundamental importância, abordaremos as questões epistemológicas que resultaram ou resultam neste processo de degradação de nossa própria casa, como diz a origem etimológica da palavra ecologia (oikos= casa + logos = discurso) e finalmente iremos demonstram que, não obstante a superação do modelo destrutivo da natureza, pela ciência, pela filosofia e pela sociologia, algumas áreas da psicologia permanecem em um modelo de ciência ou filosofia que considerada a natureza des-dotada de vida ou simplesmente como algo que deve ser superado, ou dominado pelo homem.
A fortiori, portanto, pretendemos relatar uma passagem histórica do conhecimento na psicologia traçando suas relações com a ecologia e com seus pensamentos sobre o planeta, natureza, cosmos, tentando assim desvelar o comprometimento da psicologia com seu meio ambiente.

2 - A Construção do Saber do Homem Moderno e Suas Relações Com a Natureza

A visão moderna ocidental se estabeleceu, negando a antiga concepção surgida na filosofia Grega, que sacralizava o mundo e a natureza, os “objetos” do mundo, que lá possuíam vida e sentido. A partir da chamada idade moderna, com Copérnico, Darwin, Newton, Descartes, chegamos a um ponto, onde o ser humano alem de não ser mais o centro do mundo, era um ser insignificante dentro de um universo hostil, com leis imutáveis que lhe eram alheias, em um universo impessoal e totalmente sem sentido que era epistemologicamente incerto de existência. Um ponto culminante dessa concepção pode ser considerado “A mudança de conceituação copernicana pode ser considerada a metáfora fundamental de toda a moderna visão de mundo: a profunda desconstrução da compreensão primitiva; o decisivo reconhecimento de que a aparente condição do mundo objetivo estivesse inconscientemente determinada pela condição do sujeito; a conseqüente liberação do antigo e medieval ventre cósmico; o deslocamento radical do ser humano para uma posição relativa e periférica num vasto universo impessoal”. (Tarnas, 1991).
Podemos também observar a ciência de Issac Newton (1643-1727) que era a base de todas as ciências da época, na antiga concepção fisicalista, conceitualizada como uma “redução hierarquizada dos fenômenos: assim, a biologia poderia ficar explicada sucessivamente, em termos químicos, físicos, etc..”. (Melo, 2002). Nesta ciência newtoniana “estamos do lado de fora da natureza, atuando como meros espectadores para controlá-la sem preocupação da conseqüência de nossos atos”. (ibid).
Posteriormente outra influencia desse modelo moderno da psicologia que abordaremos, explicitado por Freud, seria a idéia de Darwin (1809-1882) da evolução das espécies que acabou por exacerbar critérios de competição, contra a natureza e contra os seres de mesma espécie, como no darwinismo social, como diz Woodcock “Darwin enfatizou a competição e a ‘luta pela vida’ como os elementos dominantes no processo através do qual a seleção natural mantém as variações favoráveis e elimina as desfavoráveis. Embora nos últimos anos de sua vida Darwin tenha reconhecido que a cooperação dentro das espécies não podia ser ignorada como um dos fatores da evolução, a idéia do conflito continuou sendo um elemento muito mais forte no seu conceito de processo evolutivo, e foi salientada pelos neodarwinistas, como Thomas Henry Huxley, com sua visão do mundo animal como uma eterna ‘luta de gladiadores’, e a vida do homem primitivo como ‘uma luta livre continua’”. (Woodcock, 2002¹). Essa idéia da coletividade como modo de evolução já existia antes da acepção de Darwin através do geógrafo e militante anarquista Peter Kropotkin (1842-1912) e mostra um outro panorama, diferente do criado pelo neodarwinismo de Spencer, exacerbando o individualismo e a luta, que foram utilizados para subjugar toda espécie de vida, considerando tal feito uma superação, fenômeno este que vemos bastante em nosso tempo em grande parte das idéias liberais.
Voltando agora a psicologia, abordemos a psicologia de Freud (1856-1939) relacionando-a a natureza e a ecologia. A meta-psicologia freudiana vai ver o homem como ser em fuga da natureza, vê a natureza algo a ser superado, que não é maléfica em si, contudo é anti-cultural. No seu livro “Mal-estar na civilização” deixa implícito isto quando diz “A primeira pessoa a renunciar a esse desejo e a poupar o fogo de sua própria excitação sexual, demora a força natural de outro fogo. Essa grande conquista cultural foi assim a recompensa de sua renuncia ao instinto”. (Freud, 1930). Freud em sua topologia psíquica, fala do Id, que estaria em conflito com o superego, o Id seria “o componente arcaico e inconsciente do sistema de energias mentais (psique) que dinamiza o comportamento humano. Do id promanam os impulsos cegos e impessoais devotados a gratificação – direta ou indireta, mas tanto quanto possível imediata- do instinto sexual (libido), estreitamente vinculado as necessidades primarias da pessoa (comer e não ter fome). (...). Ignora o mundo exterior, com quem não esta em contato, e o objeto único de seus interesses é o corpo, sendo suas relações com ele dominadas pelo principio do prazer.” (Cabral e Nick, 2001).
Não existe ai, uma confiança num caráter auto-superador da natureza, ou seja, ela levaria o ser humano ao principio do prazer, de volta ao mais primitivo, cruel (ver Thanatos), e prazeroso, ou seja, ao oposto da civilização. A teoria freudiana acredita que isto acaba levando o ser a renegar, em parte, a sua própria natureza, criando o recalque, como ele próprio nos da no exemplo da sua interpretação dos sonhos, onde o sonho cria mecanismos para evitar que a consciência desse próprio individuo lide com os “horrores” (estabelecidos pelo contato cultural) que são seus pensamentos mais profundos, levando os ao seu inconsciente, que para Freud não passa de uma “lata de lixo”.
Segundo Jung, o pensamento de inconsciente freudiano “É um ponto de vista característico dos que consideram o inconsciente um simples apêndice do consciente (ou, numa linguagem mais pitoresca, como uma lata de lixo que guarda todo o refugo do consciente)” (Jung 1964).
O sujeito, para teoria psicanalista, tem que superar o principio do prazer e chegar ao principio da realidade, onde ele agora não estaria sujeito unicamente preso a busca de prazer, onde “essa troca, contudo não quer dizer que o individuo abandona o prazer como objetivo”. A necessidade de abandonar o principio de prazer, como falamos, se deve a abandonar a própria natureza, como mostra Freud que “com a adoção da postura ereta pelo homem e a depreciação de seu sentido olfativo, não foi apenas o seu erotismo anal que começou a cair como vitima da repressão orgânica, mas toda a sua sexualidade, de tal maneira que, desde então, a função sexual foi acompanhada por sua repugnância que não pode ser explicada por outra coisa, e que impede a sua satisfação completa, forçando-a a desviar-se do objetivo sexual em sublimações e deslocamentos libidinais”. (Freud apud Albertini). Aqui vemos, como na idéia de Freud da involução sexual que parece acontecer tal como “parece acontecer com nossos dentes e cabelos” (Freud apud Albertini) que Freud acreditava num distanciamento paulatino da natureza, sendo o recalque inevitável, como condição inclusive genética, como o caso do recalque orgânico, das protofantasias relacionadas ao assassinato do pai na horda primitiva.
Apesar disso, desta luta por uma adaptação, de certo modo, seria já determinada pelos comportamentos adquiridos em sua infância, toda condição de real, todas as relação do sujeito vão se estabelecer em como esse sujeito passa pelo complexo de Édipo, não criando mobilidade basal no resto de sua vida. Essa idéia ainda estaria de acordo com algumas teorias física, como cita Novello “(...) hoje chegam ousadamente a afirmar que é ali, naqueles instantes iniciais, que se teria jogado o verdadeiro jogo entre as forças do mundo, delineando as diretrizes básicas de evolução do universo. O que se passa posteriormente naqueles instantes, seriam detalhes menores, de alcance apenas localizado, não global, contendo um monótono repetir desinteressante de cenas já parodiando a psicanálise, é na infância do universo que residiria a chave da compreensão do seu comportamento ulterior”. (Novello apud Melo, 2002, B). Inclusive existem hoje sociólogos tentando fazer crer esta mesma monotonia social, o que nos parece também, uma tentativa de alienação da existência, seja ela do mundo, do ser, ou da sociedade. “E sem retirar desse primórdio a possibilidade de transformações estruturais, Novello (1998) chama a atenção para uma possibilidade de criação permanente, já que o universo é um processo, o que se coaduna com a teoria de C. G. Jung. Rompe-se, então, com causas ultimas e únicas do vir-a-ser do homem e do universo.” (Melo, 2002, B).
Do outro lado da teoria da psicanálise, encontrávamos o Behaviorismo Radical de B.F. Skinner (1904-1990), que havia eliminado a alma de qualquer possibilidade de estudo e conhecimento, era uma teoria extremamente empírica, iluminada pela ciência clássica de Newton, permanecia apenas no universo mecânica de Descartes.
O pragmatismo do Behaviorismo Radical, só lidou com os condicionamentos dos seres-objetos, onde a própria natureza era vista como condicionada ou condicionante, pois ainda estamos aqui numa concepção newtoniana de estar fora do observado, ou seja, não estaríamos nos inter-relacionando com ele, apenas o dominando, ou sendo dominados. Para os seres humanos, o behaviorismo por seu pragmatismo acabou por seguir a idéia de adaptação do individuo ao meio social (trazendo assim felicidade e recompensa) e em sua alienação ao todo “não observou” (apesar de sua intencionalidade, como diria Foucault sobre os saberes-poderes) a totalidade e sociedade a qual estava emerso, e seguiu, portanto, todo modelo da ideologia dominante, alienando-se de aspectos sociais e de preservação de seu meio. A adaptação em uma sociedade como a nossa, só poderia causar as catástrofes que causou, guerras, destruição, poluição, degradação ambiental, o que nos mostra que nem a razão, nem o aumento da tecnologia, nem a ciência, poderão dar conta sozinhas, em especial com o pensamento clássico, da situação de miséria e desamparo que vive o mundo hoje, seja do lado social, seja do lado ambiental.

3 – O Pensamento Reintegrador nas Ciências e na Psicologia

Mesmo os seres aparentemente inanimados podem estar vivos; o mundo está cheio de deuses. Tales de Mileto (Kirk, Raven, Schofield apud Gorresio).

O pensamento contemporâneo tem passado por diversas mutações e vemos, mediante a crise atual, uma possibilidade do surgimento de um novo paradigma, palavra surgida em Kuhn, onde “Paradigma vem do grego e quer dizer: para = alem de; deigma = manifestação. O que esta para alem da manifestação e, portanto, indica a direção que vira. Esta nos parece uma melhor acepção do que as traduções costumeiras como modelo ou arquétipo.” (Melo, 2002). Nesse sentido, podemos dizer que o que nos parece real, a adaptação que muitos procuram por toda vida, pode apenas estar servindo a interesses ideológicos, de minorias com maior poder, que intencionalmente nos moldam fetiches de mercadorias, que para serem construídas destroem nosso ambiente e nos alienam de nosso interior, e também, de nosso exterior, vivemos num mundo onde “o conceito de verdade se opondo ao de falsidade que tem data e lugar de surgimento, o poder procura convencer que tem suficiente consistência para determinar o que deve ser considerado real e irreal para a coletividade. Nesse sentido, ele tem a força da magia, forjada pelo ocultamento de sua própria historicidade; assim, molda fetiches, ilusões do real, aparência de verdade”. (Kuperman apud Melo, 2002).
Portanto, acreditamos que um novo modelo de pensamento possa também trazer outro tipo de consciência, mais ampla e complexa, ao homem contemporâneo, trazendo um novo eon, uma nova era que possa re-integrar a natureza ao homem e a coletividade, não como modo negativo, ou simplesmente, como perfeita, como queriam alguns românticos e sim como algo vivo e automutável, estando alem do bem e do mal, e que o próprio homem possa aperfeiçoar e não destruir. Tem uma citação de um antigo alquimista que bem explicita essa idéia, ele dizia “quod natura reliquit imperfectum, ars percifit” (o que a natureza deixa imperfeito, a arte aperfeiçoa) (Jung apud Beserra). O I Ching também pode ser representado neste pensamento, como Melo nos diz “O I Ching, como outros livros de tradições, afirma que se conhecermos o mundo interno, se nos harmonizarmos com o eixo interior, poderemos conhecer também o mundo, e nossas ações ganharão a simplicidade perdida no paraíso da pura inconsciência da totalidade primeira”. (Melo, 2002).
Este pensamento, no ocidente, começou no próprio seio da física, quando a física quântica começou seu trajeto pelo universo subatômico, quebrando a idéia de separação entre observador e observado, entre sujeito e objeto, descobrindo a impossibilidade de estar fora do fenômeno que se observa, agora estaríamos invariavelmente modificando aquilo que vivenciamos. Com a física quântica a própria “noção de substancia dissolveu-se em probabilidades e ‘tendências para existir’” (Tarnas apud Beserra) e “As conexões não locais entre partículas contradiziam a causalidade mecanicista”. (ibid).
Aparentemente este novo pensamento, onde a “profunda interconexão dos fenômenos estimulava um novo pensamento holístico sobre o mundo, com muitas implicações sociais, morais e religiosas” (ibid) trouxe de volta antigos conceitos e formulas de antigas filosofias, antigos modos de vida, mas de uma maneira nova, original. Exemplos desse pensamento que vão tentar a interconexão entre ser e natureza, ser e sociedade, podemos citar a idéia do inconsciente coletivo de Jung e a idéia de orgone de Reich. A idéia do inconsciente coletivo seria que “imagens e temas mitológicos podem ser encontrados em todos os tempos e em toda parte onde os seres humanos tenham vivido, pensado e agido” (Jaffé, 1983), onde Jung deduziu a partir daí “a presença de disposições típicas do inconsciente inatas na constituição do homem” (ibid). O Inconsciente Coletivo, ou psique objetiva seria o local onde estão pensamentos compartilhados por toda humanidade, ele que “começa pela cosmogonia, herdando os problemas tradicionais implícitos nos mitos cosmogonicos. A partir do que, serve de pano-de-fundo, do universal, para o conhecimento da individualidade” (Melo, 2002). Neste pensamento não há mais a distinção nítida entre psique e realidade com a descoberta de Jung dos arquétipos psicoides. A natureza, o cosmos “a partir” do inconsciente coletivo volta a ser como eram para Platão “um organismo vivo, inteligente, dotado de intencionalidade e movimentos próprios” (Gorresio,?).
Também Reich passou a reintegrar o individuo as suas relações com a natureza, sociedade e cosmos, ligando-os através de uma energia que ele chamou de orgone, descoberta através de estudos nomotéticos. Essa energia era regulada não so no individuo, que se a prendesse em demasia em seu corpo geraria uma serie de patologias (ainda na idéia recalcamento freudiano, mas agora um recalque que atingiria o corpo, na sua unidade psicofísica)mas também é regulada através das relações do individuo com seu meio ambiente, já que, alguns tipos de poluição e degradação ambiental poderiam modificar essa energia tornando-a destrutiva, o que Reich chamou de DOR (dedly orgone). Reich assumiu outra postura diante do recalque divergente da de Freud, pois Reich acreditava que o individuo tinha que eliminar seus recalques, que criavam couraças no seu corpo que impediam o livro fluxo de energia tornando os indivíduos apáticos. Reich ressalta então a necessidade de livro fluxo “O abraço natural pleno assemelha-se a uma escalada; ele não se distingue essencialmente de qualquer atividade vital, importante ou não. Viver na plenitude é se abandonar ao que se faz. Pouco importa que se trabalhe, que se fale com amigos, que se eduque uma criança, que se escute uma conversa, que se pinte um quadro, que se faça isso ou aquilo”. (Reich apud Albertini).
Reich falava de uma autogestão biofísica positiva que o individuo chegaria caso não ficasse preso aos valores ideológicos que tencionavam deixar os indivíduos apáticos e imóveis para lutar por suas causas, sejam sociais, pedagógicas ou ecológicas, conforme diz Reich falando da peste emocional que assola a humanidade nos dias de hoje “um homem que atravessa a vida com as muletas da peste emocional quando as expressões auto-reguladoras naturais da vida são suprimidas desde o nascimento. A pessoa que sofre de peste emocional coxeia caracteriologicamente. A peste emocional é uma biopatia crônica do organismo.”(Reich, 1945). Diferente de Freud, Reich enfatiza o caráter social de algumas biopatias, como a peste emocional citada novamente sendo “uma doença endêmica, como a esquizofrenia e o câncer, com uma diferença notável: manifesta-se essencialmente na vida social”. (ibid). Como diria Volpi “nos somos da natureza e a natureza”. (Volpi).
“Reich (1975), também foi um dos precursores dos movimentos ecológicos em sua época e o primeiro psicólogo a estudar o comportamento do homem e da natureza, tanto no micro quanto no macrocosmos, buscando sempre compreender o modo como o homem esta enraizado na natureza e sua relação com a mesma. Essa forma de pensar fez com que ele se tornasse um serio critico do pensamento cartesiano e postulasse uma forma de pensar que fosse funcional, onde o homem, com seu comportamento, inteligência e emoção, fosse considerado parte da natureza e, portanto, não poderia ser estudado fora dela, da mesma forma que a natureza não deveria ser pensada sem a presença do homem. Um, interfere no movimento energético do outro.” (Volpi).
Como os românticos, existe uma volta a antiga idéia que “valorizava o Homem mais por suas aspirações criativas e espirituais, por sua profundidade emocional, por sua criatividade artística e pela força de expressão e criação individualizada”. (ibid). O objetivo “do movimento romântico foi por em evidencia o Organismo total da Natureza, no seio do qual se desenvolvem o homem e todos os organismos particulares, como revelação do Uno, em sua multiplicidade” (ibid).
A ecologia profunda, associada a essa nova visão seria “Em última análise, a percepção da ecologia profunda é percepção espiritual ou religiosa. Quando a concepção de espírito humano é entendida como o modo de consciência no qual o indivíduo tem uma sensação de pertinência, de conexidade, com o cosmos como um todo, torna-se claro que a percepção ecológica é espiritual na sua essência mais profunda”. (Capra, 1996). Ela questiona todo esse paradigma com base numa perspectiva ecológica: a partir da perspectiva de nossos relacionamentos uns com os outros, com as gerações futuras e com a teia da vida da qual somos parte”. (ibid).
Dessa forma a ecologia se associa não só a um modo de comportamento que tenha fins ambientais diversos, mas um novo modo de existência, de relação, integrado ao cosmos, ao contrario do modo de existência atomista e dissociado das relações ecológicas e sociais.
Um exemplo desse pensamento, da psicologia analítica, e da natureza viva e simbólica, seria dado por Franz “Se alguém sonha com enchente, pode-se inicialmente concluir que Deus está zangado [o paralelo aqui é com o Dilúvio bíblico], mas o que isso significa em termos psicológicos? O que acontece se alguém sonha que Deus está zangado? Primeiro, à imagem de Deus denominamos Si-mesmo. Eu diria que todo o inconsciente coletivo está agitado, que há desarmonia no comportamento consciente do coletivo e que o inconsciente está pensando em destruição. Essa é a nossa situação agora. O inconsciente brinca com a idéia de destruir-nos, e é por isso que, por exemplo, quando analisamos muitas pessoas, entramos em contato com uma quantidade enorme de sonhos terrivelmente destrutivos, de explosões de bombas atômicas e do fim do mundo”. (Franz apud Manfredi).
“Precisamos levar esses sonhos a sério, pois eles podem ser proféticos e significar que o fim está próximo; ou, pelo menos, se conseguirmos escapar mais uma vez, eles então poderiam significar que o inconsciente coletivo foi tão maltratado por nossa incompreensão que se rebelou contra nós, contra o coletivo. Como ninguém dá atenção ao inconsciente, ele se irrita. Essa é a ira de Deus, a ira que provocou o dilúvio, porque o povo judeu não guardou seus mandamentos. Traduzindo essa idéia em linguagem moderna, isso significa que os judeus não acompanharam as tendências significativas do inconsciente; eles não seguiram as energias do inconsciente coletivo. Eles pecaram contra o inconsciente, e por isso foram por ele inundados. Se você peca contra o inconsciente, ele se apossa de você. Sonhar com uma inundação significa que a pessoa cairá numa depressão ou ficará desorientada, significa um afogamento - ou ainda, que ficará possuída, que sofrerá uma obsessão ideológica, por exemplo, um” ismo". Isso também é um afogamento. Khomeini era um homem afogado, um homem com a cabeça debaixo da água.” (ibid).
O pensamento religioso (religare, que religa) o homem a seu cosmos, poderia então religar o ser humano a sua harmonia perdida, harmonia perdida esta que é muito bem observada nos mitos cosmogonicos de quase todas religiões, Jung acreditava que o “mito abordaria questões estruturais da humanidade, mas revela determinado mitologema, de estruturas repetitivas (mitemas).” (Melo, 2002). A natureza, portanto estaria no famoso “eterno retorno” nietzscheano, ou no tempo cíclico de Godell. A volta dos mitos tem seu significado e sentido, “por estar próxima da natureza (...) o significado dos mitos do homem primitivo dá-lhe um sentimento de segurança. Tudo o que faz, tudo o que experimenta, liga-se intimamente ao cosmo, as estrelas e ao vento, aos animais sagrados e aos deuses.” (Jaffé apud Melo 2, 2002).


4 – A Guisa de Conclusão

Observamos, que a volta da espiritualidade e da inserção do individuo num mundo vivo e com sentido, através da ciência, da psicologia e da filosofia, seja na física quântica, seja na psicologia analítica, ou, seja através da ecologia profunda, pode trazer um novo modo de observar e se relacionar com o mundo. A volta dessa espiritualidade, dos mitos e da ligação ser-cosmos vem sendo feita através de uma contextualização com nossa época e nosso conhecimento, de modo a não ignorar tudo que foi construído pela ciência clássica e pelos filósofos ocidentais.
A ciência empírica perde apenas sua concepção absoluta e dogmática, mas não sua validade, a ciência passa a ser “um saber e não o saber” (Melo apud Beserra, 2005). No nosso mundo de tanta destruição, guerras, desastres ambientais pela falta de ética de grandes empresas, ordenadas pelo jogo do capital vemos ainda uma luz, uma possibilidade de mudança, e é nesta luz que acreditamos poder nos apoiar para modificar a degradação de um pensamento já “superado” ou alienante que, parece nos levar cada vez mais para a beira do suicídio. Façamos observar também o surgimento da ecopsicologia, através do questionamento “Podemos afirmar que há uma crise ecologica, social e psicológica assolando nosso planeta e a inabilidade de nossa cultura para lidar com isso, faz com que grandes estudiosos busquem respostas para questões como: o que fazer para termos um planeta saudável? É a partir desses questionamentos que Theodore Roszak (2001) aponta a necessidade da criação de uma nova psicologia, cosmologia e ecologia. Sugeriu, então, o nome de ecopsicologia, uma disciplina que integra ecologia, psicologia e outras ciências.” (Volpi).
Pensamos hoje, como exposto, que necessitamos de uma interdisciplinaridade não unicamente acadêmica-ocidental e que não se prenda as ideologias dominantes, que não seja unilateral, que possa ver as necessidades de modificação sociológica, psicológica, e filosófica no pensamento vigente para que possamos pensar num mundo que ainda vá viver por mais de algumas décadas, destruído pelos próprios humanos, lembrando que nossa própria psique dominada pelo fundamentalismo, pelo radicalismo, pode se materializar em catástrofes naturais, em guerras, em desgraça. “Morin, vê o homem como um ser complexo em seus pensamentos e atos e diz que é preciso compreendermos a complexidade humana. Afirma que o homem é produto da dialógica entre a sapiência e a demência e que é necessário ‘abandonar o humanismo que faz do homem o único sujeito do universo de objetos e que tem como ideal a conquista do mundo’”. (Morin apud Volpi).
Só nos resta dizer que, através do estudo de sistemas complexos de relações, que se faz necessária a mudança dos diversos setores da ciência, economia, sociais, psíquicos, ecológicos, biológicos, e de inter-relação entre os próprios seres humanos, onde “O sujeito, ao romper com a repetição inerente aos complexos infantis, ruma para o livre arbítrio” (Melo, 2002 B) se quisermos mudar esse rumo do planeta que, para alguns, parece inevitavelmente rumar ao apocalipse, se não do planeta como um todo, ao menos da vida humana.


¹ - Não foi possível conhecer a data do original de Woodcock, já que o próprio livro não informa.

Bibliografia:

1 – Elizabeth C. Melo (2002) Origem e Totalidade.
2 – Elizabeth C. Melo (2002) Mergulhando Num Mar Sem Fundo ( 2 ).
3 – Richard Tarnas (1991) A Epopéia do Pensamento Ocidental.
4 – George Woodcock, (2002) Historia das Idéias e Movimentos Anarquistas.
5 – Sigmund Freud, (1930) O Mal-Estar na Civilização.
6 – Álvaro Cabral e Eva Nick (2001) Dicionário Técnico de Psicologia. .
7 – Carl Gustav Jung, (1964). O Homem e Seus Símbolos.
8 – Frijof Capra (1996), A Teia da Vida; http://www.humanas.unisinos.br/professores/hbenno/ecolprof.htm
9 – Aniele Jaffe (1983), O Mito do Significado.
10 – Wilhelm Reich (1945), Analise do Caráter, capitulo XVI – A peste emocional.


Artigos e Textos:

1 – Zilda Marengo Piacenti Gorresio (?) A Concepção de Psyche em Jung e no Romantismo Alemão
2 – Fernando Rocha Beserra (2005) Epistemologia e Jung.
3 – Paulo Albertini, Reich e a Possibilidade do Bem-Estar na Cultura.
4 – Lucio Manfredi, http://malprg.blogs.com/francoatirador/2005/01/ ,
5 – Jose Henrique Volpi, Psicoecologia Reichiana: Das Origens Biológicas da Solidariedade a Desertificação Humana e Ambiental. (http://www.centroreichiano.com.br/artigos/anais/Jose%20Henrique%20Volpi.pdf)

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