sexta-feira, novembro 04, 2005

Surrealismo e Histeria (André Breton e Louis Aragon)

Nos, surrealistas, consideramos que cumpre-se celebrar aqui o cinqüentenário da histeria, a maior descoberta poética do fim do século XIX, e isto no mesmo momento em que o desmembramento da histeria parece fato consumado. Nos que tanto amamos essas jovens histéricas – cujo tipo perfeito nos é dado pelo caso da deliciosa X.L. (Augustine) que deu entrada na Salpetriere no serviço do dr.Charcot no dia 21 de outubro de 1875, aos 15 anos e meio -, como não seriamos tocados pela laboriosa refutação de distúrbios orgânicos no processo contra a histeria que será perpetrado para sempre pelo olhar único dos médicos? Que pena! M.Babinsky, o homem mais inteligente que abordou a questão, ousava publicar em 1913: “Quando uma emoção sincera e profunda sacode a alma humana, não há mais lugar para a histeria.” Eis ainda o que de melhor nos ensinaram. Freud, que tanto deve a Charcot, lembra-se do tempo em que, pelo testemunho das sobreviventes, os residentes de Salpetriere confundiam seu dever profissional com o prazer do amor, quando ao cair da noite as doentes os encontravam la fora ou os recebiam em seus leitos? Eles repertoriavam em seguida pacientemente, em nome da causa medica, que não se defende, as atitudes passionais tidas por patologias que lhes eram, e ainda o são, humanamente tão preciosas? Após 50 anos a Escola de Nancy esta morta? Se ainda vive, o dr. Luys esqueceu-a? Mas onde se encontra os casos descritos por Néri sobre os tremores de terra de Messine? Onde estão os zuavos torpediados pelo Raymond Roussel da ciência, Clovis Vincent?

Diversas definições da histeria foram dadas ate hoje: divina na Antiguidade, infernal na idade media (dos possuídos de Loudun aos flagelados N.-D. des Pleurs, viva Madame Chantelouve!), definições míticas, eróticas ou simplesmente líricas, definições sociais, definições cientificas. É fácil opor a tais definições essa “doença complexa e proteiforme chamada de histeria que escapa a qualquer definição” (Bernheim). Os espectadores do belíssimo filme A feitiçaria através dos tempos recordam certamente terem encontra na tela ou na sala ensinamentos mais vivos do que os dos livros de Hipocrates e de Platão, onde o utero pula como uma cabrita; de Galeno, que imobiliza a cabre; de Fernel, que recoloca em cena no século XVI e se sente sob sua mão andar até o estomago. Eles viram os chifres do animal crescerem, crescerem ate tornarem-se os chifres do diabo. De sua parte o diabo faltou. As hipóteses positivistas dividem entre si sua herança. A crise histérica toma forma independente da própria histeria, com sua aura soberba, suas quatro fases – sendo que a terceira nos retem por seus mais expressivos e mais puros quadros vivos- e sua simplíssima resolução na vida normal. A histeria, clássica em 1906, perde suas características: “A histeria é um estado patológico que se manifesta por distúrbios passiveis de serem reproduzidos por sugestão em alguns sujeitos com perfeita exatidão e que são sucetiveis de desaparecer so pela influencia da persuasão (contra-sugestao)” (Babinski).

Verificamos nessa definição apenas um momento do devir da histeria. O movimento dialético que a fez nascer segue seu curso. Dez anos mais tarde, sob o deplorável disfarce do pitiatismo, a histeria tende a retomar seus direitos. O medico se espanta. Ele quer negar o que não lhe pertence.

Propomos, portanto, em 1928 uma nova definição da histeria: “A histeria é um estado mental mais ou menos irredutivel que se caracteriza pela subversão das relações que se estabelecem entre o sujeito e o mundo moral ao qual ele acredita em termos práticos pertencer independente de todo sistema delirante. Esse estado mental é fundado na necessidade de uma sedução recíproca, que explica os milagres apressadamente aceitos pela sugestão (ou contra-sugestao) medica. A histeria não é um fenômeno patológico e pode, de todo modo, ser considerada como um meio supremo de expressão”.

livro: A liçao de Charcot

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