quarta-feira, março 29, 2006

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O Retorno.

A baioneta antiga dispara o tiro para o alto, anunciando no asfalto a chegado do meu eu. Todos escrutam as exigências que dizem para não ver-me, pois seria isso uma afronta a coroa. Mas, o povo valente e destemido, ardente de ungido brado, me vê passar pelo asfalto. Sagrado, me torno, pois a multidão de eus não friccionados se aglomera pelo aglomerado e em poucos segundos me torna: O rei do majestoso arado.

Fricciono então a terra com minha reles mão, segurando tão majestoso arado. Sinto um sentimento ecumênico e outro de tal sorte iluminado. Sim, bem sabia, que teria que arcar com as conseqüências de arar em terras de reis malditos ou de malditos reis. Mas, se meu povo que sou me unge com tamanha gloria, poderia eu, ignorar-lhe a historia? Não, já estava traçado, desde tempos sagrados, imemoriais e de propriedades tais, que devo eu seguir e ainda me redimir de todos os erros ou de todo algo errado que possa eu, ter cometido no passado.

Levanto a mão e aro, enfrento e abalo os portais já tão bem trancados que jamais alguém imaginaria que seria de tal forma, e por tão medíocre ser, desafiados. Quanta incontinência nessa diatribe que fura de lado a lado, e de extremo a extremo, o mais pesado dos metais e o mais fechado dos portais. Quão tolo não seria o mortal que um dia tornaria concreto tal pecado. Só poderia ser um suicida atormentado – dizia o vizinho escandalizado -. Mas o que fazer se o destino – e somente ele – me leva a não ser a escolha do real? Precisava derrubar as portas deste umbral e entortar as cordas desse violino cego. Pois sua autoridade a muito já desfalecera por teu próprio fraco ego, que só sabe dar ordens e ordenar sórdidos castigos sazonais, que temperam o povo de terror.

O estranho desfecho parecia já fora tomado, no alto do céu, onde ninguém tem controle sobre o que se passa ao seu lado. Se a povo em êxtase, reuniu-se e despiu-se, de seu corpo já marcado por marcas de gado, e gritou sobre o asfalto, onde outrora era celebrado o assassinato, palavras de ordens tais que impossível seria dizer algo mais, sobre a liberdade e a virtude de ser totalmente livre, só temos a gloriar o estribe, que nos faz subir ao céu.. Agora sim, diziam todos os eus não sintetizados em um só, estamos plenamente de acordo com sermos você.

sexta-feira, março 24, 2006




Desenhos e Ideologias.

Escolhido: Turma do Bairro;
Analise do desenho + capitulo do Robin Hood.

A priori, comecemos observando as bizarridades desse desenho. Seus personagens não possuem nome próprio, uma resultante da perca de identidade, o desenho nos parece um campo de produção em serie, aos moldes tayloristas onde os personagens se chamam: 1, 2, 3, 4 e 5. O desenho passa uma luta entre as crianças e os adultos e, supõe posicionar-se ao lado das crianças, contudo, o que se vê é justamente o oposto. As crianças no desenho não passam de uma serie de adultos, da pior espécie, tenha-se dito.

Possuem um modelo de organização para enfrentar os adultos que nos lembra a teoria de Weber da burocracia. Burocracia essa, que nos faz lembrar as origens etimológicas da palavra, no francês a palavra alcança mais perto o significado originário: bureau que significa escritório é justamente o nosso buro e cracia vem de cratos que significa governo, ou seja, burocracia é o governo do escritório. De fato, é o que acontece no desenho, um governo do escritório pseudo infantil que luta contra o mal de outras crianças e dos adultos.

O desenho possui um líder, obviamente, o numero 1, que se destaca por sua qualidades grosseiras de lideranças respaldado pelas debilidades dos outros números que servem-no de seus apoios. A máxima que se passa é “um bom líder precisa de bons companheiros, todos são importantes”, essa falácia é que crê poder moldar nossas crianças com valores extremamente verticais, pois quem mais vale é quem toma as decisões.

Caminhando em direção a um capitulo do desenho propriamente dito só temos a piorar ainda mais a possível analise da desgraça. O capitulo assistido se passa com o adulto e inimigo Robin Hood que tem uma imagem terrível e lidera seu bando de crápulas que roubam a comida do numero 1 e sua namorada e ainda sacaneiam a namorado do numero 1. Ainda teríamos a chance de crer que o desenho poderia melhorar e mostrar que Robin Hood roubava para os pobres, mas é esse o caso em um desenho altamente autoritário? Obviamente que não. Robin Hood, o defensor dos pobres, se torna no desenho em um ladrão e crápula que seria um mestre de cozinha de um asilo de idosos que estão totalmente insatisfeitos com ele, pois Robin levaria para eles comida de criança (sorvete, batatas fritas, sanduíches, etc.) enquanto os idosos almejavam comer comidas que não lhes fizessem mal como fígado, etc.

Bem, minha analise termina por aqui, agora façam as suas analises sobre essa imagem que o desenho passa de Robin Hood que é no mínimo tendenciosa. Qual sua intenção? Essa é uma pergunta que fica, apesar das respostas parecerem obvias.

sábado, março 18, 2006

Da Origem: Muita Luz e da Origem: Formiga Psicoide.



Da Origem: Muita Luz e da Origem: Formiga Psicoide.

Por que muita luz?

Deus disse: “Fiat Lux” e fez-se a luz, em suas primeiras palavras (no gênese). A luz é essa epigênese da consciência, ou a consciência por ela mesma, a sabedoria e o conhecimento. A luz é sempre o resultado de transformações radicais, pois ela surge de bifurcações¹ do caos, como a explosão causada pela flutuação do pré-universo e então sua explosão, o big bang, sua luz.

O próprio nome de Júpiter, que na mitologia grega era Zeus, provem da luz. Júpiter, o “pai dos deuses romanos” contém em sua palavra, a partícula Jou que provem do sânscrito dew que significa luz, brilho e claridade. Piter, presente em Júpiter é a formula antiga de pater, pai. Júpiter, o pai da luz. Da raiz sânscrita dyew proveio Deus e dia. Na verdade, segundo Boff, dar um bom dia para alguém, significa desejar-lhe um bom deus e muita luz em seu caminho.

De fato, a luz especialmente é utilizada como surgir da consciência, a conscientização de conteúdos obscuros do inconsciente ou a criação do conhecimento. Um exemplo disso observa-se no gênese onde Lúcifer, significa “aquele que traz a luz”. Ou ainda, podemos ver o titan Prometeu que rouba o fogo dos céus para dar aos homens. Rouba o conhecimento, rouba a sapiência e depois, bom ressaltar, ganha de punição a eternidade de ser dilacerado (ate que essa punição um dia se desfaz).

A luz também esta relacionada a muitas cosmogonias, justamente no sentido aqui exposto. Na cosmogonia babilônica, por exemplo, o fogo é, ao mesmo tempo, aquilo que traz luz e o que destrói. O herói Marduk traz o fogo auxiliado pelo deus do fogo, Gibil, contudo, existe ainda um outro deus do fogo, a saber, Quingu, que mostra também a ainda não dita, dualidade do fogo e da luz.

O fogo que traz a luz associa-se assim ao sol, a fogueira. Isso nos lembra Heráclito e um principio masculino, o do corte, da castração. No Egito um dos primeiros deuses criados é Rá ou Atum – o sol, principio consciente que simboliza a “luz eterna” (Melo, 2002b).

O fogo pode ser considerado “símbolo da força e da criatividade da emoção dos pais primordiais. Ele cumpre o papel de reeditar a importância da ruptura, ou ‘traição’ do pai para o surgimento do novo, tal como aparece em Gegeb/Seb no Egito, com Prometeu na Grécia, com Adão ao comer a arvore central, ou o mito dos Karajás do desejo do conhecimento, e na cosmogonia babilônica que atrapalha o sono da quietude primeira”. (ibid).

Citamos Sheldrake apud Melo (ibid): “todas as coisas iluminadas pelo Sol podem, em algum sentido, ser vistas por ele. Em muitas culturas, dá-se ao Sol o nome de olho. Na Malásia, por exemplo, a palavra que indica Sol é mata hari, o ‘olho do dia’. No grande Selo dos Estados Unidos, que se vê em cada nota de dólar, há um símbolo egípcio do Olho de Hórus – o olho radiante, o Sol -, um olho que vê e, ao mesmo tempo, um emissor de luz”.

A luz também esteve sempre relacionada a física, onde “De um modo geral toda revolução de cem anos da física passa pela questão da luz” (Novello apud Melo). Segundo Melo, “Etimologicamente falando, luz deriva de uma raiz que se relaciona com o ‘oculto, envolto, silencioso e secreto’ (Genon, 1958: 48), o céu também possui o mesmo significado, é ‘coelum’/’caelare’ cujo sentido é ‘esconder’, paralelo ao termo sânscrito ‘Var’ que significa ‘cobrir’ (ibid). Esse oculto tem sentido duplo de cobrir e assim ocultar mas possuir centro que é luz. É, porem, oculto para os sentidos, isto é, o domínio do supresensivel (ibid: 49)” (Melo, 2002b).

Voltando a física, só para contextualizá-los, podemos notar que “todas as rupturas cruciais na física apareceram trazidas pela Luz: incialmente com Maxwell, depois com Einstein, a terceira ruptura foi com a física quântica e a quarta e ultima com a cosmologia” (ibid).


A Formiga Psicoide.

A formiga, por toda sua obra e construção, é muito lembrada por seu trabalho, por sua razão, diria mesmo que a formiga, em duas de suas possíveis simbolizações, poderia ser representada pelo trabalho e pela razão.

A razão, contudo, neste contexto admitido, deixa de ser vista como algo que se refere puramente à lógica, a matemática e adquire outras formas, pluri-razão, poder-se-ia dizer. Em especial por ela admitir seu caráter psicoide, ou seja, em uma ligação intrínseca com o cósmico, com o que ultrapassa e perpassa os limites do mundo, do ser, e das estrelas.
É basicamente isso, abraços amiguitos. =)

Referências:

Melo, 2002A, Mergulhando no mar sem fundo.
Melo, 2002B, Origem e Totalidade.
Boff, 1999, Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra.



¹ - “Esse conceito da física foi explorado por Prigogine e Stengers (op. cit.). Todo sistema instável produz uma flutuação em algum momento, cuja ampliação atingirá um limite (ciclo limite), dependendo da natureza da flutuação que vier desestabilizar o sistema instável, pode se amplificar até realizar um dos estados macroscópicos possíveis. Esse seria um elemento de incerteza. Não se trata de uma subjetividade qualquer, mas de uma atividade intrínseca do sistema que escapa do controle. Bifurcação seria o “ponto critico a partir do qual um novo estado se torna possível” (ibid). Bifurcações são modelos para as “transformações radicais do comportamento” (Sheldrake in: Asbraham et alii, 1944: 52), como os atratores estranhos são modelos para o comportamento caótico (ibid, 51-51). Para Abraham (ibid: 60), a teoria da bifurcação mostra que as transformações são abruptas, sendo modelos de emergência da forma, transformações, seja para revolução neolítica, ou formações do sistema solar. Essas “bifurcações” também podem ser observadas a partir de manifestações aos efeitos incontroláveis do psíquico – como desenvolve em seu livro “A Natureza da Psique” (Heisenberg apud Jung, 1984b), estando elas relacionando, segundo Boechat.”. (Melo, Margulhando no mar sem fundo, 2002).

sexta-feira, março 17, 2006

Fernando Pessoas



Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou variavelmente outro do que um eu que não sei se existe (se é esse outros).
Sinto crenças que não tenho. Elevam-me ânsias que repudio. A minha perpetua atenção sobre mim perpetuamente me ponta traições de alma a um caráter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas em uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente arvore (?) e até flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada (?), por uma soma de não eus sintetizados num eu postiço.
Sê plural como o universo!

Fernando Pessoa (Obras em Prosa).

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Contemplo o que não vejo

Contemplo o que não vejo.
É tarde, é quase escuro.
E quanto em mim desejo
Está parado ante o muro.

Por cima o céu é grande;
Sinto árvores além;
Embora o vento abrande,
Há folhas em vaivém.
Tudo é do outro lado,
No que há e no que penso.
Nem há ramo agitado
Que o céu não seja imenso.

Confunde-se o que existe
Com o que durmo e sou.
Não sinto, não sou triste.
Mas triste é o que estou.

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Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo.
Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir?
Sinta quem lê!


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Outros terão

Outros terão
Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
A inteira, negra e fria solidão
Está comigo.
A outros talvez
Há alguma coisa quente, igual, afim
No mundo real.
Não chega nunca a vez
Para mim.

"Que importa?"
Digo, mas só Deus sabe que o não creio.
Nem um casual mendigo à minha porta
Sentar-se veio.

"Quem tem de ser?"
Não sofre menos quem o reconhece.
Sofre quem finge desprezar sofrer
Pois não esquece.

Isto até quando?
Só tenho por consolação
Que os olhos se me vão acostumando
À escuridão.

terça-feira, março 14, 2006

O Cuidado

Traduçao livre de Leonardo Boff do mito do Cuidado, extraido de seu livro "Saber cuidar: etica do humano - compaixao pela terra" .. tem tambem o mito em latin, se alguem quiser eu boto ai...O mito é do "escravo"(depois liberto) Gaius Julius Hyginus, conhecido tambem como Higinio.

“Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma idéia inspirada. Tomou um pouco de barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter.

Cuidado pediu que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado.
Quando, porem, Cuidado quis dar um nome a criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome.

Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra. Quis também ela conferir o seu nome a criatura, pois fora feita de berro, material do corpo da Terra. Originou-se então uma discussão generalizada.

De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como arbitro. Este tomou a seguinte decisão que pareceu justa:

“Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta esse espírito por ocasião da morte dessa criatura.

Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer.

Mas como você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver.

E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de homús, que significa terra fértil.”


Informaçoes extra: Saturno na mitologia grega foi Chronos. Jupiter foi Zeus.

segunda-feira, março 13, 2006



Anarquismo e religião

O anarquismo, em seu período mais turbulento e ativo, no final do século XIX e inicio do século XX, levou uma critica importante contra as instituições religiosas ocidentais, as relações entre as pessoas e Deus – Deus, segundo a teoria crista, bom ressaltar -, e ao próprio conceito de Deus. Cabe a nos, em pleno século XXI, escutar essa critica de maneira a observar de que modo ela esta ligada a seu próprio tempo, suas intenções, sua validade na sua época especifica e nos nossos tempos.

De fato, desde aquele período, o cristianismo em termos de poder, decresceu, contudo, ainda vive com uma força absurda em nossa sociedade ocidental (cristianismo aqui entendido como a parte institucionalizada do mesmo). Ainda é constante vermos a antiga atitude de lidar com Deus de uma maneira passiva, de modo a projetar toda as causas de benefícios e malefícios acontecidos em suas mãos, renegando inclusive nossa própria responsabilidade nas mãos dos desígnios divinos, um exemplo clássico seriam as frases: “Por que Deus esta me punindo?” ou “Por que Deus quis assim?”. Sartre, por exemplo, chamava essa atitude de não assumir as responsabilidades por nossas ações de má fé. Se considerarmos que os desígnios divinos eram as interpretações do poder eclesiástico sobre a bíblia, poderemos compreender melhor a insubmissão anarquista, já que, de maneira nítida, o poder clerical estava intimamente ligado ao poder político e hierárquico da sociedade da época.

Se a critica anarquista atentou, em sua observação, para o modo em que a religião usurpava o poder popular e reprimia as revoltas, autonomias e insatisfações, temos que observar que em muitos casos existiram religiosos que tiveram outra relação, tanto com Deus, quanto com a sociedade, de maneira a não propagar a onda hierárquica e totalitária. O próprio Kropotkin, anarquista que reverenciou a ciência clássica, fez suas observações sobre alguns desses religiosos, quando diz:

“Na Boêmia teve o nome de movimento hussita; e de anabatista, na Alemanha, na Suíça e nos Países Baixos. Pode-se afirmar que estes movimentos, além de constituírem uma revolta contra o senhor, tinham uma outra característica: a revolta completa contra o Estado e contra a Igreja, contra o direito romano e contra o direito canônico, em nome do cristianismo primitivo”¹.

Estes movimentos tiveram origem de movimentos gnósticos antiautoritários (contemporâneo do cristianismo que teve seu “auge” por volta do séc II d.C) que podem ser inclusive, segundo uma interpretação, um proto-anarquismo. A critica dos anarquistas aos religiosos estava calcada, sobretudo, sob a égide do movimento positivista e de tal forma esteve incluída em seu tempo que não observou as alternativas que a própria religião demonstrou durante toda sua existência. Desde as palavras de Jesus, contidas em Salmo: “Sois deuses” como as palavras de São Paulo onde diz que: “a graça eleva o homem acima das leis deste mundo”², poderiam e levaram a interpretações contra as autoridades ctônicas tais como os governantes, o estado e as leis constituídas. Os anarquistas em seu contexto não observaram as possibilidades também revolucionarias (apesar de trabalhar mais com a subjetividade, ou com aspectos ontológicos) dos movimentos religiosos, místicos ou congêneres.

O gnosticismo valeriano, por exemplo, tinha um sistema de crenças que tentava romper com o que eles chamaram de estado de sistase. A sistase seria um limitador da nossa potencialidade divina (do espírito, das partículas divinas, ou atmás) que foi presa pelo Demiurgo, um anjo ou deus criado em todo processo ocorrido na queda de Sofia (outra divindade gnóstica) e que sem o saber inibia o ser humano ao contato com o pleroma, a realidade verdadeira, para os gnósticos (encontrada na câmera nupcial, que pode ser mais bem descrita pelo evangelho de Felipe); inibia, sobretudo, o ser humano de entrar em contato com suas forças originarias, deixando-o preso então no kerona (do gr. kenósis- esvaziamento). Essa singularidade oculta era protegida por sete arcontes, demônios de demiurgo e eram materializados nas figuras dos governantes. Esse jogo de deuses e demônios eram, em maior parte, para o gnosticismo, símbolos ou alegorias.

Cabe a nos, hoje, tentar permitir essa liberdade de crença de modo a não criar um dogma ateu que arbitrariamente limite a crença dos indivíduos. Sem deixar de observar, contudo, as criticas anarquista as instituições verticais, tais como a igreja, que todo o momento tenta servir de mediador entre a população e a divindade forjando uma única interpretação de todas as escrituras consideradas como sagradas, alienando a população, dessa forma, de sua autonomia. Como diz Kropotkin sobre Denck (anabatista):

“...quando perguntaram a Denck, um dos filósofos do movimento anabatista, se reconhecia a autoridade da Bíblia, ele respondeu que somente a regra de conduta que um indivíduo encontra, para si, nessa mesma Bíblia, é que constitui a obrigação da sua consciência.”

A existência de religiões que, não só não renegam, como apóiam um modo de ser autônomo e uma sociedade que busque tal autonomia antiestatal, mostram a pluralidade de intenções dentro do mundo religioso, desde as mais dominadoras ate as mais libertarias. Dever-se-ia, portanto, creditar esta liberdade de crença e em especial, compreender que não existe ligação intrínseca entre autoritarismo, centralismo e religião ou mística.

¹ - http://www.magianarq.blogspot.com/#_ftn2

² - op.cit.

sexta-feira, março 10, 2006


O Bolso.

Um bolso fundo segurava aquela que não poderia ficar ali. Pareciam paredes enormes, construídas para nunca deixar ela partir, mas um movimento – e apenas um movimento – poderia mudar o destino fatalista e rodar a historia. Um tropeção do dono daquele bolso – ou daquela masmorra – era o ponto nevrálgico para aquela mudança que começara a se manifestar, ao som do metal, de uma moeda, saindo da escuridão.

No inicio, ela começou a sair do mais recôndito dos bolsos, do fim da escuridão, onde nada – ou nenhuma coisa – pareciam que um dia iriam mudar, mas naquele momento nada era real, pois, tudo, havia se modificado. Um vento surgiu, de cima para baixo e depois, de baixo para cima; incrível, sentiu a moeda:

- Mas que sensação fantástica – sentia, enquanto temia aquela soberba desgraça.

Mas enquanto tudo inspirava temor, as coisas começaram a piorar ainda mais. Os sons fortes das passadas de sapatos, tênis e chinelos começaram a brotar, vozes de todos os tipos também, aquele caos começou a gerar uma fobia gigantesca na moeda. A saída do bolso parecia ser a mais dura das torturas.

- Por que meu destino deve ser esse? Que fiz eu, moeda, para que tal desgraça se assole em minha existência, que me afogue no meio desse embriagamento?

Era tarde demais, não havia volta, não havia esperança, a moeda já havia passado do ponto seguro. Ela não foi e voltou para o fundo do bolso, não, pois a “derrota”, em sua visão, já fazia parte de sua constituição; ela estava desgraçada demais para medir suas sensações. Agora já via a luz solar, algo nunca antes experenciado, terrível, diria ela, se tivesse uma boca. O calor era manifesto, o cheiro de todas as coisas, as cores de todas as coisas, o terror apoderou-se dela, pobre moeda, nunca teve a chance de escolher: ser ou não ser. Preferia ficar naquele bolso, pelo menos, era isso que sentia.

O calor a esquentava ao mesmo tempo em que aquele vento a fazia sentir calafrios, via, de forma nítida, que seu destino se aproximava. O chão. O chão lhe parecia o mais terrível dos monstros, um leviatã, afinal, não era atoa, a moeda nunca estivera naquele recinto, tal como, via-o como corpo estranho, sujo, e onde todos pisavam. Poderiam, com efeito, massacrar-lhe, destruir suas estribeiras.

Não havia alternativas. Já resignada, a moeda cai, sua face girou, uma, duas, três, quatro e finalmente cinco vezes, pelo chão, formando círculos cíclicos ate que seu movimento se acalmasse e ela caísse, com um lado para cima e o outro para baixo. Sentiu aquele bafo tremendo de uma cidade, seu brilho se ofuscou pela sombra dos pedestres, tudo parecia terrível, acabado, maldito.

Num momento, contudo, o sol atingiu-a - e da tal modo - que ela ofuscou tudo a sua volta, sua beleza radiante, dourada e reluzente acendeu-se, para todos a verem. As pessoas olharam aquela cena, meio inacreditável, meio banal, sobre o solsaio de suas carapaças, mas foi apenas um ser que ficou realmente aturdido diante daquele espetáculo. Era uma linda moça. Ela passou e pegou a moeda brilhante, a moeda, tal como a moça, se sentiu fantástica, nunca, de tal modo, fora tão valiosa. A moça a olhou e viu seu sorriso. A moça que estava muito faminta comprou um cachorro quente. De fato, ela não comia já havia dias.

Depois de tal feito, a moça e a moeda não mais existiam. Em meio a fumaça que restara no recinto espacial que outrora fora ocupado por estes dois corpos, uma luz apareceu, e dizem que hoje ambos deixaram de ser cousas para se tornarem eternidade.

quinta-feira, março 09, 2006

Poementos.




Tempos atras ou minutos em alcatraz?


Sentido

Quebra brusca sem saida,
perdida a perspectiva
tudo toma só um plano
perde-se aos poucos o tempo
toda noção de espaço
geometriza-se o embaraço
de não existir mais a vida
o sonho se torna ferida
pois não ha mais motivo


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O mundo emoçao

O vagao chegou atrasado
pela estrada de terra,
o universo ja tinha se afogado
Em um infinita cratera,
de choro.

quarta-feira, março 08, 2006

Histerie et Dementia Praecox

Transcrição da conferencia de Jung em setembro de 1913 no Congresso Psicanalítico de Munique. Pego do livro: Tipos Psicológicos; paginas: 461-464.

A Questão dos Tipos Psicológicos.

Conforme se sabe, se compararmos o aspecto geral da histeria e da dementia praecox (esquizofrenia), saltará aos olhos o contraste de seu relacionamento com o objeto. A histeria tem, normalmente, uma intensidade de relacionamento com o objeto que ultrapassa o normal, enquanto na esquizofrenia o nível normal não é alcançado. No relacionamento pessoal isto se nota pelo fato de se ter, no caso de histeria, uma comunicação a nível do sentimento com o paciente, não ocorrendo o mesmo na esquizofrenia. Não se falará aqui das exceções a esta regra. Também se constata a diferença nas demais sintomatologias das duas doenças. No que se refere aos sintomas intelectuais da histeria, trata-se de imagens fantasiosas, que são humanamente compreensíveis, do histórico anterior do caso individual; na esquizofrenia, porem, as imagens fantasiosas tem um caráter mais relacionado com sonhos do que com a psicologia do estado de vigília. Alem disso, é evidente forte interferência da psicologia da historia dos povos ao invés do material das reminiscências individuais. Os sintomas físicos tão numerosos na histeria, que simulam quadros de doenças orgânicas bem conhecidas e impressionantes, não se encontra no quadro clinico da esquizofrenia. Disso é fácil concluir que a historia se caracteriza por um movimento centrífugo da libido, ao passo que na esquizofrenia o movimento é mais centrípeto. Inversamente, a influencia compensadora da doença constatada na histeria obriga a uma redução do movimento centrípeto da libido, substituindo a vivencia objetiva por sonhar acordado, ficar de cama, internação em sanatório etc. Na fase de incubação, o esquizofrênico que se fechou em si mesmo e se isolou do mundo externo torna-se forte, através da compensação na doença, e é forçado a sair de si procurando atrair a atenção dos outros, por meio de um comportamento intencionalmente extravagante, insuportável e diretamente agressivo.
Chamei extroversão e introversão essas duas direções opostas da libido. Nos casos mórbidos em que idéias delirantes, inspiradas na emotividade, ficções ou interpretações fantásticas adulteram no paciente o juízo de valor sobre os objetos e sobre si mesmo, gostaria de acrescentar o termo regressivo. Falamos de extroversão sempre que o indivíduo volta seu interesse todo para o mundo externo, para o objeto, e lhe confere importância e valor extraordinários. No caso contrario, quando o mundo objetivo fica praticamente na sombra, e pouca atenção recebe, mas o homem se torna o centro de seu próprio interesse e aparece como único a seus olhos, trata-se de introversão. O fenômeno que Freud chama transferência, em que o histérico projeta ilusões e avaliações subjetivas no objeto, eu o denomino extroversão regressiva. Por introversão regressiva entendo o fenômeno inverso, tal como ocorre na esquizofrenia, onde estas representações fantásticas atingem o sujeito.
Não é difícil observar como os dois movimentos da libido podem atuar num mesmo individuo, na qualidade de simples mecanismos alternativos da psique. No mecanismo histérico da extroversão, conforme ensina Freud, a personalidade procura livrar-se do conteúdo doloroso, do complexo, surgindo então fenômenos psíquicos que Freud denominou “repressão”. Nesses casos, o individuo se aferra aos objetos para esquecer e deixar para trás o conteudo doloroso. O mecanismo da introversão, ao contrario, procura concentrar a libido totalmente no complexo, libertando e isolando da realidade a personalidade juntamente com o complexo. Este processo psicológico está vinculado a fenômenos que poderíamos chamar mais apropriadamente pelo nome de “desvalorização” ao invés de “repressão”. Até aqui introversão e extroversão são dois modos psíquicos de reação que podem ser encontrados num único e mesmo individuo. O fato, porem, de dois distúrbios psíquicos tão opostos, como histeria e esquizofrenia, serem caracterizados pela predominância do mecanismo da extroversão ou da introversão, indica que provavelmente também tipos humanos normais sejam caracterizados pela prevalência de um ou outro mecanismo. Assim, por exemplo, é fato bem conhecido do psiquiatra que o esquizofrênico já vinha caracterizado pelo predomínio de seu tipo especifico, bem antes de apresentar-se a doença, e até em sua mais tenra infância.
Como diz Binet, a neurose apenas coloca em relevo excessivo os traços típicos do caráter de uma personalidade. Já sabemos de há muito que o assim chamado caráter histérico não é mero produto da neurose manifesta, mas de certa forma o precede. A mesma conclusão chegou Hoch em suas pesquisas sobre a anamnese esquizofrênica; fala de uma “shut-in-personality” (personalidade fechada em si) que é anterior ao aparecimento da doença. Nestas circunstancias, poderíamos esperar sem mais encontrar os dois tipos também fora da esfera da patologia. Sem pretensão de exaurir a serie de possíveis testemunhos da existência dos dois tipos, gostaria de trazer alguns exemplos.
Na ótica do meu limitado saber, as observações mais pertinentes sobre o assunto devemo-las a William James que parte desta idéia fundamental: “Qualquer que seja o temperamente de um filosofo profissional, ele tenta, ao filosofar, pensar o fato a partir de seu temperamento”¹. Segundo esta concepção, totalmente em consonância com a psicanálise, divide os filósofos em duas classes: “tender-minded” e “tough-minded”. O primeiro termo significa literalmente “de espírito meigo”, o outro, “de espírito inflexível”. Em tradução mais livre, poderíamos dizer “voltado para o espiritual” e “voltado para o material”. Os próprios termos já deixam prever a direção do movimento da libido. A primeira classe dirige a libido para as idéias, é sobretudo introvertida; e a outra dirige a libido para o objeto sensual, a matéria. É extroversiva. James caracteriza o “tender-minded” em primeiro lugar como racionalista “going by principles” (que se orienta por princípios). Para ele, os princípios e sistemas de pensar são determinantes; ele administra a experiência, isto é, coloca-se acima dela e a submete friamente a seus princípios, convicções e conclusões lógicas. Subordina os fatos e a multiplicidade empírica a suas premissas, estranhas ao material, sem deixar-se influenciar ou desconcertar pela experiência. Lembremos, por exemplo, Hegel e sua atitude para com a questão do numero de planetas. No campo da patologia, identificamos esse filosofo como paranóico que procura impor ao mundo sua concepção delirante, não importando que todos os fatos digam o contrario, e tudo “arranja” (Adler) de tal forma a servir a seus sistema preconcebido.
As outras características que James atribui a este tipo são lógica e facilmente deduzidas dessa premissa. O “tender-minded” é intelectual, idealista, otimista, religioso, indeterminista, monista e dogmático. Todos esses atributos deixam facilmente entrever a centralização quase exclusiva no mundo das idéias. A centralização nesse mundo ideal, como mundo interno da personalidade, nada mais é do que introversão predominante. A única função que a experiência tem para esses filósofos é a de servir ao projeto da abstração, a necessidade de colocar em ordem a multiplicidade e desorganização dos acontecimentos que, em ultima analise, devem submeter-se a fator subjetivos-ideais.
O “tough-minded”, ao contrario, é empírico, “going by facts” (orienta-se por fatos). A experiência manda nele, ele a segue e seu pensar é por ela determinado. O que não é fato palpável externamente não conta. Seu pensar é reação a experiência externa. Seus princípios são menos importantes que os fatos; são mais retrato dos acontecimentos, mais descritivos do que constitutivos de um sistema. Por isso suas teorias tendem a ser internamente contraditórias e são muitas vezes turvadas e sufocadas por material empírico em demasia. Para ele, a realidade psíquica se limita a observação e a uma reação de prazer ou desprazer; não vai alem disso, nem procura reconhecer o direito de existir ao postulado filosófico. Da mesma forma que muda a superfície do mundo empírico, o “tough-minded” está sujeito a mudança da experiência. Conhecer múltiplos aspectos e possibilidades teóricas e praticas do mundo e de suas coisas, mas, por isso mesmo, nunca chega a um sistema unificado que pudesse satisfazer ao “tender-minded”. O “tough-minded” é redutivo. Diz muito bem James: “O superior é explicado pelo inferior e sempre tratado como um caso de ‘nada mais do que’ – nada mais do que algo de espécie bem inferior”¹. Os demais atributos elencados por James seguem logicamente as premissas dadas: o “tough-minded” é sensacionalista: dá mais espaço a sensação do que a reflexão. É materialista-pessimista: conhece bem demais a incerteza e o caso desesperançado dos acontecimentos mundiais. É irreligioso: não está em condições de sustentar a realidade do mundo psíquico interno em face do valor dos fatos externos. É determinista e fatalista, pois é resignado. É pluralista, porque incapaz de síntese. E, como conseqüência ultima e necessária, é cético.
O próprio James se exprime de forma tal que se conclui facilmente ser a diversidade dos tipos proveniente de uma diversidade na localização da libido, da “força mágica”. Em contraste com o subjetivismo religioso do solipsista, diz James sobre nossa atitude empírica: “Mas nossa estima pelos fatos... ela própria é quase religiosa. Nosso temperamento cientifico é piedoso”.¹

¹ - Eu, Fernando, não utilizei todas as notas de pagina, contudo, todas se referem ao mesmo livro de William James que Jung cita, a saber: “W.James, Pragmatism, 1911”.

segunda-feira, março 06, 2006

Historias Cotidianas


Acontecimentos veridicos acontecidos com um amigo meu... eu estava la. E assim começamos nossa campanha contra as balas de tamarindo.

Venho ao público contar minha experiência aterrorizante com a famigerada bala de tamarindo, aquelas redondas com gosto azedo. Bem, a história se inicia numa tarde de domingo, quando no meio de uma calorosa discussão entre amigos, resolvo chupar (no bom sentido) uma dessas terríveis balas. Poucos minutos depois, a maldita bala resolve se enfiar em minha goela, e sai descendo sem pedir qualquer permissão. Quando me dou conta, a maldita fica entalada (do tipo "nem fode nem sai de cima) bem no final da garganta. Em poucos segundos, estou quase sem ar, pedindo desesperadamente um copo d'água...
Meus amigos parecem ainda não acreditar no que estava acontecendo. Mas a coisa vai piorando, ao ponto de eu sentir vontade de vomitar. Eu bebo água e não desce de jeito nenhum. Bebo mais água, e nada. Os segundos vão passando, e a coisa vai piorando. A tosse vai ficando cada vez mais forte, e meus amigos assumem de repente uma cara de espanto. "Você tá vermelho", diz um deles. Um deles, ou melhor, uma delas diz que eu devo botar pra fora. Vou ao banheiro, ajoelho e bleeerrggh. O corpo dá conta. É como se dissesse pra bala, "ou dá ou desce". Eis que, numa vomitada, a bala cai, inteirinha, dentro do vaso. Ufa, estou livre.Vou processar essa empresa por fazer balas tão grandes e redondas.