sexta-feira, março 10, 2006


O Bolso.

Um bolso fundo segurava aquela que não poderia ficar ali. Pareciam paredes enormes, construídas para nunca deixar ela partir, mas um movimento – e apenas um movimento – poderia mudar o destino fatalista e rodar a historia. Um tropeção do dono daquele bolso – ou daquela masmorra – era o ponto nevrálgico para aquela mudança que começara a se manifestar, ao som do metal, de uma moeda, saindo da escuridão.

No inicio, ela começou a sair do mais recôndito dos bolsos, do fim da escuridão, onde nada – ou nenhuma coisa – pareciam que um dia iriam mudar, mas naquele momento nada era real, pois, tudo, havia se modificado. Um vento surgiu, de cima para baixo e depois, de baixo para cima; incrível, sentiu a moeda:

- Mas que sensação fantástica – sentia, enquanto temia aquela soberba desgraça.

Mas enquanto tudo inspirava temor, as coisas começaram a piorar ainda mais. Os sons fortes das passadas de sapatos, tênis e chinelos começaram a brotar, vozes de todos os tipos também, aquele caos começou a gerar uma fobia gigantesca na moeda. A saída do bolso parecia ser a mais dura das torturas.

- Por que meu destino deve ser esse? Que fiz eu, moeda, para que tal desgraça se assole em minha existência, que me afogue no meio desse embriagamento?

Era tarde demais, não havia volta, não havia esperança, a moeda já havia passado do ponto seguro. Ela não foi e voltou para o fundo do bolso, não, pois a “derrota”, em sua visão, já fazia parte de sua constituição; ela estava desgraçada demais para medir suas sensações. Agora já via a luz solar, algo nunca antes experenciado, terrível, diria ela, se tivesse uma boca. O calor era manifesto, o cheiro de todas as coisas, as cores de todas as coisas, o terror apoderou-se dela, pobre moeda, nunca teve a chance de escolher: ser ou não ser. Preferia ficar naquele bolso, pelo menos, era isso que sentia.

O calor a esquentava ao mesmo tempo em que aquele vento a fazia sentir calafrios, via, de forma nítida, que seu destino se aproximava. O chão. O chão lhe parecia o mais terrível dos monstros, um leviatã, afinal, não era atoa, a moeda nunca estivera naquele recinto, tal como, via-o como corpo estranho, sujo, e onde todos pisavam. Poderiam, com efeito, massacrar-lhe, destruir suas estribeiras.

Não havia alternativas. Já resignada, a moeda cai, sua face girou, uma, duas, três, quatro e finalmente cinco vezes, pelo chão, formando círculos cíclicos ate que seu movimento se acalmasse e ela caísse, com um lado para cima e o outro para baixo. Sentiu aquele bafo tremendo de uma cidade, seu brilho se ofuscou pela sombra dos pedestres, tudo parecia terrível, acabado, maldito.

Num momento, contudo, o sol atingiu-a - e da tal modo - que ela ofuscou tudo a sua volta, sua beleza radiante, dourada e reluzente acendeu-se, para todos a verem. As pessoas olharam aquela cena, meio inacreditável, meio banal, sobre o solsaio de suas carapaças, mas foi apenas um ser que ficou realmente aturdido diante daquele espetáculo. Era uma linda moça. Ela passou e pegou a moeda brilhante, a moeda, tal como a moça, se sentiu fantástica, nunca, de tal modo, fora tão valiosa. A moça a olhou e viu seu sorriso. A moça que estava muito faminta comprou um cachorro quente. De fato, ela não comia já havia dias.

Depois de tal feito, a moça e a moeda não mais existiam. Em meio a fumaça que restara no recinto espacial que outrora fora ocupado por estes dois corpos, uma luz apareceu, e dizem que hoje ambos deixaram de ser cousas para se tornarem eternidade.

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