segunda-feira, março 30, 2009

Redução de Danos: PARTE III - Final

PARA ONDE VAMOS?
Redução de Danos Amadurecendo

Vinte e cinto anos de redução de danos são uma longa estrada. Neste período, o mundo mudou drasticamente; as novas tecnologias de comunicação fizeram o mundo menor e a AIDS mudou a face da Terra. Embora alguns de nós ainda mostram empatia e compreensão com as pessoas que vivem suas vidas de uma maneira diferente da que nós julgamos apropriados ou desejável, outros se tornaram menos tolerantes, mais egocêntricos e levam o que podem levar em nossas sociedades materialistas. Este é o clima em que a redução de danos tem que sobreviver. Não obstante, não é demasiado difícil conviver mesmo aqueles que são egocêntricos, dos benefícios da redução de danos. Porque o paradigma da redução de danos presta atenção não somente nos danos que os usuários de drogas causam a si mesmos, mas também ao dano causado ao outro. Como pode alguém ser contra isto? Como alguém pode se opor a intervenções que objetivam reduzir os danos causados pelo uso de drogas? Próximos de mudanças gerais na sociedade, nós podemos também observar uma mudança nos padrões de uso de drogas. As intervenções de redução de danos para o “viciado” típico são muitos diferentes das intervenções de redução de danos para os jovens que usam ecstasy no fim de semana. Em Amsterdã, nós enfrentamos agora um envelhecimento geral de nossos farmacodependentes. A idade média é ao redor de 42 anos e alguns deles já têm sido encontrados em casas de repouso para idosos! Alguns deles estão recebendo heroína diariamente como a parte do programa de prescrição de heroína, outros estão gastando uma parte substancial do dia nas chamadas salas de consumo, onde se encontram com outros farmacodependentes e onde podem consumir drogas em um ambiente relativamente seguro. Muitos deles são demasiado velhos e lentos para se adequar ao crime. Tornaram-se paciente crônicos que necessitam de cuidado em longo prazo. Os serviços mudaram para se adequar a este novo cenário.

Uma Geração Nova: Drogas Novas.

Nos anos 1990, a heroína transformou-se numa droga fora de moda. Os heroinômanos típicos passaram a ser considerados “perdedores”, “fracassados” e a nova geração não via mais a heroína como uma droga atraente. Entre os jovens, usar drogas não seria mais por muito tempo um “estilo de vida”, mas algo que caberia em uma circunstância particular. Isto significou que as drogas com meia-vida curta, sem síndrome de abstinência e fáceis de consumir estavam se tornando mais atrativas. O ecstasy preencheu muito bem estes critérios. O comprimido poderia ser tomado facilmente, o efeito duraria por apenas algumas horas e os sintomas de abstinência eram suaves. O usuário sente-se ativo e com humor amigável. No início do uso do ecstasy, este comprimido era ainda legal e pouco se sabia sobre os efeitos cerebrais a longo prazo. Ele foi usado nas chamadas festas rave, onde as pessoas dançariam toda a noite na batida da música techno. Na segunda-feira muitos deles voltariam a sala de aula ou ao trabalho. Assim, este era um estilo muito diferente do uso de drogas dos heroinômanos típicos. Depois que alguns acidentes fatais foram relatados, com as pessoas que morreram de superaquecimento e/ou de desidratação, mais e mais atenção foi dada às medidas de redução de danos durante tais festas techno. Uma organização desenvolveu a campanha da “casa segura” e começou a testar os comprimidos no local de uso. Esta era uma oportunidade boa de fazer o contato com os usuários e dizer-lhes para não usar demasiadamente, alertá-los a beber água o suficiente e refrescarem-se quando necessário. Os profissionais da campanha da “casa segura” alertaram também os organizadores das tais festas sobre as medidas de segurança, como a temperatura do ambiente, medidas de primeiros-socorros, etc.

Legalizar?

Frequentemente, as políticas da redução de danos são vistas como um primeiro passo para a legalização das drogas ilícitas. Muitas pessoas que trabalham em programas de redução de danos acreditam que a proibição causa mais problemas do que previne. Vêem quantos problemas seus pacientes têm meramente pelo fato de as drogas serem ilegais. Vêem os efeitos da má qualidade das drogas da rua quando se deparam com os abscessos. Estão frustrados quando vêem que as variações freqüentes na pureza da heroína da rua conduzem a overdoses – às vezes fatais. Estão preocupados, quando percebem que seus clientes compartilham agulhas e seringas e assim correndo o risco de infecções de HIV e/ou hepatite, meramente porque seus clientes estão receosos de serem presos pela polícia ao ser encontrado com as agulhas e seringas em seu bolso. Eles acreditam que tudo isto não aconteceria se as drogas fossem legais. Naturalmente, é um ponto de vista, embora nós tenhamos que ter cuidados para não atropelar as conclusões. Ninguém sabe que efeitos teria a revogação da proibição.
Mais pessoas experimentariam drogas, mais pessoas ficariam dependentes, ocorreriam mais complicações médicas, etc? Isto nos deixa amarrados. Naturalmente é possível que nós nunca tenhamos que tomar uma decisão sobre a legalização das drogas no caso de substâncias legais, tais como medicações, drogas sintéticas e suplementos alimentares adquiridos no mercado negro.
Por agora, entretanto, esta discussão não deve nos impedir de fazer nosso trabalho em uma maneira concreta e pragmática a fim de ajudar, tanto o quanto possível, os usuários de drogas a reduzir o dano que causam a si e a outros.

O Desafio

Aonde isto nos leva? Em Amsterdã, nós não esperamos grandes mudanças no sistema. A redução de danos transformou-se em parte integrante do sistema geral de atendimento e agora inclui instituições de tratamento de droga, assistentes sociais, instituições psiquiátricas, polícia, sistema judiciário e clínicos gerais. Ainda é possível que os responsáveis pelas políticas públicas tomem tudo como garantido e comecem a reduzir o orçamento destas instituições, de modo que logo muitos usuários de drogas apareçam nas ruas outra vez, causando problemas para seu ambiente. Assim nós temos que permanecer alertas.
Em outras partes do mundo, ainda há muito trabalho de base para ser feito para reduzir as conseqüências negativas do uso de drogas. Em alguns países nós ainda vemos resistência para os programas de troca de seringas, ou ouvimos responsáveis por políticas públicas dizerem que a metadona não funciona. Alguns políticos ainda pensam que o problema de drogas pode facilmente ser resolvido, afirmando que os usuários de drogas são criminosos e devem ser postos na cadeia. A abordagem que nós preferimos é realmente a da nossa própria escolha. Kethleen Cravero, diretora da UNAIDS, disse isto muito elegantemente ao dirigir-se à conferência internacional da redução de danos na Tailândia em 2003:
“Após muitos anos de silencia, de negação e de discriminação, o mundo se pronunciou sobre a necessidade de lidar com os usuários de drogas injetáveis (UDI) em um mundo com AIDS. Em junho de 2001, a Sessão Especial sobre a AIDS na Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração do Compromisso em HIV/AIDS. Todos os 184 Estados-Membro, unanimemente e sem restrições, se comprometerem com as metas específicas e os objetivos relacionados aos UDI. Que inclui:
... estabelecendo em 2003 metas nacionais de prevenção para reduzir a incidência da infecção por HIV entre as populações-chave, incluindo taxas de infecção ou com risco elevado de nova infecção; e em 2005 expandir o acesso aos preservativos e aos insumos de injeção, e assegurar a disponibilidade dos programas de redução de danos relacionados ao uso de drogas. Também em 2001, um documento conjunto de posicionamento das Nações Unidas foi aprovado, recomendando um pacote detalhado de medidas dirigido ao HIV e ao uso injetável de drogas...
E
Existem muitas maneiras de abordar os problemas relacionados ao uso de drogas e da infecção de HIV. Nós podemos nos convencer de que os desafios são intransponíveis, que o comportamento do UDI é imutável e as soluções são insustentáveis. E assim nossas intervenções serão falhas, subestimadas e indiferentes. Ou nós podemos decidir agir no que nós já sabemos ser verdadeiro – que os usuários de drogas respondem bem aos serviços e ao tratamento, se beneficiam das opções para melhorar suas vidas e as vidas de seus companheiros e, dado uma possibilidade, podem agir com forças positivas para a mudança. E então nossos esforços serão vibrantes e eficazes, oferecendo esperança e oportunidade, especialmente aos jovens que agora estão exigindo um futuro melhor e mais saudável. A escolha é nossa.

Conclusão

Como conclusão, nós podemos dizer que a redução de danos se transformou num importante ingrediente das políticas de droga em todo o mundo. As organizações internacionais parecem mais receosas em dizer ruidosamente que a redução de danos deve ser um dos pilares da política de drogas. E os responsáveis pelas políticas locais e regionais, agora frequentemente incluem automaticamente as intervenções da redução de danos na política geral de drogas. Estes são desdobramentos positivos. Entretanto, há também razão suficiente para o pessimismo, quando se ouve sobre como os direitos dos usuários de drogas são violados, quando se vê que muitos usuários de drogas ainda têm que praticar crimes para obter sua dose diária, e quando se percebe que ainda muitos usuários de drogas injetáveis compartilham de agulhas e seringas porque não têm nenhum acesso a insumos limpos. Assim, nós ainda não podemos nos sentar e ficar satisfeitos. A ação é necessária e, felizmente, muitos de nós estão ainda cheios da energia para enfrentar obstáculos possíveis e conquistar juntos os desafios.
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sexta-feira, março 27, 2009

Redução de Danos: TEXTO PARTE II

Já que ninguem comentou no último post, o que significa que este post foi relativamente um sucesso, vai a segunda parte.


UMA DROGA PARA OUTRA...

Quando as pessoas conversam sobre a terapia de substituição, acredita-se freqüentemente que não faz nenhum sentido dar aos usuários uma droga “oficial” para substituir as drogas compradas nas ruas. Ou ainda, se o uso das drogas ilegais pode continuar mesmo após passarem a receber a droga “oficial”, muitas pessoas questionaram quais são as vantagens que tal sistema de tratamento pode ter. Deixe-me explicar. Quando a metadona foi introduzida primeiramente por Dole e Nyswander nos anos 1960 nos Estados Unidos da América, acreditou-se que esta poderia substituir a heroína. A metadona não faz os pacientes se sentirem entorpecidos, pode ser tomada via oral dispensando a injeção e os efeitos duram por 24 a 36 horas, bastante longos compradas às 4 a 6 horas da heroína. Estas são as vantagens mais óbvias. Mas havia também alguns inconvenientes, por exemplo, porque a metadona também é um opiáceo, introduz dependência com síndrome de abstinência na retirada. Então, por que o trabalho? Na prática nós vimos que centenas dos milhares de heroinômanos se beneficiaram do uso da metadona. A metadona afastou-os do ambiente das drogas, eliminou o comportamento criminal, eliminou o HIV. Também poderíamos observar que o tratamento com a metadona criou um bom vínculo com os pacientes. Estes estavam realmente permanecendo no tratamento por muito mais tempo e, pelo contato regular que tiveram com a equipe, poderiam trabalhar seus problemas sociais e psicológicos. Todos os efeitos que nós temos que valorizar. Assim talvez a terapia de substituição não nos deu a “bala mágica”, mas salvou muitas vidas e contribuiu muito para o controle de um problema social e médico complexo.

Com o Pé Na Estrada...

Um dos ícones da rede de redução de danos de Amsterdã é o projeto da Metadona no Ônibus. Um programa de metadona sobre rodas por assim dizer. Por que sobre rodas? Havia diversas razões para começar tal projeto. Inicialmente, nós enfrentávamos grandes problemas com a vizinhança. Este NIMBY (Not in My Back Yard – Não no meu jardim) é um fenômeno bem conhecido. E quando se leva em consideração a quantidade de problemas causados por usuários de drogas naqueles dias, se pode somente compreender tal reação da comunidade. Entretanto, algo necessitava ser feito. Tendo uma clínica sobre rodas, nós poderíamos distribuir o ônus uniformemente nas várias regiões da cidade. Ficando em uma área específica para apenas uma hora, tornou-se tolerável para a comunidade. Além disso, um ônibus poderia entrar nas áreas onde os muitos usuários de drogas se reuniam. Aqui se deve mencionar que o atendimento médico e as sessões de aconselhamento mais prolongadas eram conduzidas em prédios usuais. Assim o ônibus era principalmente para a provisão da metadona e mais tarde também para a troca de agulhas e seringas e a distribuição dos preservativos. Somente intervenções breves ocorriam no ônibus. Naturalmente há também alguns inconvenientes em operar em uma clínica móvel. Por exemplo em um dia frio de inverno, a equipe de saúde teria que trabalhar sob circunstâncias difíceis. Os problemas técnicas com o motor também podiam acarretar grandes transtornos. Além disso, um ônibus é vulnerável a possíveis ataques violentos. Embora todos estes problemas fossem sérios, nós conseguimos superar a maioria deles, e hoje, 25 anos depois que foi lançado, o ônibus da metadona de Amsterdã ainda está com o pé na estrada todos os dias do ano.

Devolva Esta Seringa!

A primeira troca de seringas no mundo começou em 1984 em Amsterdã. Era uma iniciativa de um grupo de usuários de drogas. Estavam receosos de uma eclosão de hepatite B quando uma farmácia localizada no centro da cidade decidiu não vender mais nenhuma agulha ou seringa aos usuários de droga. O plano inicial era vendê-las nas dependências da União dos Usuários de Drogas de Amsterdã (MDHG). Entretanto, a Secretaria Municipal de Saúde não estava feliz com esta idéia, porque eram agulhas e seringas que terminariam espalhadas na rua ou – pior ainda – em parques infantis. Após alguma deliberação, um dos membros da União dos Usuários de Drogas trouxe a idéia dourada “vamos trocá-las, você traz sua seringa usada e ganha uma nova de graça”. Este foi o começo da troca de seringas, que é hoje uma medida de prevenção do HIV praticada em muitas partes do mundo, de Katmandu a São Paulo, de Melbourne a Dublin e de Nova Deli a Vancouver. O aspecto interessante da troca de seringas é ser uma faca de dois gumes: protege o ambiente do material contaminado e ajuda usuários de drogas injetáveis a proteger-se da infecção por HIV e hepatite. Desde o início da troca de seringas em Amsterdã, nós começamos a avaliar os resultados. Nós decidimos olhar três fatores:
1. Ajuda a diminuir a infecção de HIV?
2. Promove o hábito de injetar drogas, levando ao aumento do número de usuários de drogas injetáveis?
3. A troca de seringas ajuda a cooptar novos usuários para a rede de atendimento?
Um total de 150 usuários de drogas injetáveis foi entrevistado, metade usuários do programa de troca de seringas e a outra metade que não utilizava o serviço. O resultado foi bastante convincente: os usuários do programa mostraram drástica redução de agulhas e seringas compartilhadas além do que alguns nunca tinham estado em contato com a rede de atendimento. O padrão de uso de drogas variou de pessoa a pessoa: alguns aumentaram seu uso, outros reduziram e outros ficaram estáveis. Isto mostrou que a troca de seringa não teve nenhum efeito significativo no nível de uso das drogas. Desde o primeiro estudo em Amsterdã, muitos outros estudos foram realizados sobre os efeitos dos programas de troca de seringas. Os resultados foram sempre similares aos resultados deste primeiro estudo.

A Redução de Danos e o Tratamento Orientado Para a Abstinência

Inicialmente, quando a redução de danos foi introduzida em Amsterdã, aqueles que trabalham em serviços orientados para a abstinência estavam receosos que isso significasse o fim do seu negócio. Algumas comunidades terapêuticas tradicionais (TC) vieram a Amsterdã tentando convencer autoridades locais a retirar o seu apoio à redução de danos. Os partidários da redução de danos estavam prontos para rotular os partidários das TC como intolerantes, dogmáticos e ineficazes. Desta forma, existiam todos os elementos para um grande conflito. Os clientes que deixaram as comunidades terapêuticas e foram aos programas de metadona estavam cheios de suas frustrações e alimentavam as idéias dos partidários da redução de danos sobre os partidários das TC. Também, os farmacodependentes que tinham deixado o programa de metadona e foram para as TC falavam da atividade omissa dos programas de redução de danos. Tudo isto não ajudou a comunicação e a cooperação. Com base nos boatos que os programas de redução de danos desmotivavam as pessoas a ingressar nos tratamentos orientados para a abstinência, nós decidimos monitorar, de um lado, o número de pacientes que ingressavam nos programas de metadona e, de outro lado, o número de pacientes nos tratamentos orientados para a abstinência. No período de 1981 a 1988, inicialmente, o número de pessoas nos programas de metadona aumentaram drasticamente e então se tornou estável. No mesmo período, o número dos pacientes nos tramentos orientados para a abstinência cresceu mais de 200%! Assim, em vez de afastar os pacientes dos tratamentos, pareceu que os programas de redução de danos realmente atraíam as pessoas para a rede de tratamento e motivavam para os programas orientadas para a abstinência. Pode-se dizer que este trabalho pairava sobre a cena das drogas. Conversando pessoalmente com funcionários de programas orientados para a abstinência pode-se notar que muitos pacientes encaminhados dos programas de redução de danos estavam mais prontos e motivados para começar o tratamento do que os pacientes que vinham de outros encaminhamentos.

Redução de Danos em uma Perspectiva Internacional:
Redução de Danos: Um Produto de Exportação?

Nos últimos 20 anos, eu tenho falado sobre a Política de Redução de Danos Holandesa com milhares de especialistas. Eles vinham a Amsterdã para estudar nossa abordagem ou pediam que nós participássemos de conferências. Parecia que sempre que uma cidade ou um país discutia sua própria abordagem do problema de drogas ou estavam no processo de fazer grandes mudanças, alguém levantava a pergunta: “O que eles fazem em Amsterdã? Vamos verificar”. Para alguns, Amsterdã seria um exemplo de como NÃO fazer coisas. Estes pensavam que nós éramos muito permissivos com os usuários de drogas e muitos dos nossos problemas eram devidos à nossa própria omissão. Outros, entretanto, entusiasmavam-se muito com o que viram e ouviram e voltavam para casa para colocar em prática as medidas da redução de danos, adaptadas à sua própria realidade cultural e social.
Sempre nos preocupamos em não “vender” nossa abordagem, pois estávamos muito cientes de que esta abordagem tem que ser compatível com a cultura local. O que funcionou na Holanda pode não funcionar em outro local. Embora nós não devamos “vender” nossa abordagem, nós somos – é claro – orgulhosos do que estabelecemos e falamos sobre o assunto com entusiasmo. Sempre nos certificamos de ter dados suficientemente fortes para sustentar nossa proposta e sempre permitimos que as pessoas “vejam nossa cozinha”. Assim, sim, nós exportamos a redução de danos para todas as partes do mundo, mas somente “vendemos” aos sócios que se convencerem que esta abordagem seria benéfica para sua própria comunidade.

As Conferências Internacionais

Desde 1990, foram organizadas conferências internacionais anuais sobre a redução de danos relacionadas às drogas em várias partes do mundo. Estas conferências são importantes fóruns de encontro de pessoas que estão desenvolvendo novas intervenções ou procurando novos conhecimentos e apoio. Ao longo dos anos, as conferências tornaram-se mais e mais científicas. Isto estimulou abordagens de redução de danos mais baseadas em evidências. Os “crentes” agora têm que vir com dados para subsidiar seu ponto de vista. Esta é um desenvolvimento saudável. Felizmente, as conferências não se tornaram chatas ou engessadas e ainda é uma ampla sala de debates e opiniões. Um recurso muito interessante da Conferência Internacional de redução de danos é que há sempre um lugar para os usuários de drogas. Eles devem participar do comitê do programa e figurar entre os palestrantes das conferências. Como o Pat O´Hare, diretor executivo do IHRA, Associação Internacional da redução de danos, disse uma vez: “É o meu trabalho, mas são suas vidas”. Por este motivo é importante incluir os usuários de drogas no movimento da redução de danos e certificar de que nós continuamos compreendendo suas necessidades e sua realidade a fim de otimizar as intervenções.

E sobre o Álcool?

Em agosto de 2000, eu participei de um seminário em Recife, Brasil, chamado LATS (Seminário Itinerante da América Latina). Durante este seminário, a pergunta persistente era: “E sobre o álcool?” Aparentemente, o álcool era o principal problema de “drogas” e as intervenções da redução de danos eram extremamente necessárias. Baseado nisto, decidiu-se organizar uma conferência internacional sobre o álcool e a redução de danos. Esta conferência ocorreu em Recife em 2002 e foi um grande sucesso. Um total de mais de quinhentos delegados de várias partes do mundo discutiu a questão do álcool por três dias. Um relatório de conferência foi produzido e um livro foi publicado. Alguns dos achados importantes foram que a redução de danos é uma opção viável no campo do álcool e que a abordagem de redução de danos focalizaria mais nos “danos relacionados ao álcool” que na quantidade de álcool consumida. As perguntas “onde”, “como” e “quando” foram consideradas mais importantes do que a pergunta “quanto”. Esta maneira de pensar tem implicações importantes nas coletas de dados, e também na medida do sucesso de uma intervenção. No livro “Álcool e Redução de Danos”, foi descrito quais os profissionais confrontados com os dados relacionados ao álcool. Isto mostrou que os “especialistas do álcool” têm apenas um papel modesto. O trabalho principal é feito por generalistas. Frequentemente falta conhecimento suficiente sobre o álcool e os danos relacionados ao álcool, o que evidencia a necessidade de capacitação.

quinta-feira, março 19, 2009

25 ANOS DE REDUÇÃO DE DANOS

Vou dividir o texto em 3 postes para facilitar a leitura. Eis, então, a parte I:

- E no final comentários sobre o texto.

Vinte e Cinco Anos de Redução de Danos: A experiência de Amsterdã (Tradução Fernanda G. Moreira)
Ernst Buning

Introdução:

Ao olhar para a história da redução de danos, levantam-se automaticamente as perguntas: “quem a desenvolveu? Onde? Quando? E por que?” Respondendo a estas perguntas: os primeiros a desenvolverem políticas de redução de danos foram especialistas, autoridades locais e representantes de usuários de drogas, em algumas cidades européias. Tudo começou nos anos 1970 em Amsterdã e Roterdã, na Holanda e ema algumas cidades britânicas, como Liverpool. Outras cidades européias como Zurique, na Suíça, Frankfurt, na Alemanha e Barcelona, na Espanha começaram mais tarde. Todas estas cidades enfrentavam problemas sérios com farmacodependentes, comunidades protestando, rede de atendimento inadequada e sensação de impotência e ineficácia da força policial. A redução de danos, com seu foco no pragmatismo, pareceu ser a estratégia mais lógica a ser seguida.
Muito frequentemente, acredita-se que a redução de danos seja uma abordagem “progressista” ou “liberal”. Indubitavelmente, existem aspectos progressivos e liberais em sua maneira de focar os direitos humanos dos usuários de drogas, e ao aceitar que algumas pessoas não estão prontas para interromper este uso. Mas ao mesmo tempo, a redução de danos é uma alternativa para gerenciar e controlar um problema social complexo que pode ser um peso para muitas comunidades. Com as estratégias da redução de danos, a comunidade está em contato com um grupo de pessoas que causam muitos problemas. Adotando atitudes de empatia, compreensão e não-exclusão, os primeiros passos são dados para reduzir o dano que os usuários de drogas causam ao seu ambiente. Fornecendo informações sobre o HIV e dando-lhes meios de proteger-se e a outros da contaminação, a comunidade conserva vidas e dinheiro. A redução de danos tem pouco a haver com a “esquerda” ou “direita”, “progressista” ou “conservador”. É uma estratégia muito prática para controlar um problema complexo. A melhor maneira de fazer isto é envolver as pessoas em questão, isto é, os usuários de droga. Isto só pode ser conseguido mostrando respeito e empatia. É simples assim.
Neste capítulo, eu me deterei em Amsterdã, pois esta é a cidade onde eu trabalhei nos últimos 25 anos, e testemunhei o nascimento da redução de danos e fui capacitado para executar uma série de intervenções neste sentido.
Atualmente, a redução de danos é completamente aceita como a principal abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de drogas em meu país. Algo que começou há 25 anos como um experimento, agora se tornou a principal corrente de pensamento. Quem pensaria isto, há 25 anos?

As Coisas Saíram Fora do Controle...

Nos anos 1970, o problema do uso indevido de drogas em Amsterdã cresceu consideravelmente e em 1978 as coisas saíram fora de controle. O que aconteceu? Quando a heroína foi inicialmente introduzida em Amsterdã em 1972, somente alguns hippies, que já usavam o ópio, experimentaram a heroína. Mas logo chegaram novos grupos de usuários de heroína, entre os quais, os jovens do Suriname. O Suriname é uma antiga colônia holandesa, que se tornou independente em 1975. No período de 1970 a 1975 muitas pessoas vieram para a Holanda, esperando um melhor futuro social e econômico do que no recém-independente Suriname. Naqueles dias, a Holanda enfrentou sua primeira crise econômica após a guerra. Nós também tivemos uma crise de energia por causa de um boicote de petróleo dos países árabes e o desemprego alcançou um nível muito elevado. Desnecessário dizer que os novos imigrantes do Suriname não foram recebidos com braços abertos. Eles enfrentaram problemas sérios, tais como o racismo, o desemprego e a falta de moradia. Alguns deles fizeram contato com membros da comunidade chinesa que, naqueles dias, eram responsáveis pelo tráfico de heroína. Um número substancial de jovens imigrantes do Suriname era recrutado para trabalhar como traficantes nas ruas e logo muitos deles ficaram dependentes de heroína. Em 1978, estimava-se haver cerca de dois mil dependentes de heroína originários do Suriname, sem qualquer contato com a rede de atendimento, envolvidos seriamente com a criminalidade, gerando grande apreensão pública na região central de Amsterdã.
Outro grupo que surgiu era formado por jovens das famílias de classe operária. Saíram cedo da escola e não conseguiam encontrar trabalho. Tinham uma visão muito negativa da vida, não confiavam no sistema e encontraram na “carreira” do heroinômano uma boa alternativa a ficar em casa fazendo nada.
Um terceiro grupo de heroinômanos era compostos pelos farmacodependentes que vieram de outras partes da Europa à “Meca” das drogas, Amstredã. Por causa de seu clima tolerante, se tornou internacionalmente famosa como a Meca das drogas e muitos dependentes químicos que se sentiam reprimidos e mal entendidos em seu próprio país, julgaram apropriado vir a Amsterdã.
Tudo isto junto, em 1978, havia aproximadamente dez mil dependentes de heroína em Amsterdã e somente muito poucas instituições para dar-lhes ajuda e suporte. A comunidade não aceitou mais por muito tempo o incômodo causado pelos dependentes químicos e começou a mobilizar e pressionar as autoridades locais. Em outras palavras: as coisas saíram fora de controle e era necessária alguma ação.

Agindo

O conselho da cidade de Amsterdã solicitou ajuda da Secretaria de Saúde Municipal local (GG&GD) para resolver a bagunça. Em sua missão, o GG&GD assume que é responsável pela saúde pública da população de Amsterdã e também por “assegurar a continuidade da vida pública em caso de grandes catástrofes”. Cuidar da situação descrita a respeito do uso problemático de drogas se encaixa na missão do GG&GD. Definindo as drogas como um problema de saúde pública, foi encontrada uma maneira de lidar com os problemas sociais, médicos e judiciais relacionados ao uso da droga em uma estrutura bem conhecida e estabelecida. A estratégia foi desenvolvida com os seguintes elementos:
. É preciso entrar em contato com todas as pessoas que usam drogas e causam problemas a si e/ou a outros.
. É preciso estudá-los para entender qual é o problema e que tipo de ajuda precisam.
. É preciso desenvolver um sistema de registro para acompanhar os pacientes.
. É preciso mapear todas as instituições de assistência e otimizar o seu uso.
Baseando-se nestes pontos simples, não foi tão difícil desenvolver ações concretas. Entrar em contato significa que nós tivemos que mudar nossa atitude: nós não poderíamos continuar por muito tempo esperando em nossos escritórios que os usuários de droga viessem do nosso jeito. Não, tivemos que sair para encontrá-los nos lugares que eles estavam. A fim de conhecer as necessidades do farmacodependentes, tivemos que mudar nossa atitude com relação ao tratamento oferecido a eles. Nós pensávamos que o tratamento voltado para a abstinência era a melhor opção, mas a maioria dos heroinômanos não achava o mesmo. A nossa oferta não seria aceita, então tivemos que mudar nosso jeito para encontrar as necessidades deles. Nossa oferta teve que se adequar à demanda. Finalmente, tivemos que otimizar nossa cooperação. Talvez esta tenha sido a parte mais difícil. Nós havíamos criado nossos próprios reinos e agora precisávamos otimizar nossa oferta. Desnecessário dizer que todas estas ações não foram feitas do dia para noite. No parágrafo: “estratégias de redução de danos”, três intervenções serão detalhadas: programas de redutores de dano nas ruas, terapia de substituição e troca de seringas.

Não Podemos Agir Sozinhos...

Quanto um problema de drogas sai fora de controle da forma como aconteceu em Amsterdã, é óbvio que nenhuma organização consegue dar conta agindo isoladamente. Havia os jogadores principais em Amsterdã, ié, a Secretaria de Saúde Municipal (GG&GD), o centro de Jellinek, algumas ONG menores e naturalmente a polícia e a prefeitura da cidade. A prefeitura da cidade organizou reuniões regulares onde todas as partes envolvidas se encontravam. Estas reuniões eram essenciais para firmar um consenso das intervenções a serem realizadas e estabelecer uma divisão de trabalho apropriada. Foi acordado uma tentativa de incluir clínicos gerais no projeto e –quando necessário – treinados. Aproximadamente duzentos dos quatrocentos clínicos gerais passaram a prescrever a metadona aos heroinômanos. Acordos foram feitos com as clínicas de metadona, os pacientes “difíceis” podiam sempre ser encaminhados do clínico geral para a clínica. Isto tirou muito do peso colocado nos ombros do clínico geral e ajudou-nos a envolver muitos deles no projeto. Um registro central, também foi criado a fim de impedir prescrição duplicada.
Era fácil cooperação entre as instituições? Absolutamente não. Existiam muitos pontos de vista diferentes, muitas diferenças ideológicas e em muitos dos casos, as instituições estavam receosas de perder dinheiro ou poder (ou ambos) ao se associar a outras instituições. Entretanto, todos perceberam que nenhum de nós teve a solução ideal e que dependíamos uns dos outros para controlar o problema, então se criou uma estratégia equilibrada. Porque afinal, todos queríamos o mesmo: reduzir os problemas relacionados ao uso de substância ilícitas.

A Ameaça Está Aqui Dentro

Exatamente quando nós pensávamos que o problema estava controlado, surgiu um problema novo: a AIDS. Sem ser notada, já tinha se instalado em Amsterdã, sendo transmitida de uma pessoa para outra por meio das agulhas e seringas contaminadas e do sexo desprotegido. Inicialmente nós pensávamos que “naturalmente” Amsterdã seria poupada da epidemia de HIV. Nós tínhamos uma rede de atendimento tão boa, tínhamos contatado mais de 80% dos farmacodependentes, as agulhas e seringas estavam livremente disponíveis, assim por que nós deveríamos nos preocupar? Bem, estávamos errados! Os primeiros estudos realizados em 1986 mostraram uma prevalência do HIV entre as prostitutas dependentes era da ordem de 30%. Nós ficamos chocados e levou algum tempo para nos darmos conta das conseqüências. Mas, uma vez conscientizados, pusemos muitos de nossos conflitos ideológicos de lado e começamos a trabalhar duramente. Expandimos a troca de seringas, realizamos campanhas intensivas de informação sobre sexo seguro e técnicas mais seguras de injeção e disponibilizamos preservativos em todos os lugares onde os usuários de drogas poderiam ser encontrados. Infelizmente, para muitos farmacodependentes, estas ações vieram tarde e estes morreram de AIDS antes que uma medicação eficaz estivesse disponível. Felizmente, outros passaram a usar o sistema a seu favor, permaneceram soronegativos e assim sobreviveram.


DROGAS EM AMSTERDÃ
Coffeeshops

Todos que estiveram em Amsterdã, viram nossos coffeeshops. Estes são bares onde a cannabis pode ser comprada e usada. O consumidor pode comprar até cinco gramas por vez. O varejista tem um menu com uma visão geral dos vários produtos e uma descrição dos efeitos. Ele tem que seguir determinadas normas e regras a fim de manter sua licença:
. Proibida a venda de drogas pesadas (cocaína e heroína).
. Proibida a venda aos menores de 18 anos.
. Proibida a propaganda.
. Não incomodar a vizinhança.
A policia verifica regularmente os coffeeshops para ver se trabalham de acordo com o regulamento. Caso contrário, o lugar é fechado.
Por que nós temos estes coffeeshops? É porque nós pensamos que é legal ficar “chapado”? Naturalmente não. Nós temos estes coffeeshops porque acreditamos que é apropriado separar o mercado das drogas pesadas do mercado das drogas leves[1]. Isto significa que as pessoas que querem usar a cannabis podem fazê-lo em um ambiente relativamente seguro. Não haverá ninguém “empurrando”, querendo que o usuário de cannabis troque por drogas mais pesadas e não haverá ninguém vendendo mercadorias roubadas e nenhuma possibilidade de inaugurar uma ficha criminal se a policia chegar. O interessante é que a existência dos coffeeshops na Holanda não trouxe um consumo mais elevado de cannabis do que nos países ao redor. O consumo regular de cannabis no EUA é duas vezes mais elevado que na Holanda. Isto prova que a disponibilidade das drogas é somente um fator para que as pessoas tomem a decisão de usar drogas ou não. A Holanda tem sido criticada por ter coffeeshops, mas, ao mesmo tempo, muitos outros países têm uma política similar para as drogas leves. Em numerosos países, a polícia é condescendente para usuários individuais de cannabis, pois se percebeu que seria muito custoso para o sistema judiciário se todos os usuários de droga leve fossem presos e processados.
Em 2003, a cannabis foi disponibilizada para o uso terapêutico na Holanda. Os médicos agora podem prescrevê-la, por exemplo, para aliviar os efeitos colaterais da quimioterapia ou da farmacoterapia para a AIDS ou para o alívio dos sintomas da Esclerose Múltipla. Com uma prescrição médica, os pacientes podem obtê-la na farmácia. A cannabis necessária para este tipo de tratamento é cultivada em dois centros na Holanda sob a supervisão estrita do Ministério da Saúde Holandês.

Cavalgando o Dragão.

Embora a epidemia de AIDS tenha golpeado Amsterdã duramente, poderia mesmo ter sido muito pior se nós não tivéssemos assim muitos dependentes que “cavalgam o dragão” mais do que injetavam. O que aconteceu? Esta é uma antiga história da cultura surinamesa. Nesta cultura, pôr uma agulha em seu braço é um grande tabu. Assim os jovens imigrantes do Suriname entraram em contato com a comunidade chinesa e foram introduzidos à heroína, pediram aos chineses alternativas para injetar drogas. Os chineses ensinaram-lhes o método de cavalgar o dragão: a heroína é posta sobre um pedaço de papel-aluminio. Um isqueiro é preso sob a folha e aceso. O papel esquenta e a heroína começa a soltar fumaça. A folha é presa parcialmente em um ângulo de modo que a heroína escorra para a parte inferior do papel. O fumo (o drgão) é inalado por meio de um tubo. O usuário segue a fumaça e assim “cavalga o dragão”. Na língua holandesa, esta forma de fumar é chamada chinesing. Devido ao fato de muitos traficantes de rua cavalgarem o dragão, esta maneira de consumir drogas virou moda e logo muitos dependentes de heroína que eram holandeses nativos e também “turistas das drogas” começaram a imitar o comportamento dos traficantes de rua e trocaram o hábito de injetar pelo fumo da heroína. No fim dos anos 1980, estima-se que uns 60% dos heroinômanos estavam fumando. Também por causa da ameaça do HIV, o número dos usuários da forma injetável caiu consideravelmente.

Cocaína

Quando nós fizemos as primeiras saídas do projeto “Metadona de Ônibus” em 1979, revelou-se que 50% de nossos clientes usavam cocaína regularmente. Isto significa que a cocaína faz parte da cena das drogas pesadas há muito tempo. Muitos dependentes de drogas pesadas seguiriam programas de metadona reduzindo o uso da heroína, mas continuavam o uso de cocaína. No fim dos anos 1980, foi introduzido o hábito de fumar a pasta-base da cocaína. Inicialmente feito em grupo, com cachimbos d´água cheios de rum, o uso logo passou a ser individual. Muitos usariam o método de “seguir o dragão”. Pegariam a cocaína e misturá-la-iam com o bicarbonato de sódio e um pouco d´água. Então a aqueceriam e a nova substância seria posta sobre a folha de alumínio e fumada. Isto era “crack avant la lettre”. Ainda hoje, a cocaína é usada desta maneira por um grupo de dependentes de drogas pesadas. Em Amsterdã, os dependentes de drogas pesadas sempre foram usuários de múltiplas drogas. A heroína era a droga principal, que começou tudo, mas a cocaína e os benzodiazepínicos sempre tiveram um papel muito importante.

Exemplos de Intervenções de Redução de Danos: Redutores de Danos nas Ruas, Metadona e Troca de Seringa.

Se Eles Não Vem a Você....

Muitos usuários de drogas não estão interessados nos serviços tradicionais de tratamento orientado para abstinência. Estes vêem este tipo de serviço como paternalista, forçando-os a fazer coisas que não estão prontos para fazer. Se isto é verdadeiro ou não, não é importante. Importante é que esta é a imagem dos serviços tradicionais. Assim, se os usuários de drogas não vierem a nós, nós temos que ir a eles. Em Amsterdã nós fizemos isto de muitas maneiras diferentes. A primeira é o bem conhecido “Trabalho de Esquina”. Os trabalhadores (redutores de dano) que são próximos do ambientes das drogas, por causa do seu estilo de vida ou por causa de sua própria história de uso drogas, vão aos lugares de uso de drogas. De um lado, eles são parte disto, no entanto, de outro lado, representam o sistema estabelecido e dão forma a uma ponte. Fornecem intervenção em crises, dão informação e suporte e encaminham os farmacodependentes às instituições de atendimento. A segunda maneira em que nós fizemos o contato foi nas delegacias de polícia. A polícia de Amsterdã procurou o GG&GD com um pedido. Existiam muitos problemas com os dependentes de heroína presos que teriam sintomas de síndrome de abstinência, tais como vômitos, pela interrupção abrupta do uso de heroína. Para a polícia era muito difícil lidar com eles e queriam que um médico do GG&GD examinasse todos os dependentes de heroína presos. Este programa começou em 1977. Atualmente entre 1.500 e 2.000 dependentes de heroína presos foram examinados, receberam medicação, tal como a metadona, para minimizar os sintomas da síndrome de abstinência, foram feitos encaminhamentos e – quando necessário – um assistente social foi encarregado de cuidar de problemas sociais mais imediatos. Aproximadamente 50% das pessoas vistas na delegacia de polícia não estavam em contato com a rede de atendimento regular. Este programa gerou oportunidades excelentes de “vender” as instituições de atendimento. Uma terceira maneira de estabelecer contato com os dependentes de heroína era nos hospitais. Os hospitais gerais enfrentavam grandes problemas com os farmacodependentes em suas divisões. Freqüentemente, a equipe médica não sabia o que fazer. Deveriam agradáveis? Deveriam ajudar um dependente a mudar o hábito? Deveriam confrontá-lo? Uma equipe de enfermeiras do GG&GD foi recrutada para ver todos os pacientes dependentes de drogas em todos os hospitais gerais de Amsterdã. Estas enfermeiras falariam com os pacientes e com as equipes médicas. A primeira prioridade era o tratamento adequado da condição médica pela qual o paciente foi admitido. Isto exigiria alguma disciplina do paciente e alguma paciente da equipe médica. Somente depois que a condição médica tinha sido tratada, a questão do uso indevido de droga seria abordada. Enquanto isso, o paciente receberia a metadona a fim de tratar a síndrome de abstinência. Esta também se mostrou uma maneira muito eficaz de contatar novos farmacodependentes e motivá-los para aderir à rede de atendimento.
[1] - Eu uso o adjetivo leve para designar os derivados da cannabis como o haxixe e a maconha. Apesar de estas serem menos danosas que as drogas “pesadas”, ainda assim são drogas e quando usadas com muita freqüência podem causar sérios problemas ao usuário.