terça-feira, novembro 15, 2005
Estudos sobre os sonhos
Estudo sobre os Sonhos: por FernandoR.
obs: o texto e´ um apanhado de textos que tinha prometido, portanto quem ler nao espere algo original ou da minha cabeça.. e´ apenas um catadao, rs.
Hans Sachs nos Mestres Cantores:
“Amigo, a verdadeira obra do poeta
É anotar e interpretar sonhos
Acreditai que a ilusão mais certa
Vive nos sonhos dos humanos
A arte de vesejar e de poetar
É dizer a verdade do sonhar”.
No presente texto nosso objetivo será apresentar alguns modelos de interpretações dos sonhos que perpassaram e permeiam a historia e paradigmas antigos e emergentes na ciência moderna na analise dos sonhos. Sem duvida temos muitos trabalhos de interpretação dos sonhos orientais, contudo, por falta de conhecimento do seu escritor o trabalho presente se fará limitado neste e em outros pontos.
Nos tempos pré-históricos e míticos adotava-se normalmente a visão de que o sonho estava relacionado com forças sobre-humanas, e teria em muitos locais uma função teleológica, neste viés poderíamos observar as analises dos shamans e dos pajés. Esta visão de que o sonho visa uma meta ou mostra algum acontecimento vindouro, como oraculum, vai sendo desfeita com o próprio surgimento da analítica e termino da visão mítica e totalizante, aos poucos as ligações se cessam, com o universo e com a natureza, o ser humano passa a querer olhar cada pequena parte do mundo, agora reconhecido como objeto e classificá-lo, perdendo a noção de que o todo é maior que soma das partes. Essa visão des-totalizante é bem representada por Freud em “o mal estar na civilização”: “A primeira pessoa a renunciar a esse desejo e a poupar o fogo de sua própria excitação sexual, demora a força natural de outro fogo. Essa grande conquista cultural foi assim a recompensa de sua renuncia ao instinto”. Mostrando assim, que so o afastamento das condições naturais poderia levar o ser humano a civilizar-se.
Para melhor contextualização da visão mítica faz-se necessário uma pequena abordagem sobre os mitos, onde “o simbólico não separa o literal e o metafórico. Não há um significado ultimo, pois o mito é inesgotável, porem podemos perceber nessa multiplicidade de significados um fio condutor, um tema que esta marcado. O mito abordaria questões estruturais da humanidade. Cada mito possuiria um colorido cultural e histórico, mas revela um conjunto, denominado mitologema, de estruturas repetitivas {mitemas} que aparecem em todos os tempos e lugares, os quais ultrapassariam sua determinação histórico-temporal” (Mello, 2002, 1).
Um expoente antigo desta visão analitica que começara a surgir, talvez um de seus pioneiros, foi Aristóteles, que segundo Freud (1900): “Nas obras de Aristóteles que versam sobre os sonhos, eles já se tornam objeto de estudo psicológico. Assim, somos informados que os sonhos não são envolvidos pelos deuses e não são de natureza divina, mas que são ‘demoníacos’, visto que a natureza é ‘demoníaca, e não divina’”. A origem contudo deste novo modelo deve-se aos milésios “Com os milésios, pela primeira vez, a origem e a ordem do mundo tomam a forma de um problema explicitamente colocado a que se deve dar uma resposta sem mistério” (Vernant apud Melo, 2002, 1).
Após esse inicio da lógica linear e analítica temos a perda do valor dos sonhos já que estes se transformam em elementos de caráter irracional e logo não ligados à verdade, como aconteceu na mesma época com a tragédia Grega que era um espetáculo teatral no qual unia-se o dionisíaco com o apolíneo, unia-se o racional com o irracional, o êxtase com a ordem, tinha-se mais vontade de potencia e contato com forças originarias, Nietzsche fala bem sobre esse aspecto em A Origem da Tragédia (1886), quando diz sobre o dionisíaco, por exemplo: “No ditirambo dionisíaco, o homem é arrebentado até a exaltação máxima de todas as suas faculdades simbólicas; experimenta e quer exprimir sentimentos ate então desconhecidos; perante os seus olhos rasga-se o véu de Maya;”(p.44) .
Ainda no período Helênico, Hipocrates vai começar o trabalho que liga os sonhos com as doenças físicas, ligação esta que será muito utilizada e re-elaborada posteriormente por médicos já no século XVIII e XIX (talvez um período bem maior, mas falta-me conhecimento no assunto). No período Helênico os sonhos foram “(...) divididos em duas classes. Supunha-se que uma fosse influenciada pelo presente ou pelo passado, mas sem nenhum significado futuro. Abrangia o ?¹ ou insomnia, que reproduzia diretamente uma certa representação ou o seu oposto – por exemplo, de fome ou sua saciaçao -, e o ?¹ que emprestava uma extensão fantástica à representação – por exemplo, o pesadelo ou ephialtes. A outra classe, ao contrario, supostamente determinava o futuro. Abrangia (1) profecias diretas recebidas num sonho (o ?¹ ou oraculum), (2) previsões de algum evento futuro (o ?¹ ou Visio), e (3) sonhos simbólicos, que precisavam de interpretações (o ?¹ ou sommiun). Essa teoria persistiu durante muitos séculos” (Macróbio e Artemidoro apud Gruppe).
A analise do sonho e sua relação com o mundo de vigília (ou túnel-realidade do consenso, segundo Wilson) era dividida em duas correntes, uma das visões é a de que “O homem que sonha fica afastado do mundo da consciência de vigília” e também “Nos sonhos, pode-se dizer que a nossa recordação do conteúdo ordenado da consciência de vigília e de seu comportamento normal esta completamente perdida” (Strumpell 1877 apud Freud). Uma grande parte dos estudiosos sobre o assunto adota o ponto contrario, como cita Freud(1900) dando exemplo de Haffner (1887): “Em primeiro lugar, os sonhos dão prosseguimento à vida de vigília. Nossos sonhos se associam regularmente às representações que estiveram em nossa consciência pouco antes. A observação cuidadosa quase sempre encontra um fio que liga o sonho às experiências da véspera”.
Esta ultima opinião, de Haffner, esta muito mais próxima à opinião de Freud, pois o mesmo diz que os sonhos nos sempre se referem a conteúdos do dia anterior, mas que “(..) podem selecionar seu material de qualquer parte da vida do sonhador, contanto que haja uma linha de pensamento ligando a experiência do dia do sonho (as impressões ‘recentes’) com as mais antigas” (Freud, 1900, p.177).
Já que tocamos um ponto fundamental do sonho, a memória, podemos apresentar a opinião de alguns autores mais antigos e entrar a posteriori em Jung e Freud. Alguns autores ressaltam que ao contrario de uma distanciarão do mundo diurno, os sonhos buscariam aspectos pouco relevantes na vida de vigília, como Maury diz “A terceira e menos compreensível característica da memória nos sonhos é demonstrada na escolha do material produzido. Pois nos sonhos o que se considera digno de ser lembrado não é, como na vida de vigília, apenas o que é mais importante, mas pelo contrario, também o que é mais irrelevante e insignificante”. Neste ponto em parte esta Freud, pois os conteúdos manifestos do sonho estariam realmente ligados a conteúdos insignificantes da vigília ou conteúdos de ligação somática provenientes do dia anterior ou ao próprio momento do sonho, estes mesmos, insignificantes perto do real significado do sonho, seu significado oculto, chamado por Freud de pensamento onírico, seu significado latente.
Jung começa sua critica a analise de sonhos Freudiana neste ponto ao dizer “A suposição do sonho querer encobrir não passa de uma visão antropomórfica. Nenhum filólogo pensaria isso de uma inscrição sânscrita ou cuneiforme. Há uma máxima no Talmude que diz que o sonho é a sua própria interpretação.Ele é a totalidade de si próprio”. (Melo, 2002, 2).
A partir do que dissemos e da critica de Jung devemos analisar de que modo o sonho para Freud se constitui num ocultamento de um conteúdo e se assim o for, pensemos o motivo de tal hipótese. O doutor Sigsmund nos fala: “O conteúdo do sonho (...), é expresso, por assim dizer, numa escrita pictográfica cujos caracteres tem de ser individualmente transpostos para a linguagem dos pensamentos do sonho. Se tentássemos ler esses caracteres segundo seu valor pictórico, e não de acordo com sua relação simbólica, seriamos induzidos ao erro”.(Freud, 1900, p.276).
Quando Freud aponta a necessidade da interpretação simbólica, ao invés da observação pictórica, já temos ai uma luz sobre os processos do sonho, que são dois, a condensação e o deslocamento. Freud explicita em seu livro a interpretação dos sonhos este mecanismo da seguinte forma “(...) no trabalho dos sonhos, está em ação uma força psíquica que, por um lado, despoja os elementos com alto valor psíquico de sua intensidade, e, por outro, por meio da sobredeterminação, cria, a partir de elementos de baixo valor psíquico, novos valores, que depois penetram no conteúdo do sonho. Se esse for o caso, ocorrem uma transferência e um deslocamento de intensidades psíquicas no processo de formação do sonho, e é como resultado destes que se verifica a diferença entre o texto do contudo do sonho e dos pensamentos oníricos. O processo que estamos aqui presumindo é nada menos do que a parcela essencial do trabalho do sonho, merecendo ser descrito como o ‘deslocamento onírico’” (ibid, p.305). E sobre os resultados do deslocamento ele diz: “A conseqüência do deslocamento é que o conteúdo do sonho não se assemelha mais ao núcleo dos pensamentos oníricos e que o sonho não apresenta mais do que uma distorção do desejo onírico que existe no inconsciente”.(ibid, p.306) Cabe também aqui relatar que existe no trabalho de Freud dois deslocamentos diferentes que, apesar de similares não podem ser confundidos. Os Lacanianos costumam chamar o processo de condensação do sonho de metáfora e o deslocamento de metonímia. A metonímia ai exposta ao que me parece (segundo observações de discursos de professores Lacanianos) se refere ao outro tipo de deslocamento que ainda não foi abordado.
Agora seria interessante que entrássemos na condensação para a melhor compreensão do modo ao qual os sonhos se utilizam para ocultar seus conteúdos latentes, os quais, se devidamente mostrados a consciência gerariam uma enorme angustia¹ (segundo a definição inicial de angustia para Freud) já que são conteúdos que entram em choque necessariamente com a cultura e a civilização. Esse mecanismo que sempre procura o prazer é chamado por Freud de principio de prazer-desprezer (lust-unlust ou principio de desprazer no inicio) e a posteriori chamado finalmente de principio de prazer². A condensação, finalmente definida, se refere a um mecanismo de aglutinamento de elementos em um só elemento, ou se preferirem, um grande numero de significados no mesmo significante ou pictografia, e o numero possível de significados condensados neste significante é impossível de conhecer, isto muito se parece na verdade com a idéia de símbolo em Jung, apesar de aqui estarmos em outra idéia lingüística e de não ocultamento. Esta idéia de símbolo seria justamente a idéia de “elemento” plurissignificativo, ou seja, com muitos/infinitos significados. Essa impossibilidade de ver o sonho em si fica explicita quando Freud diz: “Mesmo que a solução pareça satisfatória e sem lacunas, resta sempre a possibilidade de que o sonho tenha ainda um outro sentido. Rigorosamente falando, portanto, é impossível determinar o volume da condensação”.
Freud parece se afastar da idéia de não contradição aristotélica por um momento, no que se refere aos sonhos quando diz: “A alternativa ‘ou...ou’ não pode ser expressa em ambos, seja de que maneira for. Ambos as alternativas costumam ser inseridas no texto do sonho como se fossem igualmente validos”. Neste momento Freud parece chegar inclusive mais perto da idéia estruturalista, pois segundo Cardoso(2000) uma das características do estruturalismo seria “abandono dos cortes radicais (‘ou/ou’, substituídos pela formula ‘e/também’)”. Contudo, Freud não se demora a largar esta idéia como na idéia dos sonhos apresentarem em algumas ocasiões “justamente o oposto”, ou seja, vira ao avesso uma idéia para de mostrar, também nega a hipótese do “e/também” nos mecanismos de “identificação” e “avesso”, o avesso seria justamente o já citado “justamente o oposto”.
Interessante também é falar que na idéia freudiana o inconsciente, se não sempre, quase sempre, trabalha através da linguagem. Segundo alguns lacanianos, o inconsciente é linguagem. Podemos ler na obra de Freud o motivo do uso abusivo de ligações lingüísticas no sonho, o que, no entanto, ao meu ver, não determina essa “linguagem pura e simplesmente”. O trecho diz: “(...) todo o campo do chiste verbal é posto a disposição do trabalho do sonho. Não há por que nos surpreendermos com o papel desempenhado pelas palavras na formação dos sonhos. As palavras, por serem o ponto nodal de numerosas representações, podem ser consideradas como predestinadas à ambigüidade”. O motivo pelo qual me leva a crer em não crer numa total determinação lingüística nos sonhos se refere também ao aos símbolos permanentes que Freud apesar de dar a eles menor valia falará sobre eles também. Exemplifico minha fala: “Em alguns casos, o elemento comum entre o símbolo e o que ele representa é obvio; em outros casos, acha-se oculto, e a escolha do símbolo parece enigmática. São justamente esses últimos casos que devem ser capazes de lançar luz sobre o sentido final da relação simbólica, e eles indicam que esta é de natureza genética. As coisas que hoje estão simbolicamente ligadas provavelmente estiveram unidas em épocas pré-históricas pela identidade conceitual e lingüística”. (Freud, 1900, 396).
Um exemplo desses sonhos simbólicos típicos para Freud seriam os sonhos com imperadores e imperadoras, representando consecutivamente, pai e mãe, as decidas de escada como ato sexual, etc. Agora mostraremos um trecho de um sonho com sua devida interpretação pelo doutor:
“Insiro aqui o sonho 'florido' de uma de minhas pacientes que já prometi registrar. Indiquei por meio de grifos os elementos nele presentes que devem receber uma interpretação sexual. A sonhadora perdeu muito de sua simpatia por esse lindo sonho depois que ele foi interpretado.
(a) Sonho Introdutório: Ela encontrou na cozinha, onde estavam suas duas empregas, e as repreendeu por não terem aprontado seu ‘lanchinho’. Ao mesmo tempo, viu uma grande quantidade de louça emborcada para secar, louça comum de barro amontoada em pilhas, acréscimo posterior. As duas empregadas foram buscar água e tiveram de entrar numa espécie de rio que chegava ate bem junto da casa, entrando pelo quintal.
(b) Sonho Principal: Ela estava descendo de uma elevação (obs: sua alta linhagem: uma antítese desejada ao sonho introdutório) sobre umas paliçadas ou cercas de construção estranha reunidas para formar grandes painéis que consistiam em quadrinhos de pau-a-pique (obs2: imagem composta que unia dois locais: o que se conhecia como ‘sótão’ de sua casa, onde ela costumava brincar com o irmão, o objeto de suas fantasias posteriores, e a fazenda de um tio malvado que costumava implicar com ela.). Não eram feitos para subir; ela teve dificuldade em encontrar um lugar onde por os pés e ficou contente por seu vestido não ter-se prendido em lugar nenhum, de modo que ela continuou respeitável a medida que prosseguia (obs3: Uma antítese desejada de uma lembrança real da fazendo do tio, onde ela costumava tirar a roupa enquanto dormia). Ela segurava um GRANDE RAMO na mão (obs4: tal como o anjo carrega o ramalhete de lírios nos quadros da Anunciação.); na realidade, era como uma arvore, todo recoberto de FLORES VERMELHAS, e se ramificava e espelhava (obs5: Para explicação dessa imagem composta, ver p. 316; inocência, menstruação, A Dama das Camélias). Havia uma idéia de que fossem FLORES de cerejeira; mas também pareciam CAMELIAS duplas, embora, é claro, estas não cresçam em arvores. Ao descer, ela estava primeiro com UM, depois, de repente, com DOIS, e depois com UM outra vez (obs6: referindo-se a multiplicidade de pessoas envolvidas em sua fantasia). Ao chegar lá embaixo, as FLORES da parte inferior já estavam bem DESBOTADAS. Então, depois que já havia descido, ela viu um criado que – sentia-se inclinada a dizer- estava penteando uma arvore semelhante, ou seja, estava usando um PEDAÇO DE MADEIRA para arrancar umas MECHAS ESPESSAS DE CABELO que dela pendiam como musgo. Outros trabalhadores haviam cortado RAMOS semelhantes de um JARDIM e tinham-nos jogado na ESTRADA, onde FICARAM CAIDOS, de modo que MUITAS PESSOAS PEGARAM ALGUNS. Mas ela perguntou se isso estava certo –se podia PEGAR UM TAMBEM (obs7: Isto é, se poderia puxar um, ou seja, masturbar-se [‘Sich einen herunteirreissen’ ou ‘ausreissen’{literalmente, ‘dar uma puxada para baixo’ ou ‘para fora’} são termos alemães vulgares que significam ‘masturbar-se]). Um HOMEM jovem (alguém que ela conhecia, um forasteiro) estava de pé no jardim; dirigiu-se a ele para perguntar de que modo RAMOS como aqueles poderiam ser TRANSPLANTADOS PARA SEU PROPRIO JARDIM (obs8: o ramo já representava há algum tempo o órgão genital masculino; alias, também fazia uma alusão clara a seu sobrenome). Ele a abraçou, ao que ela se debateu e perguntou o que ele estava pensando, e se achava que podiam abraçá-la daquela maneira. Ele lhe respondeu que não havia mal nenhum, que era permitido (Isso, bem como o que vem a seguir, relacionava-se com as precauções no casamento). Em seguida, disse estar disposto a entrar no OUTO JARDIM com ela, para lhe mostrar como era feito o plantio, e acrescentou algo que ela não consegiu entender bem: ‘Seja como for, preciso de três JARDAS (depois ela forneceu esse dado como três jardas quadradas) ou três braças de terra’. Era como se ele lhe estivesse pedindo alguma coisa em troca de sua boa vontade, como BURLAR alguma lei, para tirar vantagem disso sem causar mal a ela. Se ele realmente lhe mostrou algo, ela não tinha nenhuma idéia.
Esse sonho, que expus em virtude de seus elementos simbólicos, pode ser descrito como ‘biográfico’”. (Freud, 1900, p.342-344).
Agora poderíamos tencionar a adentrar o universo simbólico junguiano que jaz em sua compreensão dos sonhos, contudo, esta introdução será totalmente incompleta visto a falta de leitura sobre o tema. Para iniciar o tema, nada melhor que uma frase de William Blake:
“Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo pareceria ao homem como realmente é, infinito.” William Blake
Para começar a entender a nova visão de Jung será interessante primeiro analisarmos a visão de Freud sobre a natureza para estabelecermos uma antítese e criar uma coerência no texto como um todo, segundo Tarnas, com Freud: “a luta darwiniana com a Natureza assumia novas dimensões, o Homem via-se agora obrigado a conviver em eterna luta com sua própria natureza. Não apenas Deus era agora exposto como projeção infantil primitiva, mas o próprio ego humano consciente com sua louvável virtude da razão –ultimo bastão a separar o Homem da Natureza- caíra, não passando agora de evolução recente e precária do id primordial”. (Tarnas, 1991).
Jung saiu da idéia de que os sonhos representam sempre conteúdos empíricos, sejam eles de um passado longínquo ou de experiências recentes, dizendo que “as idéias e imagens contidas no sonho não podem ser explicadas apenas em termos de memória; expressam pensamentos novos que ainda não chegaram ao limiar da consciência”.(Jung, 1964).
Os sonhos, por muitas vezes expressarem conteúdos do inconsciente trazem elementos que não precisam conter lógica ou linearidade, visto que, o proprio inconsciente não possui tais características, ele contem opostos sem o menor problema, o problema na verdade so passa a existir quando este conteúdo se torna consciente.
Sobre a metodologia da interpretação Jung diz após falar que o sonho é a totalidade de si proprio, “Por isso ‘emprego o método filológico usado na analise de textos difíceis, tratando os sonhos pelo mesmo sistema (...) Antes de tudo devemos evitar especulações e teorias ao lidarmos com processos tão misteriosos como dos sonhos. Não devemos esquecer que durante milhares de anos homens inteligentes de grande conhecimento e experiência tiveram as mais diversas concepções sobre esse assunto”. (Jung apud Melo, 2002, 2).
A analise dos sonhos nem sempre parte de um único sonho para Jung, como ele diz “Não gosto de analisar um único sonho em separado, pois a interpretação seria arbitraria. Pode-se especular o que bem se entender a respeito de um sonho, mas quando comparamos uma serie de, digamos 20, ou 100 deles, então poderemos ver coisas realmente interessantes. Enxerga-se o processo que se desenvolve no inconsciente, noite após noite, e a continuidade da psique inconsciente estendendo-se através do dia e da noite.” (Jung, 1935).
Continuando a falar sobre a interpretação, citamos Jung em outro trecho "o que faço é o seguinte: Adoto o método filológico que esta bem longe de ser livre-associação, aplicando um principio lógico - a amplificação, que consiste simplesmente em estabelecer paralelos. Por exemplo, no caso de uma palavra muito rara, com a qual nunca antes nos defrontamos, tenta-se encontrar passagens de textos paralelos, se possível, aplicações paralelas, onde a palavra ocorra“ (Jung, 1935).
Partindo dos sonhos, podemos ter acesso ao inconsciente coletivo, sendo assim, o sonho na psicoterapia junguiana é elemento primordial, uma “expressão do inconsciente. E são igualmente simbólicos”. O inconsciente se manifesta através de símbolos, onde “uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa alem do seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem um aspecto ‘inconsciente’ mais amplo, que nunca é precisamente definido ou de todo explicado. E nem podemos ter esperanças de defini-la ou explicá-la. Quando a mente explora um símbolo, é conduzida a idéias que estão fora do alcance da nossa razão.” (Jung, 1964).
Jung, ao invés de partir das livres associações que muitas vezes afastavam-se muito dos sonhos , observou que melhor seria “concentrar-me nas associações com o próprio sonho, convencido de que o sonho expressaria o que de especifico o inconsciente estivesse tentando dizer”(ibid), ou melhor “o método que desenvolvi se assemelha mais a um movimento cincunvoluntorio cujo centro é a imagem do sonho. Trabalho em redor da imagem do sonho e desprezo qualquer tentativa do sonhador para dela escapar. Inúmeras vezes na minha atividade profissional, tive que repetir a frase ‘Vamos voltar ao seu sonho?’”(ibid). Nas palavras de Jung “Eu desejava manter-me o mais próximo possível do sonho, excluindo todas as idéias e associações irrelevantes que ele pudesse evocar”. Sem duvida Jung não negava a possibilidade de através dessas associações chegar a complexos inconscientes (aqui referimo-nos ao inconsciente pessoal), mas observou que existiam outros métodos para tal, como o teste de associação de palavras, e os sonhos especificamente “tem uma significação própria, mesmo quando provocados por alguma perturbação emocional em que estejam também envolvidos os complexos habituais dos indivíduos”.
O rompimento de Jung com Freud, pode ser considerado “o rompimento com o seu mestre e amigo em função das criticas, não aceitos por Freud, que Jung faz, a época, a teoria psicanalista, principalmente, ao primado da sexualidade como causa da psicodinâmica individual” (Cardoso 2002). Na questão dos sonhos, Jung nos faz refletir que “A maioria das pessoas sabe, por exemplo, que o ato sexual pode ser simbolizado por uma imensa variedade de imagens (ou representado sob forma alegórica). Cada uma destas imagens pode, por um processo associativo, levar a idéia da relação sexual e aos complexos específicos que incluem no comportamento sexual de um individuo. Mas, da mesma maneira, podemos desenterrar estes complexos graças a um devaneio em torno de um grupo de letras indecifráveis do alfabeto russo. Fui, assim, levado a admitir que um sonho pode conter uma mensagem alem de uma alegoria sexual, e que isto acontece por motivos determinados. Para ilustrar esta observação:
Um homem sonha que enfiou uma chave numa fechadura, ou que esta empunhando um pesado pedaço de pau, ou que esta forçando uma porta com aríete. Cada um destes sonhos pode ser considerado uma alegoria, um símbolo sexual. Mas o fato de o inconsciente ter escolhido, por vontade própria, uma destas imagens especificas – a chave, o pau, ou o aríete- é também de maior significação. A verdadeira tarefa é compreender por que a chave foi escolhida em lugar do pau, ou por que o pau em lugar do aríete.” (Jung, 1964).
Talvez um freudiano disse-se que o “por que” do sonho manifestar-se com uma dessas três maneiras seria as resultantes empíricas do dia anterior ou mesmo as o material que surge durante o sonho provindo de fontes somáticas, como algo machucando o corpo de algum lugar, um barulho captado subliminarmente, ou sonhos típicos dotados de conteúdos hereditários.
Não podemos ver, simplesmente, o disfarce para apreendermos o sentido e o conteúdo dos sonhos simbólicos, Jung falando de um sonho seu diz “Pode-se qualificar este sonho de simbólico porque não representa uma situação de modo direto e sim indiretamente, por meio de uma metáfora, que a principio não percebi. Quando isto acontece (como é freqüente) não se trata de um ‘disfarce’ proposital do sonho; é resultado, apenas, da nossa dificuldade em captar o conteúdo emocional da linguagem ilustrada. De fato, na vida cotidiana precisamos expor nossas idéias de maneira mais exata possível e aprendemos a rejeitar os adornos da fantasia tanto na linguagem quanto nos pensamentos –perdendo, assim, uma qualidade ainda característica da mentalidade primitiva”. (ibid).
A visão de inconsciente em Jung é muito diferente da freudiana, Freud vê os conteúdos ‘primitivos’ da psique como resíduos arcaicos, ou seja, essa “expressão sugere que estes ‘residuos’ são elementos psíquicos que sobrevivem na mente humana há tempos imemoriais. É um ponto de vista característico dos que consideram o inconsciente um simples apêndice do consciente (ou, numa linguagem mais pitoresca, como uma lata de lixo que guarda todo o refugo do consciente)”. (ibid).
Podemos falar que a interpretação dos sonhos para Jung, que trouxe também uma volta do caráter coletivo, mitológico e simbólico ao sonho, pode ser dividida em três diferentes compreensões, a saber:
“1- histórico e de certa forma determinado pelo inconsciente pessoal (de certa forma, porque o pessoal se origina do coletivo através dos arquétipos que estão por trás), cuja causa esta no passado; 2 – teleonômico – que tem uma finalidade/objetivo e é causal- a causa esta no futuro, não estando ligado fundamentalmente a historia afetiva do individuo, mas tem um sentido de meta consciente, lembrando a postura Adleriana (esse termo foi criado pela epistemologia para diferenciar do que traz a informação sobre o caminho a seguir; é o mais difícil de aceitarmos devido a racionalidade cartesiana); 3- o teleológico – guarda um sentido a ser revelado, ainda que possa ser transformado, como por indicação prognostica do sonho inicial, (Stein apud Melo, 1).
O sonho para Jung, ainda possui o que ele chamou de função compensatória, que leva ao equilíbrio da psique, tirando ela das suas unilateralidades. Alem disso o sonho podem “revelar certas situações antes de elas realmente acontecerem. Não é necessariamente um milagre ou uma forma de previsão. Muitas crises de nossa vida tem uma longe historia inconsciente”(ibid). Para terminar o presente ‘artigo’ ou ‘junçao de textos’ apresentemos um sonho que mostra uma situação pré-vista pela sonho, ou, pelo inconsciente (para entender melhor esta idéia seria necessário adentrar o assunto epistemológico do inconsciente, estudando a sua noção de tempo-espaço que nos leva a um estudo sobre a física quântica, já que, Jung desenvolveu os conceitos finais de arquétipos junto com o física Wolfgang Pauli).
“Lembro-me do caso de um homem que se envolveu numa serie de negócios escusos. Como uma espécie de compensação criou uma paixão quase mórbida pelas formas mais arriscadas de alpinismo. Procurava ‘erguer-se sobre si mesmo’. Uma noite sonhou que ao escalar o pico de uma montanha muito alta precipitava-se no espaço vazio. Quando me contou o sonho, verifiquei imediatamente o perigo que corria e tentei reforçar ainda mais aquele aviso para persuadi-lo a moderar-se. Cheguei mesmo a dizer-lhe que o sonho pressagiava sua morte num acidente de alpinismo. Foi inútil. Seis meses mais tarde ‘precipitou-se no espaço vazio’. Uma guia o observava enquanto, com um companheiro, descia por uma corda ate um local de difícil acesso. O amigo encontrara um apoio temporário para os pés, numa saliência, e ele o seguia. Repentinamente, soltou a corda como se (segundo seu guia) estivesse ‘se precipitando no ar’. Caiu sobre o amigo, ambos despencaram montanha abaixo e morreram.” (ibid).
Jung se aproximando de Nietzsche salienta que “Não podemos nos permitir nenhuma ingenuidade no estudo dos sonhos. Eles tem sua origem em um espírito que não é bem humano, e sim um sopro da natureza – o espírito de uma deusa bela e generosa, mas também cruel. Se quisermos caracterizar este espírito, vamos aproximar-nos bem melhor dele na esfera das mitologias antigas e nas fabulas das florestas primitivas do que na consciência do homem moderno”. (ibid).
1 - “A angustia é um impulso libidinal que tem origem no inconsciente e é inibido pelo pré-consciente”. (apesar de ser modificado segundo Freud a posteriori)
2 - (referencia: Freud, obras completas, Volume 7, p.237, 238)
Bibilografia:
1 – Sigmund Freud, Interpretação dos Sonhos, 1900.
2 – Sigmund Freud, Mal-Estar na Civilização,
3 – Heloisa Cardoso, O que você deve saber para entender Jung – I fundamentos do pensamento junguiano, 2002
4 – Friederich Nietzsche, A origem da tragédia – proveniente do Espírito da Musica, 1886.
5 – Elizabeth C. Mello, Mergulhando num mar sem fundo, Introdução a epistemologia atual e a clinica junguiana, 2002. (1).
6 – Elizabeth C. Mello, Origem e Totalidade. (2). 2002.
7 – Carl Gustav Jung, O homem e seus Símbolos, 1964.
8 - Carl Gustav Jung, Fundamentos da Psicologia Analitica, 1935.
9 - Richard Tarnas, Epopéia do pensamento ocidental, 1991.
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