Uma mudança brusca ocorreu em nossa sociedade e em nosso atavismo dogmatico é díficil percebe-la. Essa mudança se torna manifesta e é a mudança nos mecanismo do poder; continuamos ainda numa compreensão binária de governantes e governados, repressores e reprimidos como tudo viesse de um único, central, hegemonico e estático poder ideologico. Na sexualidade não é diferente, as compreensões psicanalíticas Freudianas e Reichianas permanecem até os tempos de hoje com a compreensão de que, a burguesia ou a sociedade reprime os indivíduos e estes recalcam seu desejo.
O que acontece é justamente o oposto, a burguesia tem incitado o discurso sobre a sexualidade apartir do seculo XVII e justamente é neste incitamento, que, ela estabeleceu seu novo mecanismo de controle. A troca entre burguesia e aristocracia foi paulatina e de ruptura ao mesmo tempo, como em toda revolução; a burguesia trocou o sangue e a genealogia dos indivíduos (o que tornava a casta nobre) pelo poder da norma. Isso se deu numa lenta diminuição do poder jurídico. A aristocracia que detinha o poder sobre a morte do indivíduo passou para a burguesia que quis controlar a vida dos mesmos. Ao invés de matar o poder de normalizar, dominar. Ja dizia Foucault "Quanto a nós, estamos em uma sociedade do 'sexo', ou melhor, 'de sexualidade': os mecanismos de poder se dirigem ao corpo, a vida, ao que a faz proliferar, ao que reforça a espécie, seu vigor, sua capacidade de dominar, ou sua aptidão para ser utilizada. Saúde, progenitura, raça, futuro da espécie, vitalidade do corpo social, o poder fala da sexualidade e para a sexualidade; quanto a esta, não é marca ou símbolo, é objeto e alvo." A tão procurada e temida, sexualidade.
Apartir dai se insere um dominio dos discursos, a classificação e rotulação frequente. A criação de sub-grupos no dominio da sexualidade. Isto não foi calcado sob o egide de um discurso único, mas de diversos saberes-poderes que se interagem para criar uma teoria da sexualidade, os saberes-poderes que são justamente o poder de saber, a verdade do sexo. Nisto podemos ter uma união de ciências distintas como demografia, medicina, psiquiatria, psicologia, entre outras com saberes que, ora se integram, ora são antagonicos entre si e sempre são dinamicos.
Obviamente a troca da enfase na norma ao invés do poder juridico não foi absoluta e o poder juridico permanece forte contra os que ainda fogem ao poder das normas. A repressão e o recalque continuam existindo mas também podemos considerar que não são mais a enfase dos mecanismos de controles.
Um dos mecanismos utilizados nas normas é a hierarquização dos saberes-poderes, trabalhando com o dito, o não dito e o interdito. Hoje existem locais apropriados, maneiras apropriadas, modelos apropriados de conduta para cada momento situação. Por exemplo, quando falamos de homosexualismo temos que dize-lo de modo pejorativo e como comédia, em forma de pequenas piadas; quando falamos de sexo existe local apropriado para dize-lo e isto se modifica de acordo com genero e idade.
Marques de Sade foi um dos divisores de àguas entre poder da soberania, da força, do sangue e o poder da sexualidade. Uma sexualidade em Sade sem norma ou um sangue sexuado. Após vieram Charcot que trouxe o discurso sobre a histeria, Freud sobre a sexualidade infantil, os Eugenistas e depois a psicopatologia o discurso sobre as "patologias sexuais" e assim cada vez mais o discurso sobre a sexualidade foi se proliferando e criando a normalidade sexual, a sexualidade burguesa, enquanto o "proletariado" permaneceu "sem uma sexualidade" até serem inseridos discursos sobre o mesmo; os discursos de controle (natalidade pela demografia, bio-loucura ou bio-patologia pela psiquiatria e medicina) e o discurso de incitação de uma sexualidade libertadora com Wilhelm Reich, porém Reich também incutiu numa normalização sexual, no seu livro Análise do Caráter ele faz divisões bem rígidas entre diversas patologias sexuais, inclusiva na impossibilidade de orgasmo e livre fluxo de orgone (ou libido) de "neuroticos-compulsivos, histéricos, sadomasoquistas, fálico-narcisistas, entre estes pessoas com energia voltada para zonas erogenas". Reich, portanto, fez a sua crítica histórico-política dentro dos mecanismos de sexualidade, foi segundo Foucault uma "reversão tática no grande dispositivo da sexualidade. "
Os modos de sexualidade então são inseridos em nossos corpos onde existimos de acordo com nossa sexualidade. A analítica de dominação e controle. Surgem esteriótipos de cada modelo de sexualidade, o machão, o viadinho, o enrustido, a lesbica, o libertino, etc... Inclusive, foi apartir desta inserção nos corpos que foram "legitimados" vários modelos de sexualidade (dentro da hierarquia) como o homosexual que só se constituiu como homosexual quando inserido no próprio corpo a marca de sua sexualidade. Não que, antes não existissem homosexuais, tanto existiam como poderiam em algumas épocas ser até queimados vivos. Todavia não existia uma nítida distinção tanto de conduta, persona, ou algo flagrante entre um homosexual e um heterosexual e a jurisdição era algo raro neste aspecto.
Deveriamos também aqui, fazer uma distinção entre as teorias da sexualidade ocidentais e as orientais, entre a scientia sexualis e ars erótica. A ars erótica procura o prazer do sexo, "Na arte erótica, a verdade é extraída do próprio prazer, encarado como prática e recolhido como experiência; não é por referência a uma lei absoluta do permitido e proibido, nem a um critério de utilidade, que o prazer é levado em consideração, mas, ao contrário, em relação a si mesmo..". E, enquanto a ars erótica oriental se torna a episteme do prazer, nossa ocidental scientia sexualis procura a verdade do sexo em sua confissão, procura sua patologias, sua analítica, procura dominar a sexualidade em todo dominio que ela esteja, até o mais obscuro. É justamente ai que encontramos o prazer do poder; na própria procura da verdade, no próprio dominio, ou seja, no proprio saber. Exatamente por isso, desde o incio do texto usamos a palavra saber vinculada ao poder; saber-poder.
domingo, julho 31, 2005
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