sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Liçoes de Dom Juan.


Pequena parte do livro: Porta para o infinito de Carlos Castaneda.



Dialogo entre Dom Juan e Castaneda:

- Já lhe dei todas as informações necessárias. Agora cabo a você a responsabilidade de conseguir suficiente poder pessoal para fazer pender a balança.
- Você esta falando por metáforas – disse eu – Diga sinceramente. Diga exatamente o que devo fazer. Se já me disse, digamos que já esqueci.
Dom Juan riu-se e deitou-se, pondo os braços por baixo da cabeça.
- Você sabe exatamente do que precisa – disse ele.
Expliquei-lhe que às vezes achava que sabia, mas que a maior parte do tempo não tinha confiança em mim.
- Acho que você está misturando as coisas – prosseguiu ele. – A auto confiança do guerreiro não é a mesma que a do homem comum. Este busca a certeza aos olhos do espectador e chama a isso autoconfiança. O guerreiro busca a impecabilidade a seus próprios olhos e chama a isso humildade. O homem comum está agarrado a seus semelhantes, enquanto o guerreiro só se agarra a si mesmo. Talvez você esteja perseguindo uma quimera. Busca a autoconfiança do homem comum, enquanto devia estar atrás da humildade do guerreiro. A diferença entre os dois é notável. A confiança em si significa saber algo com certeza; a humildade significa ser impecável em suas ações e sentimentos.
- Estive tentando viver de acordo com suas sugestões – disse eu. – Posso não ser o melhor, mas sou o melhor de mim mesmo. Isso é ser impecável?
- Não. Tem de fazer mais que isso. Você tem de se esforçar ao maximo, o tempo todo.
- Mas isso é loucura, Dom Juan. Ninguém o consegue.
- Há muita coisa que você faz agora que lhe teria parecido loucura há 10 anos. Essas coisas em si não mudaram, mas sua concepção de si mesmo mudou; o que antes era impossível é hoje inteiramente possivel, e talvez que o sucesso total em se modificar seja apenas uma questão de tempo. Nesse assunto, o único caminho aberto a um guerreiro é agir persistentemente e sem reservas. Você já sabe o suficiente sobre o procedimento do guerreiro para agir de acordo, mas seus velhos hábitos e rotinas o atrapalham.

E varias paginas a frente:

- Você ainda não compareceu a seu compromisso – acrescentou.
Eu lhe disse que não me sentia digno e que talvez fosse melhor voltar para casa e voltar ali quando me sentisse mais forte.
- Você esta dizendo besteira – retrucou ele – Um guerreiro aceita seu destino, seja qual for, e o aceita na mais total humildade. Aceita com humildade aquilo que ele é, não como fonte de pesar, mas como um desafio vivo. É preciso tempo para cada um de nos compreender esse ponto e vivê-lo plenamente. Eu, por exemplo, detestava a simples menção da palavra humildade. Sou índio e nos índios sempre fomos humildes e nunca fizemos outra coisa senão curvar a cabeça. Pensei que a humildade não fazia parte da vida de um guerreiro. Mas estava enganado! Hoje sei que a humildade de um guerreiro não é a humildade de um mendigo. O guerreiro não curva a cabeça para ninguém, mas ao mesmo tempo não permite que pessoa alguma curve a cabeça para ele. O mendigo, ao contrario, prostra-se de joelhos por qualquer coisa e lambe as botas de quem quer que ele considere seu superior; mas, ao mesmo tempo, exige que alguém que lhe seja inferior lhe lamba as botas. Foi por isso que lhe disse antes que eu não sabia como se sentiam os mestres. Só conheço a humildade do guerreiro, e isso nunca permitirá que eu seja mestre de alguém.

Nenhum comentário: