domingo, junho 10, 2007

Desterritorialização


Um sopro de vida. Toquei meus lábios aos dela. Sol passageiro, vento frio. Corri estando no mesmo lugar e fiz movimentos repetitivos. Seria possível algum prazer? Armários esvaziavam seus bolsos ao meu lado, lado a lado, percebi que eu também era um deles, um dos mais firmes, de pesadas amarras. Por Deus! Nunca me vi tão só.

Desejei por um minuto uma contração genital mecânica, tensão e descarga. Imaginei-me um computador. Fantasiei. O céu é muito azul pela manhã, mas está frio. Frio em torno de tantos armários, mas ninguém pode ver o que há dentro desses estranhos objetos. Por favor, não me julgue esta manhã. Tribunais e cárceres privados. O olhar dela é como uma lança atravessando um pequeno coelho. Sinto a desproporção de forças, meus olhos tremem, meu coração bate forte. Simpático, não é o moço da esquina, armários não são simpáticos, o sistema nervoso sim, agudo em medo.

Esconda-se, é o grito do fraco. Não é tarde demais, é o grito do esperançoso. Olhei ao meu lado e não havia café da manhã grátis. Não comi nada, sou um armário e isso me enerva profundamente. Meus fuzis queimam sem queimar, minhas paredes se tornaram quentes para evitar qualquer abertura. Minha sombra me espreita, mas deixo-a calada, pois o sol que em mim bate gera a escuridão projetada no chão rasteiro.

Meu metal derrete, já estou descendo ao chão. Talvez eu vaze por um bueiro qualquer e bóie junto com excrementos e outras imundices. Seria grato. Talvez eu possa ser comido por um rato que servirá de experimentos de laboratório. Seria ótimo ser dessecado. Será que satisfaria minha pulsão exibicionista? Estranhos sentimentos. Não sou mais um armário. Mostro-me ao mundo desesperadamente. Quando me tornei a história de uma história?

Afasta por favor! Esse olhar de repulsa, esse olhar julgador, essa cara de espanto. Trago a superfície os restos do esgoto. Sinto-me culpado. Talvez se eu tivesse ficado lá, talvez se eu ainda fosse um armário... Estranhas pessoas me olham, de jaleco branco, óculos e caras curiosas. Sou metal, não sou mais rato. Encaro-os. Solto raios, tremam! Chuva acida, desejo a morte. Morram! Sob a égide da lua meu metal se transforma em prata. Brilho, mas não sou artista. Talvez apenas um metaleiro. Um prateado para servir comida a sacerdotisas.

Após a chuva brilha um arco-iris. Ainda não tão brilhante. É um arco-iris de cores, de culpas, é um arco-íris que se forma da chuva necessária. Eu amo o arco-iris. Ele brilha para mim, e eu brilho para ele. Quisera eu vê-lo unido a lua numa orquestra, mas não me sinto harmônico. Não sou tão forte para ser um deus. Canto de alguma forma, pedindo o perdão da natureza. Não me deixe só. Sob o lastro de tragédias e maravilhas, vejo uma estrada. Caminho.

Um comentário:

JH disse...

que beleza de poesia proseira, sô!