Estou a muito tempo sem publicar nada, mas a maioria dos leitores desse blog, como me conhecem ou fora da Internet, ou por contatos de MSN e/ou orkut sabem que isso se deve a minha recente paternidade, alem de compromissos de estágio, faculdade, etc. Voltei a escrever neste pequeno texto, em linhas diretas e sem citações ou leitura de livros, algo um pouco mais informal. Não que eu não venha escrevendo, na verdade aquele artigo que publiquei aqui: “Para além do positivismo...” está agora mais que dobrado de tamanho e bem melhor em qualidade, mas só o publicarei pronto posteriormente. No momento voltemo-nos ao nosso tema, que achei interessante publicar mais para criar um referencial de debate e poder desenferrujar o blog - e meus dedos.
Vivemos numa época onde a morte é muitas vezes tratada de forma imprópria, ou seja, é tratada não com pessoas singulares, com suas metas e mitos individuais, mas é tratada como estatística. Nossos hospitais procuram ampliar a vida de qualquer maneira, como se essa fosse a verdadeira questão a ser colocada: concertar a máquina humana para ampliar sua durabilidade, proteger o computador de possíveis interferências que prejudiquem seu funcionamento adaptado ao mundo do trabalho, da família, em suma, da sociedade.
Qual é o sentido da vida? Esta seria uma pergunta coletiva, que se perde em respostas de livros de auto-ajuda, que só afastam a pessoa dela mesma, mas quando voltamo-nos a nossa própria história a “Coisa” se desvela: “Qual é o sentido da minha vida?”. Para mim, um jovem tocando a vida adulta, é difícil imaginar algum sentido mais profundo, uma contemplação e re-significação do que se passou em totalidade, no entanto, a pergunta sobre a morte pode gerar ares diversos. A morte se insinua na vida.
Já dizia Sartre que a morte é um ato singular, afinal, ninguém pode morrer por mim. Se eu morro pela religião, pela política, pela família, pela ideologia ou por uma nação, qualquer um pode morrer por mim, qualquer um poderia sacrificar sua vida em nome dos mesmos ideais, no entanto, quando lido com a morte, com meu estado de morrer, estou eu e minha negação, meu não-ser, frente-a-frente.
Se a vida é constituída de reversibilidade, isto é, se toda causa gera sempre o mesmo efeito – se voltando no tempo da resposta voltássemos sempre ao mesmo estimulo – saberíamos quando, como e talvez mesmo onde morrer, já que observando as diversas experiências alheias estaríamos mais ou menos precavidos quanto às possibilidades e probabilidades reais da morte, todavia, a coisa não é tão simples. Existe um tempo único, irreversível, um tempo acausal, não determinista, onde o “destino” pode ocorrer. Podemos estar num determinado momento numa grama extensa, sem nenhuma culpa, e sermos espancados pelos erros alheios, podemos ser atropelados por um motorista bêbado que disputava um pega. Existe algo de incontrolável, inconstruivel na vida e é esse tempo que nos coloca como abertura de possibilidade de sentido, mas não possibilidade de dominar a vida.
Deveríamos abandonar de vez o projeto gengiskaniano de poder-sobre para nos doarmos ao poder enquanto potencia, enquanto possibilidade de possibilidade. Dessa forma a morte ao ser um estado próprio em potencial é presentificada, e ao se presentificar ela nos coloca em relação ao mistério. Viver é entrar em contato com o sagrado. Se podemos morrer a qualquer hora deveríamos viver a vida com plenitude. Aqui abrimos as portas as escolhas, mas ao escolher sempre perdemos, escolher é decisão, de-cisão. Cindimos e perdemos nosso desejo de onipotência infantil: não podemos ser tudo, mas precisamos ser nos mesmos. Poderíamos entrar em outros conceitos existenciais como a responsabilidade, mas voltemos com a morte.
A morte nos faz tremer e certamente isso é relativamente cultural e relativamente arquetípico, já que sempre criamos rituais para lidarmos com a morte, existe uma necessidade de agüentarmos, suportarmos ela, além do fato da morte ser algo irrefreável, ontológico, por ser assim dizer. Poderíamos sobre um ponto de vista racional, como o da psicanálise, falar que os rituais e explicações alem da morte são mecanismos de defesa. Protegemos a nos mesmos da morte, do medo de morrer, dessa forma criamos rituais e religiões que embasem paraísos e vidas além da morte. Essa explicação é valiosa, no entanto, unilateral. Poderíamos dizer, então, que toda criação teórica é uma forma de defesa, uma forma de defesa contra a angustia da relação que envolve o “inferno que é o outro” ou uma tentativa teleológica de completar a Falta primordial que sentimos no rompimento da relação simbiótica com o Outro, a função materna.
Muito justo. No entanto, teríamos também que considerar mesmo qualquer modo de abertura de possibilidades como defesa, no final, os modos de defesa do ego poderiam ser ampliados a quase todos os tipos de fenômeno reduzindo a vida humana a uma procura de evitar a dor. Este princípio racional e causal é insuficiente para toda explicação, em primeiro lugar porque ignora o social, as flexões culturais que podem levar a um tipo de comportamento, seja religioso, seja de formação teórica, teológica em relação a morte ou a outros fenômenos. Em última análise, a partir do referencial causal, poderíamos dizer que generalizar o mecanismo de defesa é uma defesa contra aspectos irracionais da vida.
Dito isto podemos também abrir outras portas de observação dos modos de lidar com o morrer. Os modos de atribuição de sentido a vida, na relação com a visão da morte, abrem portas tanto de comportamentos diferentes e próprios (singulares), como pode ser um encontro do sentido da vida que estava latente, um sentido que faz a pessoa encontrar sua totalidade. Da mesma forma o próprio stress, por exemplo, considerado prejudicial pode ser algo que abra novas portas, como um atleta stressado que vence uma corrida por causa da pressão exercida sobre ele, de certa forma ultrapassando seus próprios limites.
Além do que, a partir de um referencial finalista, poderíamos questionar: “Qual o sentido de reduzirmos todos esses comportamentos a mero fator defensivo?”, “Aonde queremos chegar com isso?”. O referencial do sentido pode tanto se tornar unilateral, dogmático, como permitir suportar situações insuportáveis, é como disse Nietzsche: “Quem tem um porque viver pode suportar quase qualquer como”, o sentido pode ultrapassar barreiras biológicas e sociais. Se é fato que dificilmente escaparemos aos condicionamentos da vida coletiva, de ser um decadant, por outro podemos tentar nos aventurar. A morte é o que permite essa aventura, sem a morte, num sentido de perda total da consciência, do ego e do desligamento dos laços que mantinham a unidade corpórea e seu funcionamento, nunca poderíamos estar em devir.
Num paralelo cosmológico, é necessário sair do pré-universo quântico, onde não existia tempo nem espaço, para conhecer polaridades, vida e morte, eu e outro, matéria e anti-matéria, a morte pode ser, portanto, um retorno, um voltar-se a nossa origem e a nossa totalidade. Sem a morte não há vida.
quinta-feira, junho 07, 2007
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Um comentário:
Muito bom esse texto!
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