Em primeiro lugar, não gostaria de gerar expectativas sobre este post, pois ele foi feito com menos rigor que o de praxe. Feito o adendo, vamos ao post propriamente dito.
Podemos dizer, sem muito medo de errar, que a fenomenologia foi um grande avanço para livrar-nos de uma saraivada de pré-conceitos sobre a questão da realidade e sobre a vida das pessoas. A redução eidética, isto é, o movimento do fenomenologo de suspender os juizos prévios sobre um fenômeno (phainomenon) permite que o fenômeno se mostre, se desvele (alethéia) em sua radicalidade na relação com seu observador. O ser humano como sujeito de possibilidades, dá sentido àquilo que aparece e se coloca, mesmo antes de sua reflexão, em relação. Uma relação pré-reflexiva. Em outros cantos, Doutos do saber, intelectuais ou não, tentaram reduzir a realidade a um fragmento que em pouco tempo mofava, como se a realidade pudesse ser reduzida a questões químicas, psicológicas, empíricas ou racionais. É nesta desestratificação, neste movimento de colocar em movimento, que a fenomenologia nos é tão cara. E o mais interessante é que ela nos coloca em devir sem deixar de perder o próprio fenômeno, como acontecia com as infindáveis discussões medievais.
Isso, e uma série de saberes contemporâneos, nos dão margem a pensar a complexidade da realidade. Em última análise, lembrando Edgar Morin, a complexidade não é apenas um conjunto quantitativo gigantesco de relações que se estabelecem num determinado fenômeno, mas também a própria incerteza que aparece na relação com o observado. Quer dizer, a complexidade é a impossibilidade do princípio de identidade se impor de uma vez por todas. Se “A” é “A”, “A” também pode ser “B”, “C” ou “D” e isso simultaneamente. Uma árvore pode ser ao mesmo tempo objeto de estudo de um biólogo, uma sombra para um sol escaldante e uma ligação com a mãe natureza e, ainda assim, ser uma árvore.
No entanto, o que talvez os fenomenologos não percebam, é que estar no mundo é já se colocar em algum mundo. Se pensarmos a realidade como uma única realidade então incorremos no erro de subjugar outras formas de estar no mundo a erros. A forma indutiva não é a salvação da Verdade. Em última análise, não é mais que uma interpretação dizer que existe per si um caminho “as coisas mesmas”. Este caminho é parte de uma fantasia mais ou menos importante para o pensamento ocidental e se quisermos de fato colocar a questão da realidade em devir é fundamental que pensemos as múltiplas possibilidades de realidade.
Quando alguém entra em um estado alterado de consciência, o que podemos dizer? Podemos pensar: esta pessoa está alucinando (se ela vê, ouve, sente algo que contém as propriedades de uma senso-percepção padrão e que não tem estímulo perceptível as outras pessoas), esta pessoa está delirando (se possui pensamentos persistentes e não adaptados a uma determinada cultura, sendo impermeáveis à argumentação lógica), esta pessoa tem uma ilusão (percebe de forma errônea determinada estimulação que existe no mundo consensual), ou ainda que esta pessoa está adaptada a uma determinada cultura que crê neste tipo de coisa e, por conseguinte, é uma pessoa normal enganada, é um possível iluminado, ou é um esquizofrênico em potencial.
Claro que poderíamos multiplicar este quadro infindávelmente, mas também não se trata disso. O encontro com outras realidades que não a realidade padrão, que Robert Anton Wilson chama de “Túnel Realidade do Consenso” é normalmente pensado como um erro de percepção, erro de juízo, ou qualquer outro tipo de julgamento equivocado. Isso se deve a esta reflexão de que a realidade deva ser isto ou aquilo outro, uma limitação que se por um lado faz parte de nossas possibilidades organísmicas (nosso padrão orgânico/genético) por outro faz parte da uma longa aprendizagem social que inclusive molda e permite um determinado caminho do desenvolvimento biológico, cognitivo, perceptivo...
Se é possível encontrar elementos isomórficos num determinado mosaico fenomenal, por exemplo, numa tomografia computadorizada de cérebros de “esquizofrênicos” em crise, não significa que as realidades existenciais sejam compartilhadas. Da mesma forma não é porque a dependência de drogas geralmente passe pela alteração da via dopaminérgica (aumento do neurotransmissor dopamina passando pela via meso-límibica, passando pelo núcleo accumbens até o córtex pré-frontal) que a dependência seja formada sempre numa mesma e única configuração de real. Ou mesmo que a mudança nestas regiões cerebrais resulte inevitavelmente numa dependência.
Com isto não quero dizer que a realidade seja psicológica, bioquímica ou outro reducionismo qualquer. Pretendo, em primeiro lugar, lembrar da frase de Paul Éluard: "Existem outros mundos, mas estão neste” para sustentar a idéia de um monismo poli-realista. As realidades, como túneis realidade, são ao mesmo tempo diferenciadas e inter-relacionadas. Uma pessoa que vê algo não-padrão e que não percebe seu corpo na realidade consensual pode morrer para “nossa” realidade assim mesmo se tomar um tiro. Evidente que este modo de pensar/sentir não passa de uma fantasia, por outro lado, assim como nossos amigos Sufis ao falar do Alam-al Mithal, esta realidade está longe de ser inócua. Colocar-se em uma fantasia ou ser colocado nela é estar em um mundo com seus riscos, prazeres, liberdades, deveres, etc. O que não podemos dizer é exatamente do que se tratam estes outros mundos. Neste caso, o primeiro momento, é mais justo que nos coloquemos como os fenomenologos – isto se não podemos nos colocar como experimentadores – e perguntar a esta outra realidade, a este sujeito que se coloca ai, como é esta outra realidade, como é esta experiência e não dizer de pré-mão o que seria o que ali ocorre singularmente.
Jung em seu artigo “O real e o Supra-real” de 1933 dizia que não conhece nada a respeito de um supra-real na medida em que tudo o que age, tenha sido visto ou não, é real. Todo pensamento, fantasia, imaginação é realidade, pois se fosse irrealidade nada saberíamos sobre. E prossegue dizendo que este assunto só se complica quando impomos uma limitação unilateral na idéia de realidade, e re-lembra a frase reducionista – sem dar nome aos bois – de Locke: Nihil est in intellectu quod non antea fuerit in sensu (não existe nada no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos). O pensamento expresso por Jung é a base de uma realidade ampliada (em relação a realidade positivista e materialista), porém, esta realidade monista é ainda formada por sub-tipos de realidade que são vistos por uma minoria de pessoas, as vezes uma ou duas, o que justifica pensarmos sobre as diferenças radicais entre realidades que se engendram dentro desta realidade mais ampla.
O máximo que talvez pudéssemos fazer é perceber se existem certos padrões nesta descensus ad ínferos (decida aos infernos), nem que seja a presença de uma sensação de viajem, de uma vivência anímica de encontro com uma alteridade. Os padrões arquetípicos neste caso nos ajudam a nomear estas singularidades, como ao falar da descida ao que não é possível denominar complexo do Eu (ego) e lembrar os mitos de Hermes ou as vivências em Zagreu (1º Dioniso). Como falar da diferença entre os túneis realidade sofridos de uma “bad trip” e dos encontros com os Jardins do Éden.
A pergunta que se impõe seria: Quais as possíveis finalidades da alteração do estado de consciência? O que há de importante em não limitar as realidades alternativas a meros erros? Elas produzem algo de benéfico? Produzem que tipo de sentido? Estas realidades podem contribuir de alguma forma para o encontro da singularidade de cada um? Qual a relação entre diferentes realidades e o estado onírico? E a idéia de inconsciente? Como se produzem estes estados neuroquimicamente, há correlação entre todos eles?
Por ai vai.
Podemos dizer, sem muito medo de errar, que a fenomenologia foi um grande avanço para livrar-nos de uma saraivada de pré-conceitos sobre a questão da realidade e sobre a vida das pessoas. A redução eidética, isto é, o movimento do fenomenologo de suspender os juizos prévios sobre um fenômeno (phainomenon) permite que o fenômeno se mostre, se desvele (alethéia) em sua radicalidade na relação com seu observador. O ser humano como sujeito de possibilidades, dá sentido àquilo que aparece e se coloca, mesmo antes de sua reflexão, em relação. Uma relação pré-reflexiva. Em outros cantos, Doutos do saber, intelectuais ou não, tentaram reduzir a realidade a um fragmento que em pouco tempo mofava, como se a realidade pudesse ser reduzida a questões químicas, psicológicas, empíricas ou racionais. É nesta desestratificação, neste movimento de colocar em movimento, que a fenomenologia nos é tão cara. E o mais interessante é que ela nos coloca em devir sem deixar de perder o próprio fenômeno, como acontecia com as infindáveis discussões medievais.
Isso, e uma série de saberes contemporâneos, nos dão margem a pensar a complexidade da realidade. Em última análise, lembrando Edgar Morin, a complexidade não é apenas um conjunto quantitativo gigantesco de relações que se estabelecem num determinado fenômeno, mas também a própria incerteza que aparece na relação com o observado. Quer dizer, a complexidade é a impossibilidade do princípio de identidade se impor de uma vez por todas. Se “A” é “A”, “A” também pode ser “B”, “C” ou “D” e isso simultaneamente. Uma árvore pode ser ao mesmo tempo objeto de estudo de um biólogo, uma sombra para um sol escaldante e uma ligação com a mãe natureza e, ainda assim, ser uma árvore.
No entanto, o que talvez os fenomenologos não percebam, é que estar no mundo é já se colocar em algum mundo. Se pensarmos a realidade como uma única realidade então incorremos no erro de subjugar outras formas de estar no mundo a erros. A forma indutiva não é a salvação da Verdade. Em última análise, não é mais que uma interpretação dizer que existe per si um caminho “as coisas mesmas”. Este caminho é parte de uma fantasia mais ou menos importante para o pensamento ocidental e se quisermos de fato colocar a questão da realidade em devir é fundamental que pensemos as múltiplas possibilidades de realidade.
Quando alguém entra em um estado alterado de consciência, o que podemos dizer? Podemos pensar: esta pessoa está alucinando (se ela vê, ouve, sente algo que contém as propriedades de uma senso-percepção padrão e que não tem estímulo perceptível as outras pessoas), esta pessoa está delirando (se possui pensamentos persistentes e não adaptados a uma determinada cultura, sendo impermeáveis à argumentação lógica), esta pessoa tem uma ilusão (percebe de forma errônea determinada estimulação que existe no mundo consensual), ou ainda que esta pessoa está adaptada a uma determinada cultura que crê neste tipo de coisa e, por conseguinte, é uma pessoa normal enganada, é um possível iluminado, ou é um esquizofrênico em potencial.
Claro que poderíamos multiplicar este quadro infindávelmente, mas também não se trata disso. O encontro com outras realidades que não a realidade padrão, que Robert Anton Wilson chama de “Túnel Realidade do Consenso” é normalmente pensado como um erro de percepção, erro de juízo, ou qualquer outro tipo de julgamento equivocado. Isso se deve a esta reflexão de que a realidade deva ser isto ou aquilo outro, uma limitação que se por um lado faz parte de nossas possibilidades organísmicas (nosso padrão orgânico/genético) por outro faz parte da uma longa aprendizagem social que inclusive molda e permite um determinado caminho do desenvolvimento biológico, cognitivo, perceptivo...
Se é possível encontrar elementos isomórficos num determinado mosaico fenomenal, por exemplo, numa tomografia computadorizada de cérebros de “esquizofrênicos” em crise, não significa que as realidades existenciais sejam compartilhadas. Da mesma forma não é porque a dependência de drogas geralmente passe pela alteração da via dopaminérgica (aumento do neurotransmissor dopamina passando pela via meso-límibica, passando pelo núcleo accumbens até o córtex pré-frontal) que a dependência seja formada sempre numa mesma e única configuração de real. Ou mesmo que a mudança nestas regiões cerebrais resulte inevitavelmente numa dependência.
Com isto não quero dizer que a realidade seja psicológica, bioquímica ou outro reducionismo qualquer. Pretendo, em primeiro lugar, lembrar da frase de Paul Éluard: "Existem outros mundos, mas estão neste” para sustentar a idéia de um monismo poli-realista. As realidades, como túneis realidade, são ao mesmo tempo diferenciadas e inter-relacionadas. Uma pessoa que vê algo não-padrão e que não percebe seu corpo na realidade consensual pode morrer para “nossa” realidade assim mesmo se tomar um tiro. Evidente que este modo de pensar/sentir não passa de uma fantasia, por outro lado, assim como nossos amigos Sufis ao falar do Alam-al Mithal, esta realidade está longe de ser inócua. Colocar-se em uma fantasia ou ser colocado nela é estar em um mundo com seus riscos, prazeres, liberdades, deveres, etc. O que não podemos dizer é exatamente do que se tratam estes outros mundos. Neste caso, o primeiro momento, é mais justo que nos coloquemos como os fenomenologos – isto se não podemos nos colocar como experimentadores – e perguntar a esta outra realidade, a este sujeito que se coloca ai, como é esta outra realidade, como é esta experiência e não dizer de pré-mão o que seria o que ali ocorre singularmente.
Jung em seu artigo “O real e o Supra-real” de 1933 dizia que não conhece nada a respeito de um supra-real na medida em que tudo o que age, tenha sido visto ou não, é real. Todo pensamento, fantasia, imaginação é realidade, pois se fosse irrealidade nada saberíamos sobre. E prossegue dizendo que este assunto só se complica quando impomos uma limitação unilateral na idéia de realidade, e re-lembra a frase reducionista – sem dar nome aos bois – de Locke: Nihil est in intellectu quod non antea fuerit in sensu (não existe nada no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos). O pensamento expresso por Jung é a base de uma realidade ampliada (em relação a realidade positivista e materialista), porém, esta realidade monista é ainda formada por sub-tipos de realidade que são vistos por uma minoria de pessoas, as vezes uma ou duas, o que justifica pensarmos sobre as diferenças radicais entre realidades que se engendram dentro desta realidade mais ampla.
O máximo que talvez pudéssemos fazer é perceber se existem certos padrões nesta descensus ad ínferos (decida aos infernos), nem que seja a presença de uma sensação de viajem, de uma vivência anímica de encontro com uma alteridade. Os padrões arquetípicos neste caso nos ajudam a nomear estas singularidades, como ao falar da descida ao que não é possível denominar complexo do Eu (ego) e lembrar os mitos de Hermes ou as vivências em Zagreu (1º Dioniso). Como falar da diferença entre os túneis realidade sofridos de uma “bad trip” e dos encontros com os Jardins do Éden.
A pergunta que se impõe seria: Quais as possíveis finalidades da alteração do estado de consciência? O que há de importante em não limitar as realidades alternativas a meros erros? Elas produzem algo de benéfico? Produzem que tipo de sentido? Estas realidades podem contribuir de alguma forma para o encontro da singularidade de cada um? Qual a relação entre diferentes realidades e o estado onírico? E a idéia de inconsciente? Como se produzem estes estados neuroquimicamente, há correlação entre todos eles?
Por ai vai.
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