terça-feira, setembro 01, 2009

Duas questão sobre Drogas



Uma professora, com altos curriculos na área da dependência química, teve a coragem de falar que A) "não existe programa de redução de danos com crack" e B) "não existem pessoas que trabalhem com dependência que sejam a favor da legalização das drogas"...

Ou estas colocações são frutos da ignorância, o que penso ser pouco provavel, ou são intencionalmente apresentadas através de uma ideologia barata, isto é, na tentativa de produção de discursos de direita, proibicionistas.
Para refutar os 2 argumentos em um mesmo livro isso seria fácil: basta ler um dos melhores livros brasileiros sobe o assunto, que surge dos pesquisadores e trabalhadores na área da farmacodependência da UNIFESP: "Panorama atual de drogas e dependências" organizado pelo Dartiu Xavier da Silveira e pela Fernanda Moreira, livro que já citei neste blog...

Segue uma pequena parte do artigo "Estratégia de Redução de Danos entre Usuários de Crack" de Andrea Domanico e Edward MacRae

Uso de Maconha como Forma de Tratamento de Usuários de Crack:

"Em várias regiões onde predomina o uso de opiáceos, tem considerável sucesso o recurso a tratamentos de substituição. Nesses, os dependentes de heroína ou morfina são incentivados a diminuírem o uso dessas substâncias, utilizando em seu lugar outro opicáceo, como a metadona, também causadora de dependência, mas considerada menos danosa. Até agora pouco se tem feito nesse sentido com dependentes de cocaina. Assim, é interessante examinar um projeto pioneiro desenvolvido entre usuários de crack buscando tratamento no Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes na Universidade Federal de São Paulo (PROAD/UNIFESP). Nesse estudo foram acompanhados 24 indivíduos do sexo masculino por 12 meses "que referiam nas primeiras consultas que vinham usando maconha como uma forma de atenuar os sintomas de abstinência do crack". Alegavam que a cannabis trazia uma redução da ansiedade assim como mudanças subjetivas e concretas em seus comportamentos. Após fazerem espontaneamente esse tipo de relato ao clínico, os pacientes deixavam de receber qualquer medicação para sintomas de abstinência. Ao final do tempo, 70% desses usuários reportaram ter deixado de usar crack e, após um aumento inicial, a própria frequência do uso da maconha tendia a diminuir.

Devido à natureza ilícita do uso da cannabis, projetos de substituição encontram grande resistência por parte das autoridades de saúde e de médicos em geral, tornando-se de dificil execução e replicação, o que é lamentável tendo em vista as dificuldades apresentadas pelo tratamento clínico da dependência de crack e a necessidade de novas maneiras de abordá-lo. Mais uma vez evidencia-se o aspecto contraproducente da atual política proibicionista que se tenta implementar em relação ao consumo de certas drogas".

Outros modos de redução de danos citadas: Cinema na Rua - experiência em Salvador ; O uso de filtro - experiência de Santos ; Cachimbos Individuais - Juiz de Fora ;

E sobre "Algumas sugestões para reduzir danos decorrentes do uso da cannabis" dentro do artigo "Redução de Danos para o Uso da Cannabis" de Edward MacRae, temos escrito:

a - Reconhecendo que os piores danos do uso da cannabis advêm do seu status ilícito, defender a legalização e regulamentação da disponibilidade dessa substância e seus derivados e, possivelmente, dos psicoativos em geral. Ajudaria-se, assim, a evitar o desenvolvimento de estruturas criminosas e violentas associadas ao tráfico e a assegurar um controle de qualidade. Valeria também reconhecer a importância de usos formais e ritualísticos de enteógenos como modelo de redução de danos.

b - Enquanto ainda predominam políticas proibicionistas, buscar parecerias com faculdades de direito para constituir grupos de defesa jurídica para usuários presos pela polícia, e procurar contatos com órgãos de defensoria pública, chamando sua atenção para problemas específicos dos usuários de drogas em sua relação com a lei.

c - Fomentar a disseminação e a discussão em torno dos saberes eruditos e leigos existentes a respeito dos psicoativos. Para tanto serviriam publicações dos mais diversos tipos, a criação de sites na Internet e a constituição de grupos de discussão para usuários.

d - Apontar que, embora relativamente inócuo, o uso da cannabis não deixa de apresentar seus perigos, assim com o de outras drogas, lícitas ou ilícitas, sendo indicada a busca de estratégias para reduzir seus danos.

e - Reduzir o sensacionalismo em torno do tema, chamando atenção para aspectos mais amplos do uso de psicoativos lícitos e ilícitos, deixando de enfocar exclusivamente a cannabis. Paralelamente é importante desmitologizar a figura do "traficante", já que sua representação atual como uma poderosa ameaça à ordem social instituída o torno um modelo extremamente atraente para aqueles que se sentem excluídos de seus benefícios, além de dificultar abordagens mais eficazes para os diversos problemas que o uso de drogas apresenta de fato para a saúde física, psíquica e social da população.

f - Incentivar discussões entre intrageracionais sobre o tema de maneira isenta de preconceitos. Para tanto se podem incentivar debates nas escolas, famílias, grupo de jovens, etc., sobre a questão, deixando aflorar novas perspectivas e sugestões.

g - Evitar posturas de censura, tanto em discussões familiares quanto públicas sobre o tema e buscar incentivar o desenvolvimento de normas, regras de conduta e rituais sociais relacionados aos métodos de aquisição e consumo, à seleção do meio físico e social para o uso, às atividades empreendidas sob o efeito da substância e às formas de evitar efeitos indesejados.

h - Promover uma melhoria na estruturação da vida do usuário, combatendo sua marginalização econômica, social e cultural. Tendo em vista a estrutura essencialmente desigual e pouco democrática da nossa sociedade, isso pode parecer irrealista por ser demasiadamente ambicioso, mas a instituição de programas, oficiais ou não, de redução de danos e a criação de grupos de usuários são passos iniciais que podem ser tomados nesta direção.

i - Promover serviços de atendimento psicológico e social especializados, para aqueles que apresentam dificuldades em estabelecer uma relação controlada da substância. Estes poderiam visar ao deslocamento do lugar ocupado pela droga na vida do usuário, de maneira a retirar a sua centralidade e a dimiuir sua carga simbólica e afetiva.

MacRae ainda dá algumas dicas, que extrapolam a finalidade do questionamento da professorinha, no entanto, já que falamos de redução de danos com a cannabis, nada mais justo...

Evitar reter o fumo no pulmão mais que alguns segundos. Isto basta para absorver grande parte do THC, o resto do tempo representando uma exposição desnecessária aos componentes cancerígenos do fumo como o alcatrão.



Evitar a presença de fungos que possam afetar o sistema respiratório (pode-se sugerir deixar a cannabis ao sol ou aquecê-la no forno brando), assim como produtos químicos, como amônia, que podem vir misturados com a droga (nesse caso recomenda-se deixar o produto imerso na água durante algumas horas e depois secá-lo ao ar livre ou em forno brando). Igualmente, ao enrolar baseados, seria recomendável usar papel fino, desprovido ao máximo de corantes e outros produtos químicos, sendo também importante evitar “maricas” e cachimbos de plástico ou outros materiais que possam soltar vapores tóxicos ao serem aquecidos.



Evitar um fumo demasiadamente quente, deixando de fumar pontas, utilizando cachimbos de água, ou, mais simplesmente, improvisando um cachimbo com a mão (prendendo o baseado entre os dedos, fazendo um oco com a mão fechada e aspirando através dele).



Não usar filtros de cigarro em baseados, já que eles podem reter muito o THC e aumentam a absorção de tóxicos como o alcatrão. Atualmente já existem na Europa vaporizadores e outros produtos que permitem inalar os vapores de THC sem levar a cannabis à combustão.


Um abraço queridos e queridas e até a próxima!
(e no próximo capítulo: bate papo sobre a história das drogas)

3 comentários:

Dinha disse...

Sempre te lendo e aprendendo. Não sei porque ainda a maconha não foi legalizada nesse país!

Beijos

Fernando Beserra disse...

É uma questão que está sendo posta na mesa.. ainda de forma embrionária... e os debates estão se acalorando..

Na Argentina conseguiram finalmente descriminalizar o usuário..

Agora isso sem dúvida é fruto tanto de interesses econômicos como de uma moral que toma força internacionalmente a partir da política proibicionista, ou anti-drogas estadosunidense começada no ínicio do séc. XX e muito forte até hoje.

No Brasil o caso da maconha remonta fontes mais antigas e quem a trouxe foram os escravos, provavelmente dai o nome "fumo de Angola"... existe um certo debate sobre esse tema...

... mas fato é que a maconha, antes das proibições frutos das diretrizes proibicionistas ecabeçadas pelos EUA, a maconha foi proibida no RJ em 1830, resultado de posturas racistas.. Desde então, só após os anos 60 que a maconha se popularizou entre as camadas de "média" e "alta" renda...

Enfim, isso é assunto longo... se Éris me permitir, vai brotar de minha glândula pineal um texto sobre o assunto.

Beijos

Zona Anônima Temporária disse...

zonaat@gmail.com, visite o blog e veja a proposta, acho que lh interessa. Leia os primeiros posts, são mais explicativo.O email para nvia seus textos zonaat@gmail.com

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