segunda-feira, abril 24, 2006

Imaginação Ativa


Segundo Capitulo sobre imaginação ativa do livro Psicoterapia da Marie-Louise Von Franz. Divirtam-se.

Gostaria de me concentrar em alguns pontos que formam o caráter específico da imaginação ativa de Jung em comparação com o grande número de outras técnicas que estão aparecendo hoje em dia por toda parte. Encontramos hoje grande número de pessoas que praticaram alguma técnica de imaginação antes de se submeterem à análise junguiana; e, de acordo com minha experiência, percebi que é muito difícil fazer com que elas consigam realizar a verdadeira imaginação ativa. Esta última pode ser melhor dividida em quatro partes ou fases.
1- Como sabemos, primeiro devemos esvaziar a nossa consciência do ego, libertando-nos do fluxo de pensamentos do ego. Isso já é bastante difícil para muitas pessoas que não conseguem interromper a ‘mente alucinada’, como a chamam os zen budistas. O processo é mais fácil no caso da pintura e mais fácil ainda no caso da atividade com areia. Entretanto, está última fase fornece à consciência figuras já existentes. Embora seja verdade que isso pareça tornar possível passar por cima da “esterilidade”, ou ausência de quaisquer idéias (que é freqüentemente a primeira coisa que ocorre), ao mesmo tempo tem a tendência de provocar dificuldades posteriores quando o analisando precisa se envolver com a verdadeira imaginação ativa. A maioria das técnicas de meditação oriental, como o zen, certos exercícios de ioga, bem como a meditação taoísta, põem-nos diante dessa primeira fase. Na meditação zen, temos que eliminar não apenas todos os pensamentos do ego, como também quaisquer fantasias que possam ascender do inconsciente. Temos que rechaçá-los por meio de um koan ou deixá-lo passar desapercebidos. O único objetivo da postura física sentada é a interrupção simbólica de toda atividade.
2- Nesse ponto, temos que deixar que uma imagem de fantasia oriunda do inconsciente flua para o campo da percepção interior. Ao contrário das técnicas orientais acima mencionadas, neste caso nós acolhemos a imagem em vez de enxotá-la ou desconsiderá-la, passando a nos concentrar nela. Depois de atingirmos esse ponto, temos que ficar atentos a dois tipos de erro: o primeiro é quando nos concentramos demais na imagem que surgiu e literalmente a “fixamos”, congelando-a, por assim dizer; o segundo é quando não nos concentramos o suficiente, o que faz com que as imagens internas comecem a se modificar rápido demais e um “filme interno” acelerado comece a passar. Na minha experiência, pude perceber que são basicamente as pessoas do tipo intuitivo que costumam cometer esse último erro. Elas escrevem infindáveis contos de fantasia que não têm um ponto focal, ou não se envolvem em um relacionamento pessoal com os eventos interiores. Esse é o nível da imaginação passiva, da imaginatio fantastica que contrasta com a imaginatio vera, como chamariam os alquimistas. Isso me lembra muito a katathyme Birlderleben (vida de imagem catatímica) de H.Leuner. Leuner admitiu haver sido inspirado pela imaginação ativa de Jung, tendo porém decidido simplificá-la – não obtendo, na minha opinião, resultados muito bons. Acho muito difícil ajudar os analisando que se dedicaram a essa forma de prática da imaginação a mudar para a verdadeira imaginação ativa. A objectivierung des Unvewussten (objetificação do inconsciente) de W.L. Furrer também apresenta as mesmas deficiências, bem como a técnica mais antiga de le rêve éveillé (sonho desperto) de René Desoilee. Essas técnicas também permitem a presença e a intervenção do analista, o que é um grande erro que discutirei mais adiante.
3- Chegamos agora a terceira fase. Ela consiste em conferir uma forma à imagem de fantasia interiormente percebida seja relatando-a por escrito, pintando-a, esculpindo-a, escrevendo-a como uma musica ou dançando-a (em cujo caso os movimentos da dança devem ser anotados). Na dança, o corpo vem a participar, o que é às vezes fundamental, principalmente quando certas emoções e a função interior são tão inconscientes que é como se estivessem enterradas no corpo¹. Com freqüência, também esclarece melhor uma questão muito discutida hoje em dia – o papel do corpo na análise. Com efeito, a obra alquímica, de acordo com Jung, nada mais é do que uma imaginação ativa realizada com substâncias químicas, ou seja, misturando-as, aquecendo-as, e assim por diante. Os alquimistas orientais, especialmente os taoístas chineses, faziam isso principalmente procurando trabalhar com os materiais no próprio corpo e mais raramente com suas retortas no laboratório. Os alquimistas ocidentais trabalhavam com a matéria principalmente fora do corpo, na retorta, afirmando que “nossa alma imagina grandes coisas fora do corpo”. Paracelso e seu discípulo Gerhard Dorn, contudo, também trabalharam com o chamado firmamento dentro do corpo, no qual esperavam produzir influências mágicas externas. Achavam que essas influências mágicas tinham um relacionamento sincrônico per analogiam com a matéria do corpo. Dessa forma, a imaginação ativa está essencialmente ligada ao corpo através do significado simbólico dos seus componentes químicos. Pessoalmente, já vivenciei com freqüência fortes reações física positivistas e negativas a imaginações ativas corretas ou erroneamente executadas. Certo analisando até mesmo sofreu grave ataque cardíaco psicogênico, quando agia contra seus sentimentos em uma imaginação ativa. Afetos e emoções intensos representam às vezes um obstáculo à prática da imaginação ativa. O próprio Jung, segundo ele relata em suas memórias, tinha às vezes que recorrer a exercícios de ioga para controlar suas emoções antes que fosse capaz de extrair delas uma imagem com a qual pudesse se relacionar em uma imaginação ativa.
Certo tipo de imaginação ativa pode ser realizado como uma conversa com partes internamente examinadas do nosso corpo, na qual também escutamos o que elas dizem (como Odisseu fazia às vezes, na Odisséia, com seu coração ou seu “freno”). Essa técnica é às vezes favorável no caso de um sintoma físico psicogênico. Sempre que a matéria está envolvida, seja dentro ou fora do corpo, podemos esperar fenômenos sincrônicos, o que demonstra que essa forma de imaginação ativa é especialmente “carregada de energia”. Em seu aspecto negativo, ela se aproxima da magia e dos perigos desta última, sobre os quais falarei adiante.
Dois tipos de erro, que Jung descreve em sua dissertação A dinâmica do inconsciente,² tendem a ocorrer nessa terceira fase. Um deles consiste em atribuir ênfase exagerada à elaboração estética do conteúdo da fantasia, transformando-a em uma obra de arte, o que faz com que a pessoa negligencie sua “mensagem” ou significado. Na minha experiência, isso acontece principalmente no caso da pintura e dos relatos escritos. O excesso de forma mata o conteúdo, assim como a arte de certos períodos históricos “enterrou os deuses em ouro e mármore”. (Hoje em dia, freqüentemente sentimos mais prazer em contemplar um amuleto primitivo ou a arte rústica dos cristãos primitivos do que a arte decadente de Roma.) As funções da sensação e do sentimento são as primeiras a nos induzir em erro neste caso. Esquecemos que o que estamos retratando é apenas a aparência de uma realidade interna e que o objetivo é entrar em contato com a realidade e não com a aparência.
O outro tipo de erro consiste em fazer o oposto. A pessoa faz rapidamente um esboço do conteúdo e imediatamente entra na questão do significado. Os tipos intuitivos e pensamento são os que especialmente cometem esse erro. Isso demonstra uma falta de amor e dedicação. Podemos facilmente perceber isso quando um paciente nos traz um esboço descuidado ou um relato escrito com negligência, dizendo que já sabe “o significado”. Essa terceira fase, na qual fornecemos ao inconsciente uma maneira de se expressar, freqüentemente proporciona grande alívio, mas ainda não é a verdadeira imaginação ativa.
4 – Chegamos agora à quarta fase, a fase decisiva, aquela que está ausente em quase todas as técnicas de imaginação – a confrontação moral com o material já produzido. Nesse ponto, Jung nos adverte com relação a um erro freqüentemente cometido que compromete todo o processo. Trata-se do erro de entrarmos nos eventos internos com um ego fictício em vez de com o verdadeiro ego.
Gostaria de ilustrar o que acabo de dizer com um exemplo. Certo analisando sonhou que encontrou um casco de cavalo no deserto. O casco era de certo modo muito perigoso e começou a persegui-lo. Era uma espécie de demônio relacionado com o deus Wotan. O homem tentou continuar a fantasiar esse sonho em uma imaginação ativa. Ele estava agora correndo montado no cavalo, mas o demônio estava ficando cada vez maior e conseguindo chegar cada vez mais perto. O analisando deu a volta e de algum modo conseguiu esmagar o demônio com os pés. Quando ele me contou isso, fiquei impressionada com a estranha discrepância entre a aparência dele e o resultado da história. Ele parecia assustado e atormentado. Assim sendo, disse-lhe que de certa maneira eu não acreditava no final feliz da história, mas não sabia por quê. Uma semana depois ele me confessou que quando o demônio pata de cavalo o alcançou ele (o analisando) se partiu em dois. Somente uma parte do seu ego venceu o demônio; a outra se afastou da ação e ficou observando do lado de fora. Por conseguinte, ele só alcançou a vitória com um ego-herói fictício; seu verdadeiro ego evadiu-se, secretamente dizendo de si para si: “Afinal de contas, é apenas fantasia”.
Quando e estado observável de um analisando deixa, como nesse caso, de se harmonizar com o que aconteceu em uma imaginação ativa, podemos admitir que ocorreu esse erro de ego fictício. É difícil manter isso afastado. Outro analisando, em uma imaginação ativa, teve um longe e romântico caso amoroso com uma figura da anima. Ele nunca disse a ela que se casara recentemente. Quando eu lhe fiz perguntas a respeito disso, respondeu que nunca faria isso na vida real (ocultar que era casado). Assim, seu ego na imaginação ativa não era o mesmo que seu ego no dia-a-dia! Estava claro que a coisa toda não era completamente real para ele; era mais como se estivesse escrevendo um romance do que fazendo uma imaginação ativa. Esse ponto é tremendamente importante, porque toda eficácia da imaginação ativa depende dele. As pessoas com um caráter muito fragmentado ou com psicoses latentes não conseguem de modo nenhum fazer a imaginação ativa ou só conseguem com o ego fictício.
Por esse motivo, Jung nos aconselhou a não utilizarmos a técnica da imaginação ativa com pacientes do grupo de casos limítrofes. Na realidade, o analisando do meu segundo exemplo não era uma pessoa doente e, sim, um intelectual. O intelecto é um grande trapaceiro; ele nos ilude e nos leva a desconsiderar o aspecto moral dos eventos, e nos deixa dominar pela dúvida de que, afinal de contas, a coisa toda não passa de uma fantasia e uma veleidade. A imaginação ativa requer certo grau de ingenuidade.
Jung comentou certa vez que a psiquiatria de hoje descobriu as três primeiras etapas do processo, mas não consegue compreender a quarta. A maioria das técnicas de imaginação atuais não chegam a atingir esse ponto. Existe ainda outro aspecto que ainda não foi compreendido. A maioria das técnicas criativas ou imagéticas atuais permite certa participação do analista ou até mesmo exige que ele intervenha. Ou ele propõe o tema (como na técnica de Happich ou no treinamento autógeno avançado de J. H. Schultz) ou intervém, fazendo sugestões, quando o analisando “empaca”. Jung, por outro lado, costumava deixar seus pacientes “empacados” onde quer que estivessem até que encontrassem por si mesmos uma saída. Ele nos contou que teve certa vez uma paciente que estava sempre caindo em certas “armadilhas” na vida real. Recomendou a ela que fizesse uma imaginação ativa. Imediatamente ela se viu, na imaginação, atravessando um campo e encontrando um muro. Ela sabia que tinha que passar para o outro lado, mas como? Jung apenas disse: “O que você faria na vida real?” Ela simplesmente não conseguiu pensar em nada. Finalmente, depois de muito tempo, pensou em caminhar ao longo do muro para ver se ele terminava em algum ponto. Não terminava. Então, ela procurou uma porta ou uma abertura. Novamente, não chegou a lugar nenhum, e Jung não ofereceu nenhuma ajuda. Finalmente, ela pensou em ir buscar um martelo e uma talhadeira para abrir um buraco no muro. Essa foi a solução.
O fato de a mulher levar tanto tempo para achar uma solução foi reflexo do seu comportamento inepto na realidade exterior. Por esse motivo é absolutamente fundamental não oferecermos ajuda; se o fizermos, o paciente não aprende nada e continua tão infantil e passivo quanto antes. Por outro lado, quando dolorosamente aprender suas lições na imaginação ativa, ele também aprenderá alguma coisa com relação à sua vida exterior. Jung não ajudava os pacientes, ainda que permanecessem “empacados” por semanas, insistindo em que continuassem a tentar sozinhos achar uma solução.
Com o uso controlado de drogas, a quarta fase está novamente ausente. A pessoa que supervisiona carrega toda a responsabilidade em vez de isso caber à pessoa que esta fazendo a imaginação. Deparei com um livro interessante de autoria de dois irmãos, Terence e Dennis McKenna, chamado The invisible landscape.³ Esses dois corajosos jovens foram ao México e fizeram experiências em si mesmo com uma planta alucinógena recém-descoberta no local. De acordo com o relato deles, sofreram estados mentais esquizofrênicos que provocaram uma “expansão dos seus horizontes espirituais”. Infelizmente, não fornecem uma descrição precisa das experiências, apenas dicas a respeito de terem visitado outros planetas e recebido a ajuda de um ser invisível que freqüentemente aparecia como um inseto gigantesco. A segunda parte do livro apresenta os insights que se originaram do seus “horizontes espirituais mais amplos”, e é aí que surge o desapontamento. Eles não são de modo nenhum diferentes de outras especulações atuais altamente intuitivas a respeita da mente, da matéria, do sincronismo, e assim por diante. Não apresentam nada novo ou criativo, apenas coisas que os autores bem informados facilmente poderiam ter criado conscientemente. O ponto mais importante surge no final, quando o livro termina com a idéia de que toda a vida na Terra será destruída e, por essa razão, teremos que fugir para outro planeta ou escapar internamente, em direção à esfera da mente cósmica.
Gostaria de comparar o exposto com um sonho. Trata-se do sonho de um estudante, que não corre o risco de se tornar psicótico e que está atualmente fazendo análise junguiana. Sou grata a ele por permitir que eu narre seu sonho. Depois que fiz esta palestra, Edward Edinger apresentou o mesmo sonho e ofereceu excelente interpretação dele.4 O sonho (em forma levemente reduzida) é o seguinte:
“Estou caminhando ao longo do que são chamadas as Palisades, das quais podemos contemplar Nova Iorque. Estou andando ao lado de uma figura de anima desconhecida para mim; ambos somos conduzidos por um homem que é nosso guia. Não restou pedra sobre pedra em Nova Iorque – o mundo foi destruído. Incêndios se alastram por toda parte; milhares de pessoas correm sem ruma em todas as direções. O rio Hudson inundou grandes partes da cidade. Anoitece. Bolas de fogo no céu assobiam em direção a Terra. É o fim do mundo.
O que causou isso foi uma raça de gigantes que veio do espaço. Vi dois deles sentados no meio das pedras, indiferentemente pegando um punhado de pessoas atrás do outro e engolindo-os como se fossem uvas. Era uma visão horrível... Nosso guia nos explicou que esses gigantes haviam vindo de diferentes planetas onde eles viviam em paz uns com os outros. Haviam aterrizado em discos voadores (eram as bolas de fogo). A terra que conhecíamos fora na verdade planejada pelos gigantes. Eles haviam “cultivado” nossa civilização da maneira como cultivamos legumes e verduras em estufa. Agora tinham vindo para a colheita. Havia uma razão especial para isso, que eu só vim a saber mais tarde.
Eu fora salvo porque minha pressão sanguínea era levemente alta. Se fosse normal ou alta demais, eu teria sido devorado. Assim, fui escolhido para passar por essa provação através do fogo e, se eu conseguisse superá-la com êxito, teria permissão para salvar também outras almas. Vi então, diante de mim, um gigantesco trono dourado, brilhante como o sol. Nele estavam sentado o rei e a rainha dos gigantes. Eles eram os responsáveis pela destruição do nosso planeta.
Minha provação, além do tormento de ter de vivenciar tudo isso, consistia em ter que galgar os degraus do trono até o ponto em que conseguisse olhar diretamente no rosto deles. Isso se deu em estágios. Comecei a ascensão. O caminho era longo, mas sabia que tinha percorrê-lo, que o destino do mundo e da humanidade dependia de mim. Aí acordei, ensopado de suor. Compreendi depois, quando acordei, que a destruição da terra era a festa de casamento do rei e da rainha.”
Esse sonho lembra a invasão da Terra por gigantes descrita no livro bíblico de Enoc, que foi interpretada por Jung como uma “invasão prematura (da consciência) realizada pelo inconsciente coletivo”. Isso provocou uma inflação generalizada. Os anjos que (segundo Enoc) haviam gerado gigantes com mulheres humanas forneceram à humanidade muitas novas formas de conhecimento, e isso ocasionou uma inflação. Está claro que o sonho acima reflete nossa semelhante situação atual, e o livro dos irmãos McKennas mostra claramente, entre outras coisas, aonde leva uma exploração prematura das visões do inconsciente coletivo – ou seja, a um estado mental extremamente precário. Ao mesmo tempo, contudo, esse sonho adequadamente mostra a diferença entre a alucinação causada pelas drogas e uma abordagem feita pelo inconsciente que não foi procurada. No sonho, a pessoa recebe uma tarefa: chegar até o rei e a rainha. Por outro lado, de acordo com as conclusões dos McKennas, tudo que o indivíduo precisa fazer é tentar se afastar. Parece então que um aspecto construtivo do inconsciente só é constelado quando está frente a frente com um ego individual como parceiro. Essa é a situação que buscamos atingir na imaginação ativa, e é por isso que o uso de drogas – ainda que sob uma supervisão responsável – ou a prática de técnicas de imaginação nas quais o analista assume o comando não são adequados, porque então o ego não é capaz de se confrontar com o inconsciente.
Tanto as cenas apocalípticas do livro dos McKennas quanto as do sonho acima descrito estão relacionadas com o medo que temos de uma guerra nuclear. Mas em vez de fugir para o espaço, o sonho entrega à pessoa a tarefa de observar face a face o casamento do rei com a rainha. Essa tarefa representa a união dos opostos – do pai com a mãe, da mente com a matéria, e assim por diante. Lembro-me de que Jung nos disse certa vez, quando lhe perguntamos se uma terceira guerra mundial era inevitável, que só seria possível evitar essa guerra se um número suficiente de pessoas conseguisse manter unidos os opostos dentro de si. Neste caso, também, todo o fardo coletivo repousa sobre os ombros de uma só pessoa, a que sonhou. O inconsciente só consegue nos mostrar uma saída para a crise se nós, enquanto indivíduo, permanecermos conscientes dos opostos.
Um importante tema no sonho é o guia, o qual instrui o sonhador. Essa figura só aparece quando o analista não assume seu lugar. Hermes, a alma orientadora dos alquimistas, chamava a si mesmo de “o amigo solitário” (cuiusque segregati – cada um que está separado do rebanho). O resultado mais importante da imaginação ativa, segundo Jung, é fazer com que o analisando se torne independente do analista. Por esse motivo, não devemos interferir nela (a não ser para operar correções no método). Quando um analisando lê para mim uma imaginação ativa, com freqüência penso em silêncio: “Eu nunca teria feito ou dito isso!” Isso demonstra como é individual a maneira pela qual as reações do ego surgem em relação ao inconsciente na imaginação ativa – e é isso que determina qual o curso que os eventos tomarão.
Uma nova (ou melhor, antiqüíssima) abordagem da imaginação ativa é a descrita nos livros de Carlos Castaneda. Trata-se do método do bruxo e xamã Don Juan, que ele chama de “sonho”. Por trás disso estão as antigas tradições dos xamãs dos índios mexicanos. Correm boatos de que grande parte do conteúdo desses livros foi inventado por Castaneda, embora tenha utilizado material genuíno dos xamãs. O “sonho” certamente é parte desse material genuíno. Ele é exoticamente índio e jamais poderia ter sido inventado por um homem branco. O “sonho” é alcançado com a ajuda de fenômenos externos da natureza. O mestre Don Juan leva Castaneda para as regiões incultas e solitárias da natureza. Na penumbra da noite, Castaneda pensa ver a forma escura de um animal moribundo. Terrivelmente assustado, ele quer fugir, mas depois olha com mais atenção e percebe que se trata apenas de um galho sem vida. Mais tarde, Don Juan diz: “O que você fez não é nenhum triunfo... Você desperdiçou um belo poder, um poder que soprou vida naquele galho morto... Aquele ganho era um animal de verdade e estava vivo no momento em que o poder o tocou. Como o que o mantinha vivo era o poder, o truque era, como no sonho, sustentar a visão”.5
O que Don Juan chama de poder aí é o mana, mulungu, etc., em outras palavras, o aspecto energético do inconsciente coletivo. Ao desvalorizar sua fantasia, olhando para ela de maneira racional, Castaneda afugentou o poder e perdeu a oportunidade de “parar o mundo”. (Essa é a expressão de Don Juan para interromper o pensamento do ego.) Don Juan também chama esse sonho de “insanidade controlada”, o que lembra o comentário de Jung de que a imaginação ativa é uma “psicose voluntária”.
Esse tipo de imaginação ativa com coisas externas da natureza lembra a arte dos alquimistas, que realizam sua imaginação ativa com metais, plantas e pedras, mas com uma diferença: os alquimistas sempre tinham um vaso. Esse vaso era seu imaginatio vera et non fantastica ou sua theoria. Desse modo, eles não se perdiam e mantinham um “controle” dos eventos no sentido literal, uma espécie de filosofia religiosa. Don Juan também tinha esse controle, mas ele não consegue transmiti-lo para Castaneda e, portanto, sempre tem que assumir a liderança.
Como já mencionamos, os rituais que acompanham a imaginação ativa são particularmente eficazes, mas ao mesmo tempo perigosos. Isso freqüentemente constela um grande número de eventos sincrônicos, os quais facilmente podem ser interpretados como magia. As pessoas que correm o perigo de se tornarem psicóticas freqüentemente também interpretam erroneamente esses eventos de uma maneira perigosa. Lembro-me do caso de um homem que no início de um lapso esquizofrênico atacou fisicamente a mulher. Ela chamou o policial do povoado e um psiquiatra. Enquanto os dois homens, junto com a mulher e o marido perturbado, estavam de pé no saguão de entrada da casa, a única lâmpada que iluminava a cena explodiu em mil pedaços, e eles ficaram no escuro cobertos de pedaços de vidro partido. O homem perturbado imediatamente chegou à conclusão de que como o sol e a lua haviam ocultado sua luz na crucificação de Cristo, o que acontecera fora um sinal de que ele, o salvador do mundo, estava sendo injustamente detido. No entando, o que aconteceu foi exatamente o oposto: o evento sincrônico estava levando uma mensagem sadia – estava advertindo-o para que não tivesse um blecaute mental (uma lâmpada significa a consciência do ego, ao contrário do sol, que é a Divindade). Neste caso, estamos no movendo em terreno perigoso. Embora esse evento não tenha relação com uma imaginação ativa, eventos semelhantes freqüentemente ocorrem durante a imaginação ativa. Esse exemplo demonstra como podemos perder o rumo nessa “psicose voluntária”. Assim, o alquimista Zósimus corretamente adverte contra os demônios que podem confundir o trabalho alquímico. Tocamos aqui na distinção entre a imaginação ativa e a magia, particularmente a magia negra. Como sabemos, Jung adverte contra o tipo de imaginação ativa que envolve pessoas vivas. Ela pode afetá-las magicamente, e toda magia, inclusive a magia “branca”, tem um efeito bumerangue em relação à pessoa que a prática. Por conseguinte, a longo prazo, ela é destrutiva. Lembro-me também de um caso no qual Jung me aconselhou a usá-la. Eu tinha uma analisando mais velha que estava totalmente possuída pelo seu animus; ela não estava mais acessível e estava à beira de um lapso psicótico. Jung me aconselhou a falar com o animus dela em uma imaginação ativa. Isso iria ajudá-la, porém me prejudicaria, mas ele disse que ainda assim eu deveria tentar, como último recurso. De fato, o efeito foi benéfico, e Jung me ajudou depois a combater o efeito bumerangue. Não obstante, nunca mais ousei repetir a experiência.
A fronteira entre a imaginação ativa e a magia é extremamente sutil. No caso da magia, existe sempre algum desejo em jogo, relacionado com uma intenção boa ou destruitiva. Também observei que uma forte possessão da parte do animus ou da anima impede as pessoas de fazerem a imaginação ativa. Isso torna impossível a necessária abertura interior. Só devemos praticar a imaginação ativa com objetivo exclusivo de obter a verdade a respeito de nós mesmos. Mas, na prática, freqüentemente um desejo ulterior se insere sub-repticiamente, e a pessoa cai na imaginatio fantástica. Notei um perigo semelhante no oráculo I Ching. Se a pessoa não abandona, antes de lançar as moedas, todo e qualquer desejo com relação a um resultado específico, ela freqüentemente interpreta erroneamente o oráculo. Existe também o caso oposto de ver ou ouvir “a coisa certa” na imaginação ativa e depois duvidar de que a coisa seja genuína. Com freqüência, a imaginação ativa nos liberta disso, fazendo de repente algo tão surpreendente que pensamos: “Eu não poderia de modo nenhum ter inventado isso!”
Finalmente, temos ainda a fase final – aplicar na vida cotidiana o que aprendemos na imaginação ativa. Lembro-me de um homem que prometeu à sua anima, durante a imaginação ativa, que dedicaria a ela dez minutos por dia. Ele se atrapalhou e ficou com um mau humor neurótico que durou até perceber que não havia mantido a promessa. Mas é claro que isso se aplica a todas as percepções da análise. Essa é a “abertura da retorta” na alquimia, algo que é naturalmente produzido quando compreendemos a etapa anterior. Quando uma pessoa deixa de fazer isso, é um indício de que não completou realmente a quarta fase da confrontação moral.

Notas:

¹ - Cf. R. F. C. Hull, “Bibliographical Notes on Active Imagination”, in Spring, 1971; E. Humbert, “L´imagination acive d´après C. G. Jung”, in Cahiers de Psychologie Junghienne, Paris, 1977; C. G. Jung, “The Transcendent Function”, CW8.
² - C. G. Jung, “The Transcendent Function,” CW8.
³ - Terence e Dennis McKenna, The Invisible Landscape, Seabury Press, Nova Iorque, 1975.
4– Ver Edward F. Edinger, “The Myth of Meaning”, Quadrant 10, 1977, pp. 34ss.
5 – Carlos Castaneda, Journey to Ixtlan, Simon and Schuster, Nova Iorque, 1972, pp 132-33. (Trad. Bras.: Viagem a Ixtlan, Record, Rio de Janeiro.)

Um comentário:

Anônimo disse...

Sarava !!
Obrigado pela postagem, até agora este foi o melhor conteudo sobre imaginação ativa que achei na net!!

Estou dando uma vasculhada antes de comprar uns livros !!

Abç