segunda-feira, julho 10, 2006

Seine majestat das Ich

“Seine majestat das Ich”[1]

Resolvido escrever um “proto post” sobre um assunto que considero essencial, só me resta soltar vagas linhas enquanto alguns muros me impedem de alavancar algo melhor. O assunto é delicado, porém acredito que seja um assunto de suma importância tanto na vida cotidiana quanto teoricamente. O assunto que abordarei se refere em essência ao individualismo, a atomização e ao narcisismo contemporâneo, passando pela contra cultura, pela psicanálise e pelo meio anarquista chegando até o processo de individuação junguiano e ao único stirneriniano.

Na contemporaneidade, ou segundo alguns, pós-modernidade, existe um fenômeno genérico em jogo que perpassa e modela a nossa subjetividade, criando a partir daí, um modelo de conduta coletivo que propõe a mais pura individualidade e personalização, onde antigos valores como: “autonomia”, “felicidade”, “emancipação individual”, “heterogeneidade”, entre outros, tornaram-se os novos modeladores para a população, sendo agora taxados como essenciais e atribuídores de status co.

A esse fenômeno Gilles Lipovestky chama de sedução, que longe de significar, para ele, um fenômeno ideologicamente determinado que intencionalmente busca alienar, significa uma outra coisa, mas no momento citemos suas palavras: “A sedução nada tem a ver com a representação falsa e com a alienação das consciências; é ela que configura o nosso mundo e o remodela segundo um processo sistemático de personalização cuja obra consiste essencialmente em multiplicar e diversificar a oferta, em propor mais para que nós decidamos melhor, em substituir a coação uniforme pela livre escolha, a homogeneidade pela pluralidade, a austeridade pela realização dos desejos” (Lipovetsky, 1989: 19).

E Lipovestky vai além ao dizer: “Toda a vida das sociedades contemporâneas é doravante governada por uma nova estratégia que destrona o primado das relações de produção em proveito de uma apoteose das relações de sedução” (Lipovetsky, 1989: 17). A através da sedução que podemos ver esta sociedade atomizada, extremamente personalista à qual parece, num olhar mais superficial, derrubar todos os totens e “ismos” para dar lugar a uma pluralidade narcisista sem fim. A cartada da sedução é a “do seu bem-estar, da sua liberdade, do seu interesse próprio” (ibid) e é justamente isso que ela propõe gerar.

Só que mesmo que não queiramos dar uma importância supervalorizada aos processos econômicos e ideológicos, sem duvida eles são uma influencia que dificilmente pode ser negada. Não se trata de dizer: “os seres humanos são determinados pela economia”, “os seres humanos são determinados pelo pensamento dominante propagado por suas organizações”, nem de definir o ser humano como pura liberdade. O fato é que, mesmo que observemos com clareza o fenômeno que Lipovestky chama de sedução, onde a atomização e “heterogeneização” são estimuladas, não podemos negar que exista uma intencionalidade por trás de fenômeno. Essa intenção nos parece um elemento da intenção liberal que desmistifica o governo e a coletividade apoiando o individuo (in+dividuo, não divisível) sobre sua “particularidade”, ou melhor, sobre as leis do mercado e das grandes empresas multifacetadas onde supostamente se aceita tudo, qualquer individuo com sua liberdade, mas, por trás dessa aceitação incondicional, vê-se outra realidade, a realidade da exclusão por meio da impossibilidade de consumo dos mais pobres que são, em parte, levados a fazer de tudo para consumirem e pertencerem a alguma das categorias sociais existentes. Em meio a essa polimorfização dos grupos sociais, supostamente aceitando uns aos outros, existe uma luta intrínseca por poder, para vencerem uns aos outros, apoiados sobre o darwinismo social preponderante, a antiga teoria do aclamado Spencer.

Sem duvida o assassinato de Deus enquanto realidade psíquica e coletiva trouxe uma descentralização dos valores e um Eon de incertezas. A cultura contemporânea que passa a viver, não num “vazio de mitos”, mas sim em novos mitos, agora apoiados sobre a incerteza, a deusificação paralelamente do mercado e do homem único e material , logo, do culto ao corpo e ao dinheiro. Ao fazer a analítica dessa nova mentalidade também não podemos ficar presos a fatos “materiais” e esquecer-nos dos determinantes psicológicos deste novo paradigma.

Lembremos então das populares teorias da psicologia dos anos 60, como a de Carl Rogers que propunha a originalidade, a espontaneidade, uma valorização do corpo, dos sentimentos, da pessoa. Rogers diz: “Confio nos sentimentos, palavras, impulsos, fantasias que em mim emergem. Deste modo estou usando mais do que o eu consciente, estou esboçando algumas das capacidades do meu organismo total” (Rogers, 2002: 62). Rogers tentava criar a autonomia no sentido originário do termo: Auto (próprio) + Nomos (lei, regra), ou seja, o encontro da própria lei, regra, de cada um que, segundo sua crença, seriam essencialmente positivas².

Voltemos, para embolar o texto, a analise da cultura contemporânea para após voltarmos a pensar sobre as psicoterapias e analises. Na época contemporânea a divisão cartesiana criada por René Descartes (1596-1650) entre “res extensa” e “res cogito”, que fundamentava a época moderna, parece haver sido extinta. O corpo deixa de ser um maquinário o qual a alma, através da glândula pineal, se comunicaria. Ele deixa de ser “materialidade muda, em proveito da sua identificação com o ser-sujeito, com a pessoa” (Lipovetsky: 58). O corpo então passa a estar relacionado com nossa verdade natural, em busca de nossa integralidade, de nosso encontro conosco mesmo que passa a ser ultra-valorizado. “Enquanto pessoa, o corpo ganha dignidade; devemos respeitá-lo, quer dizer zelar permanentemente pelo seu bom funcionamento, lutar contra a sua obsolescência, combater os signos da sua degradação através de uma constante reciclagem cirúrgica, desportiva, dietética, etc.” (ibid).

Hoje a velhice, o aparecimento de rugas, a desjuventudização parecem ser um motivo de transtorno, pois o corpo bom tornou-se o corpo esbelto, saudável e que vive o máximo de tempo possível. Talvez um dos primeiros a enveredarem por estas sendas tenha sido Timothy Leary ao propor seu SMI²LE (Space Migration, Inteligence², Life Extension) onde acreditava num aumento paulatino da vida ao que esperava um dia pudesse ser possível à imortalidade (Robert Anton Wilson).

O corpo e o sexo passam a ser os novos avatares do liberalismo, seus meios de propaganda para mostrarem-se melhores que os outros sistemas, como permitissem a liberdade, como mostramos no individualismo. Mas o individuo a sua procura nada encontra. A cultura das sensações vai dar especial valor a imagem, ao corpo, ao visível, ao contrário do sentimento, como diz Costa sobre a cultura das sensações: “A cultura das sensações significa que a maioria das pessoas, sobretudo na vida urbana, está buscando cada vez mais no corpo as regras e o modelo, com os quais têm que se identificar” (Costa, entrevista para um jornal que esqueci qual é). Ignoram-se os modelos abstratos, como o sentimento, ou a profundidade do ser, sua singularidade, ou coisas do tipo. Nessa nova cultura, das sensações, ninguém mais quer “sacrificar a liberdade sexual, o dinheiro e a beleza por amor nenhum” (ibid) seja esse amor uma ideologia, parceira, ou religião.

Já citamos muito Lipovestky que, apesar de psicólogo social, tem uma gigantesca influencia psicanalista e é sobre ela que ele remonta as bases de suas constatações. Para acrescentarmos uma analise psicanalista a nossas visões, acrescentemos a analise da cultura contemporânea, pós-moderna ou das sensações sobre o viés de outro psicanalista (Jameson).

Para Jameson, a pós-modernidade enquanto cultura pode, em uma de suas características, ser classificada de esquizofrênica. Jameson, para tal, se baseou no modelo de esquizofrenia prescrito por Jacques Lacan que considerava “a esquizofrenia substancialmente como uma desordem de linguagem, associando-a toda uma teoria da aquisição da linguagem como o elo esquecido da concepção freudiana da formação do psiquismo adulto. Para tanto, ele nos deu uma versão lingüística do complexo de Édipo (...)”.

A comparação entre a experiência pós-moderna e a esquizofrenia vão estar relacionadas, em grande parte, em suas relações com a temporalidade. Novamente voltamos a teoria de Lacan, onde “a experiência da temporalidade humana (passado, presente, futuro), a persistência da identidade pessoal através de meses e anos – a própria sensação vivida e existencial do tempo – são também efeito de linguagem”. Se o esquizofrênico teve deficiências no domínio da fala e da linguagem, ele também terá problemas relacionados a temporalidade. O esquizofrênico vive no eterno presente e, de tal modo, não cria nenhuma identidade. Ele é ninguém, não tem o Nome-do-Pai. Isso nos faz lembrar o tempo mítico dos gregos, chamado de kairótico, onde existia a acausalidade, e um tempo imprevisível, um tempo não continuo que podemos fazer uma analogia do tempo como Jameson apresenta nas teorias Lacanianas.

O esquizofrênico, por um lado, “vivencia mais do que nós, e com nitidez, uma experiência muito mais intensa de um definido instante do mundo, pois nosso próprio presente é sempre parte de algum conjunto mais amplo de projetos, o que nos obriga a focalizar e a selecionar nossas percepções”. Uma das características fundamentais da esquizofrenia é “ultrapassar o sentido” onde “a materialidade das palavras se torna obsessiva, como ocorre quando crianças repetem sem cessar uma mesma palavra até seu sentido desaparecer e ela adquirir um fascínio ininteligível – um significa que perdeu seu significado se transforma com isso em imagem”.

A experiência na pós-modernidade é fundamentalmente presente, poderosamente vivida e “material”. O que interessa é a sensação causada no presente, pois falta identidade futura e pretensões ou planos ideológicos, a experiência está sem estrutura, ancorada no vazio, no deserto dos valores.

Essa visão ainda difere da do Lipovestky que procura ainda fazer outra analogia ou estudo sobre a cultura contemporânea, utilizando a psicanálise. Segundo Lipovetsky, o que vivemos é justamente uma época extremamente narcísica. Mas, para compreender o que é o narcisismo para psicanálise precisamos nos voltar a Freud. Segundo Freud: “O termo narcicismo provém da descrição clínica e foi escolhido por P.Nacke, em 1899, para designar o comportamento do indivíduo que trata o próprio corpo como normalmente só trataria um objeto sexual (...)” (Freud, 2004: 97) e prossegue após conceituá-lo como parte do desenvolvimento genérico do homem: “Nessa acepção, o narcisismo não seria uma perversão, mas um complemento libidinal do egoísmo próprio da pulsão de autoconservação, egoísmo que, em certa medida, corretamente pressupomos estar presente em todos os seres vivos” (ibid: 98). Assim Freud se refere ao narcisismo primário, ao narcisismo genérico, i.e, presente em todos os sujeitos humanos. Freud falou também de um narcisismo secundário que seria ao qual se refere a esta cultura contemporânea, que resultaria de um voltar-se para o Eu após já ter ido para o mundo, catexia-lo, enchê-lo de energia, provocando certo afastamento do mundo externo.

Ainda segundo Lipovetsky a psicanálise torna-se incitadora da verdade do Eu, pois ao falar de inconsciente e recalcamento, chama do sujeito a conhecer-se. “Onde era Isso, devo eu chegar” (Lipovestky, 1989: 52). “O narcisismo é uma resposta ao desafio do inconsciente: instado a redescobrir-se, o Eu precipita-se num trabalho de libertação interminável, de observação, de interpretação” (ibid). Haveria, portanto, um incitamento criado pela própria psicologia para este ato de conhecer-se, voltar-se para dentro, atomizar-se, se tornar único.

Dissemos até agora muitas coisas, mas falta questionar toda essa informação até aqui acumulada. Essa conclusão de Lipovestky, que tanto citamos, nos parece equivocada por trazer a visão do ser humano como tabula rasa, tal como Freud com seu positivismo e ateísmo quase o fez (quando não o fez considerou os conteúdos herdados como lixo). É exatamente por isso que quando Lipovetsky vê o ser humano voltado para dentro ele encontra o vazio, pois para ele o ser é só uma formação social determinada pelo meio externo, pelas pulsões e o famoso Complexo de Édipo.

Por tal vertente que Lipovestky segue ele só enxerga o vazio, o deserto, mas certamente não é isso que encontramos, por exemplo, ao olhar uma sociedade oriental, voltada para dentro, mas, ao contrário, encontramos justamente o vazio criativo, a incessante criação e transformação. Acrescentar-se-á que o interior e a singularidade não são um individualismo canhestro aos moldes de um Stirner, e para saber disso, é só observar desde as grandes visões, as alucinações de esquizofrênicos com ressonâncias históricas e coletivas até alguns grandes sonhos. Stirner propunha, como vocês encontrarão várias vezes neste blog, a tese do Einzige (Único), conceito sobre o qual defendia a tese do egoísmo radical, num solipsismo e personalização onde a única realidade era o Eu, e o avanço e crescimento do Eu se dava na medida que se apropriava das coisas e as utilizava.

Temos que tirar a carga que botamos sobre Rogers como grande influencia causal do fenômeno narcisico pós-moderno, já que isso só seria possível numa desvirtuação do humanismo. Rogers estava extremamente interessado na inter-relação dos seres e num modo especial de Cuidado, aqui buscado o termo vangloriado por Leonardo Boff. Aparentemente a teoria freudiana e seu pessimismo manifesto, sua desmistificação do mundo, a sua extroversão absoluta onde todo voltar-se para si era um voltar-se para o vazio e a megalomania, tem maior influencia nessa realidade contemporânea do que o humanismo ou o existencialismo.

Pensamos que se voltar para dentro, longe de promover o encontro com o vazio conduz a uma ligação com o mundo muito mais nítida do que ficar preso aos condicionamentos do mundo externo, vide um Gandhi, Jesus, Buda, grandes libertadores de seus tempos, acrescentemos ainda da contracultura os surrealistas e os dadaístas, cada qual com seus erros, mas com tentativas muito louváveis. Na procura por nosso Si-mesmo, por nossa singularidade, podemos ficar presos ao nosso pessoal, a tentar des-velar o nosso inconsciente como Freud mostrava através da interpretação dos sonhos, dos atos falhos, etc., mostrando conteúdos latentes, ou seja, recalcados aos quais não tínhamos acesso, mas que, contudo, continuavam a nos influenciar.

Uma grande mudança a qual nos mostra as possíveis falhas dessa limitação pessoal da psique, além da constatação empírica e fenomenológica, é o advento da física quântica onde “A noção de substancia dissolveu-se em probabilidades e ‘tendências para existir’. As conexões não-locais de partículas contradiziam a causalidade mecanicista” (Tarnas, 1991). Esta mudança de paradigma surgida no seio da física quântica abriu novos espaços a novas idéias, onde “A profunda interconexão dos fenômenos estimulava um novo pensamento holístico sobre o mundo, com muitas implicações sociais, morais e religiosas”. (ibid). Sobre o holismo citamos Melo “O termo holismo vem do grego holos: totalidade, refere-se a uma compreensão da realidade em função da totalidade integrada, cujas propriedades não podem ser reduzidas a unidades menores sem consideração desse entrelaçamento de elos que se interpenetram, mesmo que virtuais”.(Melo 2002). Uma grande mudança começou com as resultantes do paradoxo ERP(Einsein-Rosen-Podolsky) que “indicou que, se a mecânica quântica é verdadeira, algumas partículas estão em contato instantâneo, mesmo que elas se encontrem em extremidades opostas do universo” (Wilson, 1997). Esses três pesquisadores tentaram na verdade uma “reductio ad absurdum (redução ao absurdo) da teoria quântica” (ibid), contudo, acabaram por levar a física a estudos posteriores que puderam mostrar a possibilidade de partículas estabelecerem conexões mais rápidas que a velocidade da luz, ou seja, conexões não-locais.

Antes de prosseguir, na parte final de nosso texto, é interessante não definir, mas ao menos introduzir o leitor ao inconsciente coletivo, o qual abordaremos. O inconsciente coletivo é uma hipótese de Carl Gustav Jung e, segundo ele: “Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e no entanto desaparecem da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade” (Jung, 2006: 53). Aqui ainda poderíamos falar muito, pois mesmo essa palavra hereditário pode ser contestada por posteriores estudos de Jung, mas não entraremos muito a fundo aí para não complicar demais o texto.

O que nós parece é que a realidade empírica é modelada e restringida tanto por nossas categorias perceptivas como já observava Kant como pelos arquétipos do inconsciente coletivo, como observava Jung. Se não temos acesso direto a realidade exterior isso significa uma influencia constante de nosso modo de perceber sobre a realidade. Mesmo que existam disposições típicas do inconsciente inatas na constituição do homem, que modelem a realidade a partir de nossas vivencias, não podemos negar as influencias externas, como não a negamos desde o inicio desse texto, no qual apontamos a intencionalidade liberal por trás dos fenômenos narcísicos.

Isso significa que desde crianças nossa mente começa a ser influenciada pela mídia, pela família e pela propaganda da sociedade de consumo, um dos grandes avatares modernos, como também nos lembra o mito do rei Midas, que já expomos no texto sobre futebol. Dessa forma a projeção da crianças e seus arquétipos sobre o mundo externo modifica-se graças a vivencia – que eu chamaria de patológica – da sociedade de consumo sobre a criança.

Para finalizar esta parte, apenas gostaríamos de apontar a dupla possibilidade ao se voltar para dentro, ao se procurar nosso Si-mesmo. Se em uma direção existe uma possibilidade real de acontecer o que acontece hoje, este narcisismo desenfreado ao qual observa Lipovetsky, em outra podemos ver que o encontrar-se a si mesmo é o ato mais fundamental da vida, de uma vivencia autentica (lembrando Rogers). Viver autenticamente não é estar preso ao Ego, pois para a ausência de patologia psíquica é necessária a criatividade constante e só podemos ter esta criatividade quando estamos acessando nossa espontaneidade, intuição, nosso inconsciente, pessoal e supra-pessoal. Nesse instante estamos lidando também com desejos coletivos, algum surrealista um dia falou que no dia em que todos sonharmos com a revolução ela seria feita. É uma grande verdade. Marie-Louise Von Franz nos fala no livro “O Homem e Seus Símbolos” sobre o aspecto social do Self, e para tal conhecimento é necessário um conhecimento do inconsciente, uma vivencia dele. Ela nos diz então: “Quando uma pessoa tenta obedecer o inconsciente fica muitas vezes, como vimos, impossibilitada de fazer o que quer. E vai estar igualmente incapacitada de fazer o que as outras pessoas qerem que ela faça. Acontece muitas vezes que precisará separar-se do seu grupo – família, parceiro ou outras relações pessias – para poder encontrar-se. É por isso que se diz que atendendo ao inconsciente as pessoas tornam-se anti-sociais e egocêntricas. Como regra geral isso não é verdade absoluta, pois há um fator pouco conhecido que intervém nesta atitude: o aspecto coletivo (ou, podemos mesmo dizer, social) do self” (Jung, 2001: 220). E prossegue: “De um ponto de vista prático este fator se manifesta no fato de que um indivíduo, acompanhando seus sonhos durante determinado tempo, vai descobrir que eles dizem respeito ao seu relacionamento com as outras pessoas” (ibid).

Pensando agora em contracultura e anarquismo, temos que ter a noção de que a realidade é primeiramente psíquica. Se quisermos uma sociedade melhor temos primeiramente olhar ao homem como ele é, sem aquele otimismo, ao qual Malatesta observou, aquele “belo otimismo kropotkiniano que eu chamei de ‘providencialismo ateu’ a descer das nuvens e a ter em as coisas tal qual elas são, bem diferentes daquilo que gostaríamos que fossem”.

A contracultura ao observar o condicionamento psíquico ao qual estamos expostos então foi uma grande mãe ao anarquismo, pois nos doa uma observação mais do que fundamental, mas a contracultura cometeu também erros inegáveis. Os punks, por exemplo, ao se afastarem da sociedade (seja anarco-punks, sejam os modernos freegans) não só se botam a margem da elite, mas se botam a margem de toda sociedade dessa forma impedindo seu próprio acesso ao popular, a povo, aos menos favorecidos e se torna um movimento estéril e preso a brigas internas de um modo a parte, particular. Tal perigo também ronda, como citamos no texto: “convergência anarquista”, no anarquismo ontológico de H.Bey.

Para um fortalecimento do anarquismo trata-se primeiro de atacar as instituições internalizadas e cristalizadas no corpo de cada um de nós, para alcançarmos não o vazio, não o egoísmo, mas uma ligação muito mais verdadeira com o coletivo, uma ligação que mesmo com ela não abandonaremos nossa singularidade e nosso eu. Trata-se de des-cobrir os meios de derrubar essas regras ideologicamente determinadas, como já observava Wilhelm Reich ao falar das couraças e alguns gnosticos ao falarem de sistase. Se nós falta ainda mecanismos de dissolver toda essa estrutura interna do ser, sem duvida não podemos ficar parados esperando que tal caia do céu - mesmo que rezemos e influenciemos tal queda -. Temos que continuar fazendo o possível, mesmo dentro de nossas limitações, para que o anarquismo a liberdade continuem vivas, na cabeça de cada um, algumas vezes rompendo as barreiras de concretos formadas na psique da maioria (independente de classe econômica).

Bibliografia:

Freud, Sigmund. Obras Completas volume I, Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Imago, 2004.
Jung, C. G., Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes. 2006
Lipovetsky, Gilles. A Era do Vazio, Ed. Gallimard, 1989.
Mello, E. Mergulhando no mar sem fundo. 2002,
Rogers, Carl. Grupos de Encontro. Martins Fonte. 2002.
Tarnas, R. A Epopéia do Pensamento Ocidental. 1991
Wilson, R. O Gatilho Cósmico. 1997

[1] - (Sua majestade, o Eu).
2 – Rogers, ao contrario de que muitos pensam, não adotava a crença de que as pessoas deveriam mostrar-se somente boas, mas sim se mostrarem totais, tal como elas são. Dessa maneira seria possível o crescimento.

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