quinta-feira, dezembro 21, 2006

Conversas: Da Repetição a Criação.


Parte III: A Inserção do Tempo e do Intempestivo

Saiamos do campo da crítica, que tanto consome. É preciso deixar de ser reativo e passarmos a afirmação, afirmação de um modelo que de conta da invenção. Ou seja, temos que sair da reprodução de imagens separadas, da internalização de um ente morto, um ente doente em sua reificação. Kastrup[1] fala que é necessário o tempo, o intempestivo, mas, na verdade, ambos não se confundem. Temos que saber separar o tempo cronológico, causal e mecânico, do que é acausal, incerto ou demasiadamente complexo. Os gregos faziam esta distinção no que eles chamavam de tempo cronológico e kairótico. O tempo cronológico, representado por uma reta, é um tempo constituído na linearidade, continuo, mas ordinário. Causal e mecânico, por conseguinte, ordinário. Ordinário porque é o tempo da repetição, apesar de ser também o tempo da ação, mas se tudo fosse causa, a causa última seria a causa de tudo. Na psicanálise identificamos esse “Dieu” no “complexo de Édipo” e, de maneira banal, toda interpretação onírica ou de um caso acaba levando ao mesmo ponto invariante, ao mesmo ponto central.

Central é o ponto que tocamos. Não falo aqui de qualquer masturbação, mas do que é intempestivo, daquilo que acontece como um relâmpago e nos tira do lugar, aquilo que produz uma alteração profunda no comportamento, e modo de ser, daquele sujeito que estava parado no sinal da esquina da central do Brasil. Nietzsche chamava aquele sujeito adaptado demasiadamente, a seu tempo, de decadant. Clamava não só pelo intempestivo, mas pelo extemporâneo, pois o bonito no homem é ele ser uma travessia e não um ponto final.

Mas voltemos a cognição, especialmente a Bergson, grande amigo. Bergson falava de diferentes “planos de consciência”, onde, através de uma metáfora piramidal, ele começava sua falação. “A pirâmide é formada em sua base por representações que são imagens, as quais, possuindo a forma da percepção, estão próximas da matéria. Em seu topo, estão situadas representações condensadas, dotadas de virtualidade, como o ‘esquema dinâmico’” (Kastrup, ibidem: 98-99).

Aqui podemos ver uma ampliação do conceito de representação, pois inclui um esquema dinâmico, onde existem, em virtualidade, representações condensadas, permitindo a criação de uma multiplicidade de imagens possíveis. A busca de uma palavra, de um som, de uma imagem é o esforço de invenção, ou seja, não se trata de algo causal, onde há reversibilidade. Na psicologia, a qual antes citamos, vamos ver esse esforço inventivo, criativo tanto na psicologia complexa de Jung como na esquizoanálise de Deleuze e Guattari, ambas as psicologias, diga-se de passagem, influenciadas por Bergson e Nietzsche.

A inteligência, como dissemos, não está no lugar do conjunto de representações previstas, previsíveis; podemos ainda tentar ampliar nossa compreensão sobre esse conceito, sem ter a pretensão de defini-lo. Segundo Bergson ainda, a inteligência tem uma diferença interna, e passa das representações mais repetitivas à representação mais virtual. Com essa compreensão de virtualidade podemos nos localizar numa criação que não é nem pura “solução de problemas”, sendo portanto representação provinda de re-cognição, nem provém “ex nihilio”.

[1] - Kastrup, A invenção de si e do mundo. : uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição, 1999: SP, Papirus.

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