Introdução ao Real –
Parte I – Epistemologia e os Gregos.
Eu me interesso pela epistemologia a algum tempo, apesar de não ser um estudioso no assunto. Para quem não sabe, epistemologia provém do grego: “episteme = conhecimento superior + logos = discurso, estudo”, o termo era utilizado por Platão que o distinguia da Doxa, que era o saber do senso comum. Dessa forma, o termo epistemologia foi utilizado como estudo dos saberes científicos, que procura determinar as condições que possibilitam o ato de conhecer, tal como, a discussão de questões referentes a sistematização e transmissão do conhecimento nas diferentes áreas de saber. Segundo alguns, ainda, a epistemologia teria nascido no momento do nascimento da filosofia grega, com Tales de Mileto.
Uma questão essencial da epistemologia já começa nos gregos: O que é real? O mundo dos sentidos? O mundo dos deuses? O mundo da razão? Como conhecemos? A primeira busca grega foi encontrar decodificadores universais para o caótico universo.
Tales, por exemplo, falava que tudo provinha da água. Temos, por exemplo, sua citação: “Tudo é água e o mundo está cheio de deuses” e a partir desta água primordial tudo se tornava diferenciado. É interessante observar que a água possui um aspecto simbólico de emoção, tal como, de inconsciência. Bem, partimos então, de uma concepção central, de onde tudo mais provinha, tal como: “Tudo vem de Deus”, ou ainda, como para Heráclito, tudo provinha do fogo. Claro que estes aspectos são, em sua maioria, metafóricos. Temos, ainda neste período Empédocles que propunha que tudo provinha de quatro elementos distintos (água, terra, fogo, ar) e estes eram eternos e se separavam e uniam-se através consecutivamente da discórdia e do amor (Éris e Eros).
O maior conflito nesta época, contudo, se deu entre o pensamento socrático e platônico contra o pensamento dos sofistas. Para Platão os sentidos não eram um método confiável de conhecimento, pois eles eram por demasia pessoais e sempre passiveis de mudança, por exemplo, podemos dizer que cada ser humano vê uma cor de rosa diferente, podemos dizer que cada ser humano pode considerar uma mulher bela partindo de diferentes características de análise, ou seja, não é possível generalizar e universalizar os julgamentos e as percepções provindas dos sentidos.
Platão então, após estudar com os Pitágoricos, que bebiam da fonte do orfismo e da matemática, procurou criar um conhecimento que transcendia a mera opinião e a mera moral individual, procurando a universalidade. Platão então, através do conhecimento adquirido com Sócrates, fundamentou sua tese sobre os arquétipos, que seriam padrões ontológicos e transcendentes que são a base de todo universo. Padrões racionais, diga-se de passagem. Exemplifiquemos alguns arquétipos platônicos: o bem, o mal, a beleza, a felicidade. O sensível, para Platão, estava relacionado ao irracional, enquanto o supra-sensível (os arquétipos) estavam relacionados a uma racionalidade transcendente.
Uma melhor compreensão acerca dos arquétipos socráticos é dada por Diotima ao falar a Sócrates sobre a beleza:
“Beleza que não se apresentará a seus olhos como a beleza de um rosto, das mãos ou de algo corpóreo, ou como a beleza de um pensamento ou da ciência, ou como a beleza que tem sua sede em outra coisa que não nela mesma, seja um ser vivo, a terra, o céu ou qualquer outra coisa; ele a verá como absoluta, existindo por si e em si, única, eterna, dela participando todas as outras coisas belas, de tal forma que, vindo elas a nascer ou morrer, ela não sofrerá aumento, diminuição ou mudança”.
Para Platão o conhecimento provinha do “Hades” (ai ele faz uma série de distinções no mundo dos mortos no Fédon, que podem ou não ser consideradas como metafóricas), ou seja, do mundo dos mortos. Antes de nascerem os seres humanos conheceriam a Verdade, os arquétipos propriamente ditos, todavia, através do ato de nascimento este conhecimento seria esquecido. Para conhecer o real, portanto, o ser humano deveria voltar-se para dentro a fim de descobrir o que esqueceu. Platão dava, portanto, grande valor a meditação, pensamento, intelecto, análise. Ele conseguiu unir duas tendências dissonantes em sua época, a filosofia de Heráclito que dizia que “Tudo está em movimento” e a filosofia de Parmênedis que dizia que “Nada se modifica, toda modificação é ilusória”.
Nesta mesma época, de Sócrates e Platão, o outro forte segmento da filosofia eram os Sofistas que apenas acreditavam no conhecimento humano, no conhecimento relativo e particular, negando as generalizações. Platão, em seu ensaio sobre os Sofistas chama-os de “Erisianos mercenários” (o que nos faz lembrar, excluindo os mercenários, do movimento discordiano, que abordaremos mais a frente). Os sofistas cobravam para ensinar a arte da retórica, arte que Sócrates, por exemplo, era muito bem instruído.
Foi justamente a esse “o real de tudo está no indivíduo” que Platão atacou. Antístenes (que foi um cínico), filosofo daquela época, afirmava através do princípio de inerência que não se pode afirmar de um sujeito muitos predicados, ou mesmo nenhum que dele divirjam. Ele somente aceitava os predicados idênticos ao sujeito (ex: cavalo é cavalo, azul é azul, alias, o que nos lembra o princípio da identidade e a não-contradição de Descartes – o que é A é A, o que é B não pode ser A).
Uma questão aqui a ser colocada seria: Podemos falar que todos os homens são homens apesar de suas diferenças? Podemos falar que uma letra é uma letra, independente de sua grafia ou estilo do escritor? Podemos falar que todo livro é um livro? Podemos falar que todo trabalho é um trabalho? E, indo além em Platão: Podemos falar que existe uma letra ideal? Podemos falar que existe um livro ideal (um protótipo de livro)? Podemos falar que existe um trabalho ideal?
Para nós talvez seja muito fácil dizer: “é obvio que todo homem é um homem”, mas nem todo homem pensa assim. Estilpão, por exemplo, dizia que os conceitos genéricos não tinham nenhuma realidade e nenhum valor objetivo. Por isso, ao falar de “homem” não se está falando de ninguém, pois não se designa nem este e nem aquele.
Após Aristóteles a base do real passa das idéias universais e transcendentes para as coisas em si e suas categorias. A essência do real não estaria mais nas idéias eternas, mas agora “in rem” (na coisa). Já no enfoque de Aristóteles que podemos designar como universalia in rem (universais na coisa) a forma (eidos) e a matéria coexistem. Diferimo-nos agora do modelo “univeralia ante rem” (universais antes da coisa) platonico e do “universalia post rem (universais depois da coisa) para superar o “tertium non datur” (não há terceiro termo), ou seja, para superarmos a negação da dialética. Dessa forma Aristóteles teve papel fundamental na síntese epistemológica de sua época.
Aristóteles trouxe, portanto, uma imanência viva e não mecânica ao mundo. Expliquemos o porque. Ele voltou-se certamente aos objetos do mundo externo, num certo empirismo, mas com isso não ignorou o movimento da natureza viva, a physis que, para os gregos, tinha uma acepção muito diferente da física para nós. Aristóteles acreditava numa lógica teleológica da natureza, tudo continha um potencial para vir-a-ser bem, mas o que é o bem? O bem para Aristóteles é conseguir manifestar suas potencialidades. Por exemplo: uma semente tornar-se arvore, e um ser humano, parafraseando um nome de livro de Rogers: “Tornar-se Pessoa”. Para a empreitada do ser humano de vir-a-ser o bem existiam alguns pontos nevrálgicos como, por exemplo, o ser virtuoso. A virtude (areté) na Grécia de Homero, por exemplo, tinha uma conotação heróica e inata que, com Hesíodo passa a tornar-se uma construção. E é nesta conotação de construção que Aristóteles a empregará. O sujeito, com sua phrônesis(sabedoria prática), pode descobrir a virtude. A virtude, para Aristóteles, tem uma conotação muito interessante de mediania (meio termo entre extremos) que nos faz lembrar o “Nirdvandva” hindu e a conjuctio oppositorum (união de opostos) para Jung.
É interessante ressaltar a crença irremediável de Sócrates, Platão e Aristóteles (como santo Augustinho e Tomás de Aquino que abordaremos posteriormente) na razão. Os três eram o que poderíamos chamar de essencialistas, pois acreditavam numa essência de racionalidade no ser humano, onde esta mesma ocuparia papel central no cognição da realidade e da verdade.
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